Abrantes esteve na quinta-feira no centro das atenções do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), com os seus responsáveis a quererem conhecer de perto o projeto de combate à desertificação no Ribatejo Interior, desenvolvido pela associação Tagus, e o trabalho de estudo desenvolvido nos concelhos de Abrantes, Constância e Sardoal. A visita decorreu no âmbito da Semana Nacional da Desertificação e da Seca.
Sob o lema ‘Superar a Seca Juntos’, o diretor do ICNF de Lisboa e Vale do Tejo, Rui Pombo, lembrou que a seca está também associada ao fenómeno da desertificação, sendo um dos desastres naturais mais destrutivos em termos de perda de vidas, decorrentes de impactos, como quebra de colheitas em larga escala, incêndios florestais e falhas hídricas.
VIDEO | DECLARAÇÕES DE RUI POMBO, DIRETOR ICNF LISBOA E VALE DO TEJO
A sessão de apresentação do estudo “Combate à Desertificação no Ribatejo Interior” decorreu no ParqueTejo, em Rossio ao Sul do Tejo, esta quinta-feira, 23 de junho.

Durante este encontro, foi abordado o tema da desertificação no Ribatejo Interior, causas e possíveis soluções para o combate a esta temática que passará pelo trabalho em rede de vários parceiros, instituições e entidades, num estudo cujos resultados despertou a atenção de entidades regionais e nacionais e que o mediotejo.net hoje recupera.
Esta ação, integrada na Semana Nacional da Desertificação e da Seca, contou com as presenças do Diretor Regional do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas de Lisboa e Vale do Tejo, Rui Pombo, da técnica coordenadora da TAGUS, Conceição Pereira, do Presidente da Associação dos Agricultores dos Concelhos de Abrantes, Constância e Sardoal, Luís Damas, e de Ana Paula Falcão, do Instituto Superior Técnico, que, online, explicou os resultados do estudo feito sobre a desertificação que envolveu 158 alunos de escolas dos concelhos de Abrantes, Sardoal e Constância.
Relatório e conclusões do estudo de Combate à Desertificação no Ribatejo Interior
Das necessidades apontadas pelos jovens de Abrantes, Constância e Sardoal como causa da desertificação (e do despovoamento) 50,6% prende-se com a criação de novas oportunidades de emprego, 14,5% com o investimento na cultura e ocupação de tempos de lazer, 10,5% com a dinamização da atividade industrial na região e 8,4% indicou também a falta de diversão noturna.
Estes valores resultam de uma estudo apresentado pela arquiteta Isabel Loupa Ramos e pela engenheira Ana Paula Falcão da FUNDEC, sobre a perceção da população local que tem como principal causa da desertificação do Ribatejo Interior o despovoamento, logo seguido do envelhecimento e do abandono da terra.
A apresentação do trabalho sobre os constrangimentos e potencialidades do Ribatejo Interior, desenvolvido pela FUNDEC – Associação para a Formação e Desenvolvimento em Engenharia Civil e Arquitetura, do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa, teve lugar pela primeira vez no mês de maio, na EPDRA, em Mouriscas.
Este estudo envolveu alunos do 12º ano, do ensino superior da região, e atores diferenciados do território da TAGUS – Associação para o Desenvolvimento Integrado do Ribatejo Interior.
Quanto à identidade da região, a população focou-se na Albufeira de Castelo de Bode (um dos melhores lagos navegáveis), no rio Tejo, na diversidade paisagística e cultural, na natureza cuidada associada aos afetos e territórios férteis.
Apontou também a localização, com centralidade e bons acessos, a proximidade da natureza e estar perto de Lisboa. Entre as ideias chave referem-se ainda “pessoas mais genuínas e autênticas”, a diversidade e identidade associadas às pessoas e aos seus costumes (como são exemplo no Sardoal as grandes tradições religiosas) e a gastronomia.
A unanimidade centrou-se na ideia de qualidade de vida e bem estar, e num estilo de vida mais tranquilo que estes territórios do interior proporcionam.
A pensar no próximo quadro comunitário e na Estratégia de Desenvolvimento Local, o objetivo passou por sensibilizar as entidades e a população local para a importância de combater a desertificação em Abrantes, Constância e Sardoal. Refletir sobre os constrangimentos existentes no Ribatejo Interior, dar a conhecer aos jovens as suas potencialidades endógenas, fomentando a criação de dinâmicas de empreendedorismo na região, conhecer as boas práticas de luta contra a desertificação e transferir conhecimentos para o território.

No estudo, a finalidade foi sensibilizar e intervir junto dos alunos do ensino secundário e do ensino superior e ouvir os agentes locais de vários setores de atividade, no sentido de criar uma rede de partilha de comunicação, sendo que a participação de Isabel Loupa Ramos e Ana Paula Falcão centrou-se essencialmente na sensibilização da comunidade estudantil.
Esteve envolvida a Escola Básica e Secundária Dr. Manuel Fernandes (Abrantes), a Escola Básica e Secundária Luís de Camões (Constância), a Escola EB2,3/S Dra. Maria Judite Serrão (Sardoal), a Escola Profissional de Desenvolvimento Rural (Mouriscas) e a Escola Superior de Tecnologia de Abrantes.
Ou seja, participaram quatro escola secundárias e uma universidade, envolvendo sete professores e 158 alunos, e foram realizados 270 inquéritos, um workshop e um fórum.
No processo surgiu um guião – que resulta das intenções da Tagus para este projeto –, daquilo que interessava perguntar aos alunos sobre a identidade do Ribatejo Interior, da perceção da qualidade de vida, do entendimento do conceito de desertificação e das perspectivas para o futuro da região.
Os alunos do ensino secundário desenvolveram o projeto nas disciplinas de Sociologia, Psicologia e Cidadania, e elaboraram postais com elementos característicos de cada freguesia dos concelhos participantes – Abrantes, Constância e Sardoal –, bem como painéis da região com a identificação de pontos fracos e pontos fortes.
Os alunos identificaram como desafios a pouca diversidade de comércio, o abandono da região, que contribui para o seu isolamento, e a escassez de transportes públicos. Os motivos principais apontados para o despovoamento são a falta de projetos culturais e de lazer para cativar jovens e adultos, o envelhecimento da população, a ausência de investimento do poder local/central da região e a falta de oportunidades de emprego para jovens.

