Foto: mediotejo.net

Afinal o que é ser mutualista? De que trata o Montepio Abrantino Soares Mendes e qual o seu propósito? Faz sentido falar em mutualismo nos dias de hoje? Que desafios enfrenta este movimento centenário? Estas foram algumas das questões sobre as quais um grupo significativo de pessoas refletiram nesta quinta-feira à noite, no Arquivo Municipal de Abrantes. De entre as conclusões, surgiu a confirmação da atualidade e pertinência do mutualismo na comunidade abrantina e não só, bem como a necessidade de atualizar e adaptar as valências do mesmo às necessidades atuais da comunidade de associados.

Manuela Ruivo, presidente da Direção do Montepio Abrantino Soares Mendes desde 14 de julho de 2011 e vogal da Mesa da RedeMut, em representação do Montepio Abrantino, desde 22 de abril de 2013, disse ao mediotejo.net que “faz todo o sentido falar em mutualismo” e que este é “atual e moderno e está instituído em Abrantes, faz setembro próximo, 161 anos”.

A justificação passa “não só pela história que encerra, mas também por aquilo que efetivamente faz e pelo trabalho que desempenha. Um trabalho muitas vezes silencioso e que muitas vezes não se vê, mas que um grande grupo de associados (temos 2000 associados ativos), que pagam as suas quotas, uma anuidade, e que usufruem dos serviços que o Montepio lhes dá”, explicou.

Segundo a presidente da direção “não é um parasitismo”, pois são praticados “os mesmos valores que o SNS, não é fácil conseguir manter esta dinâmica”. Manuela Ruivo fez ainda notar que “não é nosso objetivo o lucro, mas não há mal nenhum em termos retorno que nos permita, pelo menos, ter alguma mais-valia para podermos fazer obras, por exemplo.”

Sobre a definição do mutualismo, a responsável explicou que “existe uma troca de serviços, as pessoas pagam um serviço e usufruem dele. A faixa etária dos nossos associados é transversal à faixa etária da maioria das pessoas do nosso concelho que aproveita e vai ao médico de clínica de geral, umas porque têm necessidade porque não têm essa oferta, outras por questões monetárias e outras porque são simplesmente mutualistas e se sentem na sua casa”, exemplificou.

A instituição encontra-se implementado em todo o concelho e também nos concelhos limítrofes, porém como a sede se encontra no centro da cidade de Abrantes, “isso obriga as pessoas a virem até à sede de concelho, mas muitas delas não têm transportes, muitas delas não têm mobilidade suficiente para o fazer ou não têm condições para vir até cá sozinhas”. Nesta medida, a atual direção, que se encontra no segundo mandato, “achou pertinente poder levar estes serviços, os serviços básicos pois não pretendemos ultrapassar ninguém, é prestar aos nossos associados, visto que eles têm direito a, este tipo de serviços”, referiu Manuela Ruivo.

Quanto à pertinência de se falar de mutualismo no Arquivo Municipal, a responsável relembrou a ligação ao local. “É de todo pertinente esta atualidade do mutualismo em Abrantes, particularmente pelo sítio onde estamos [Arquivo Municipal Eduardo Campos] e pelo motivo que nos trouxe cá. O arquivo histórico de Abrantes tem o nosso espólio, é nosso fiel depositário e foi confiado o acervo que temos também da Caixa Económica, neste momento está patente uma mostra até ao final do mês, uma forma de mostrar a evolução e o perdurar do movimento mutualista com documentação e também mostrar um serviço que o arquivo histórico faz à comunidade”, frisou.

Segundo Manuela Ruivo, o movimento mutualista “perdura no tempo, é transversal e portanto tem que ser forte em termos de trabalho subliminar que muitas pessoas provavelmente não conhecem o Montepio enquanto instituição, é uma IPSS que presta aos associados uma assistência médico-medicamentosa, já tivemos outros serviços como formação e a Caixa Económica que acabaram, mas esta assistência perdurou o que quer dizer que existe essa necessidade. E se ela existe e ainda perdura no tempo é porque há necessidade que ela neste momento ainda esteja presente e bem presente, e portanto é uma necessidade atual”, disse.

Recentemente, a maioria das instituições mutualistas nacionais acabaram por se unir, criando a Rede MUT, o que possibilita que “os associados do Montepio Abrantino Soares Mendes não só possam usufruir dos serviços básicos que aquela instituição presta, como podem usufruir em qualquer Montepio do país desde que tenham o cartão da Rede MUT, e ser assistidos naquela instituição. É um serviço muito para além dos nossos limites geográficos concelhios”, explicou.

Quanto ao trajeto do Montepio Abrantino Soares Mendes, revestido de entrega voluntária da parte dos envolvidos, a presidente da direção acrescentou que “teve altos e baixos, conseguiu perdurar dado existirem pessoas de entrega, que deram o seu melhor para este movimento, nem sempre foi fácil tal como não é fácil neste momento. Existe uma desmotivação, um abandono da causa pública independentemente de qual seja. As pessoas hoje em dia são um bocadinho egoístas, é mais fácil guardarmos o nosso tempo livre para fazer coisas que nos dão prazer”, notou.

Manuela Ruivo, empresária agrícola, reconheceu que o movimento subsiste porque “ainda existem pessoas que independentemente das suas carreiras profissionais, conseguem guardar algum tempo para dar a uma instituição como esta”.

Quanto ao objetivo, passa por “simplesmente tentar continuar o trabalho meritório que foi feito, provavelmente muito melhor do que aquele que nós fazemos, mas mesmo assim o que nós pretendemos é passar a outra geração, a outro grupo que queira trabalhar, que tenha empenho e que goste do Montepio Abrantino Soares Mendes e do movimento mutualista”, concluiu.

Também na mesa de oradores esteve Pedro Bleck da Silva, atualmente vice-presidente da RedeMut – Associação Portuguesa de Mutualidades e também representante do Montepio Geral – Associação Mutualista junto da Associação Internacional da Mutualidade com sede em Bruxelas.

Falando sobre a modernidade do mutualismo, Bleck da Silva referiu-se à origem e contextualização do movimento mutualista na Europa e na necessidade de refletir sobre este movimento na atualidade. “Movimento livre, onde as pessoas pessoas aderir e seguir voluntariamente, democrático, assente no princípio da solidariedade e tem várias implicações a nível social e financeiro, e é suportado na contribuição voluntária de todos os seus membros”, tendo como fim “a satisfação das necessidades dos seus membros e familiares, necessidades das pessoas como pessoas”.

Os fins do mutualismo estiveram, segundo Pedro Bleck da Silva, sempre “ligados à proteção da pessoa humana, que se sobrepõe ao interesse económico e financeiro que possa estar subjacente”, uma vez que as associações mutualistas não têm fins lucrativos.

Abordando a evolução histórica paralela à evolução do mutualismo, o orador fez referência à Revolução Industrial, que trouxe novos desafios com o êxodo rural, concentração nas cidades, desenvolvimento de grandes polos industriais, problemas de acidentes, de desemprego, entre outros. “Foi esta necessidade que gerou as associações mutualistas, pois como se costuma dizer «a necessidade aguça o engenho»”.

Segundo Pedro Bleck da Silva, em Portugal em 1930 existiam cerca de 600 associações mutualistas, o que coincidiu com o aparecimento da Segurança Social “ainda tímida” e coincidiu com o início do Estado Novo. A partir daí entrou-se em declínio, e as associações mutualistas passaram a ser “complementares relativamente aos serviço públicos, de saúde ou de Segurança Social”. Hoje existem cerca de 100 associações inscritas no registo da tutela, mas ativas não chegam a 70; já o sistema mutualista “cobre na Europa quase 50% da população”, indicou.

Reconhecendo que o modelo mutualista “está profundamente enraizado no sistema cultural e no sistema de proteção social europeu, as instâncias europeias deviam apoiar o desenvolvimento deste tipo de instituições, mas não o fazem”, o orador disse ainda que este modelo “é atual e tem de corresponder às necessidades atuais das pessoas”.

A subsistência das mutualidades passa por “saber trabalhar em conjunto”, ideia que esteve na génese da criação da RedeMut, “para ganhar dimensão, baixar os custos estruturais, dar maior margem/dimensão financeira às mutualidades neste país”.

Por fim, o tramagalense Octávio de Oliveira, Técnico Superior Consultor do IEFP e atual diretor do CINEL – Centro de Formação Profissional da Indústria Eletrónica, Energia, Telecomunicações e Tecnologias da Informação, ex- Secretário de Estado do Emprego (XIX e XX Governos Constitucionais) associou o mutualismo a duas vertentes: a solidariedade para com as pessoas e a complementaridade em relação às funções do Estado.

Notando a crescente diminuição da qualidade de vida, que é acentuada em relação a gerações anteriores, nomeadamente a sua e a dos seus ascendentes, Octávio de Oliveira referiu ter “dúvidas em relação à sustentabilidade da Segurança Social” e que “vivemos momentos de incerteza e de contingência”. Desta forma “temos que estar preparados para reagir a esses momentos”.

O estado em que nos encontramos, segundo o orador, é resultado do processo da globalização económica e a “Europa é hoje uma terciarização absoluta”.

Verifca-se uma “uberização das relações de trabalho”, ou seja, onde não se tem um empresário/patrão/empregador mas uma plataforma com quem se relaciona, o que faz com que os processos hoje sejam completamente diferentes numa era de Indústria 4.0.

Na sua visão, este tipo de instituições devem ser preservadas. “Sabemos o que têm feito, não sabemos a falta que nos vão fazer. Podem criadas novas entidades, que podem eventualmente cumprir as funções que estas têm cumprido, mas não há dúvida nenhuma que teremos sempre vantagem, pois se elas já existem, e têm uma história de 160 anos, julgo que é  grande interesse mantê-las, atualizá-las, porque no futuro poderão vir a fazer muita falta”, concluiu Octávio de Oliveira.

Também nesta sessão esteve presente Maria do Céu Albuquerque, presidente da CM Abrantes, que felicitou a direção do Montepio Abrantino Soares Mendes e “todos aqueles que ao longo destes 160 anos contribuíram para elevar também a grande instituição de solidariedade que tanto fez ao longo destes anos e que seguramente vai continuar a fazer pela comunidade abrantina”, entendendo ainda que existe um “grande desafio no papel de instituições como esta no futuro”. A autarca destacou ainda a importância do Arquivo Municipal enquanto espaço de preservação da história, memória e identidade do concelho, “a casa” criada e construída por Eduardo Campos.

Cronologia breve sobre o movimento mutualista em Abrantes:

1856 – A 15 de setembro foi criada a Sociedade Filantrópica Abrantina, cujo principal objetivo era o auxílio na doença aos sócios que dela fizessem parte, uma ideia que partiu de Miguel Fialho de Castro.

1894 – A instituição passa a ser designada por Associação de Socorros Mútuos Soares Mendes.

1903 – Enquanto valência anexa, foi criada a Caixa Económica que servia como instituição bancária que geria os depósitos monetários dos associados, sendo os lucros provenientes das movimentações financeiras aplicado no auxílio à benemerência particular.

1909 – Sede social instalada no edifício que ainda hoje perdura enquanto sede e espaço bancário.

1932 – Passa a designar-se Montepio Abrantino Soares Mendes, enquanto homenagem a Raimundo José Soares Mendes pelo apoio financeiro prestado à associação desde a sua fundação.

1988 – Aquando das Jornadas do Mutualismo neste ano, o Arquivo Municipal Eduardo Campos torna-se fiel depositário do acervo do Montepio Abrantino, guardando todo o espólio documental desde a sua fundação, servindo a preservação da memória mutualista no concelho e fazendo mostra do papel e exercício do mutualismo em Abrantes.

Hoje…

Até dia 28 de abril está patente uma mostra documental que faz prova do “Mutualismo em Abrantes – A razão de existir”, que foi visitada no final deste encontro de reflexão sobre o tema. A exposição pode ser visitada entre as 09h00 e as 12h30 e as 14h00 e as 17h30 no Arquivo Municipal.

Espreite aqui alguns registos do encontro de reflexão sobre o mutualismo:

 

Joana Rita Santos

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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