Como recomendações, foram identificadas necessidades por colmatar designadamente: mais postos de trabalho; condições especiais de acesso a empréstimos à habitação para quem vive no interior (foco nos jovens); ações de divulgação com a organização de ‘visitas-experiência’ as pessoas/identidades chave, por exemplo, o media; campanhas de publicidade e marketing dirigidos à população urbana como público-alvo; levantamento da biodiversidade para o desenvolvimento de experiências (ativas radicais, como exemplo a organização de passadiços arbóreos); a importância de criar coesão territorial através da criação de rotas turísticas que explorem o potencial da envolvente à albufeira de Castelo de Bode e áreas envolventes do rio Tejo.
Ou seja, baixa densidade populacional resulta em falta de massa crítica, que por sua vez resulta em baixa taxa de criação de emprego, que resulta em menos emprego, que resulta em emigração e envelhecimento, resultando baixa densidade populacional. Um ciclo ou uma espiral da qual o Ribatejo Interior tem de sair, sendo que, concluíram Isabel Loupa Ramos e Ana Paula Falcão, “todos temos de contribuir para transformar uma espiral descendente numa espiral ascendente”.
Todo este material foi então entregue à Tagus para análise e identificação de medidas a implementar nos territórios. Medidas essas que necessitam de apoio financeiro, verbas que estarão disponíveis no próximo quadro comunitário, tendo em vista a próxima Estratégia de Desenvolvimento Local.
Em declarações ao mediotejo.net, a coordenadora da Tagus, Conceição Pereira, fazendo um ponto de situação em relação à preparação das estratégias, referiu que o estudo será integrado nos planos a definir pela instituição: “Irá ajudar-nos a definir os objetivos ideais, que iremos aplicar no território no próximo quadro comunitário”. Explica que atualmente essa preparação “está na fase da identificação das entidades” que irão gerir a Estratégia de Desenvolvimento Local.
Ou seja, “os grupos de ação local, as associações de desenvolvimento local vão entrar na fase de candidaturas às linhas de apoio para o dinheiro ser alocado ao Ribatejo Interior”.

Conceição Pereira lembrou que este quadro comunitário”teve uma particularidade comparativamente aos quadros comunitários anteriores. “Até 2025, portanto desde o final do quadro comunitário anterior de 2022/2023 até 2025, aplicou-se o regime de transição que permite que estejamos a gerir o modelo do que é atualmente DLBC até 2025. Estamos num período de regime de transição e já estamos a gastar verba do próximo quadro comunitário para não haver um período sem aplicação de dinheiro dos fundos, vamos aprovando projetos mas já com execução do próximo quadro comunitário”, vincou.
Neste momento, “estamos todos a repensar o território”. Num curto prazo, “vai haver a primeira fase de distribuição das verbas pelo território nacional – continente e ilhas – e depois, a segunda fase, a aprovação das estratégias”.
Conceição Pereira acredita que a primeira fase decorrerá ainda em 2022 e, por isso, afirma fazer sentido a análise dos documentos no âmbito desta sensibilização para o combate à desertificação. A próxima fase “depende muito do resultado de definição do território mas provavelmente 2023, em 2024 já vão ser as novas orientações do programa”.
A responsável avançou que a Tagus bem como os grupos de ação local “foram avaliados pela boa execução que têm tido nos seus quadros de programação” no âmbito do Desenvolvimento Local de Base Comunitária (DLBC). A Tagus “está de parabéns”, diz. “Atingiu os indicadores que estavam previstos, uma taxa de compromisso de 99% e uma taxa de execução de 42% e conseguiu trazer para o território mais 542 mil euros. Estamos muito agradados”, afirmou. Tal verba vai permitir abrir três avisos de concurso.
A “esperança” de que o próximo quadro comunitário traga igualmente um bom pacote financeiro para a região permanece na Tagus, contudo Conceição Pereira alerta: “Todos os quadros comunitários trazem alterações que às vezes nos ultrapassam e que fazem parte das orientações do governo. Por exemplo, nunca tínhamos tido os pequenos investimentos na agricultura e não foi uma decisão nossa foi uma orientação do governo que mudou totalmente o que seriam as medidas que eram aplicadas nos territórios”.
A coordenadora da Tagus considera o apoio aos pequenos investimentos na agricultura “muito importante”, mas nota que a associação deixou de apoiar as entidades de apoio à ação social, designadamente os lares.
Para o futuro “já foram identificadas muitas ações, sempre ligadas ao FEADER, ao Ministério da Agricultura e desenvolvimento rural”, lamenta Conceição Pereira, uma vez que, diz, “os territórios rurais não são apenas agricultura, há o pequeno comércio, o pequeno empreendedorismo, que pode não ter nada a ver com a agricultura, como as novas tecnologias, que são importantíssimas para o desenvolvimento rural e que infelizmente, enquanto no anterior quadro comunitário tínhamos por via do FEDER e do Fundo Social Europeu, neste quadro não iremos ter por via do FEADER”.
Contudo, fala em “coisas novas” que vão surgir, “muito ligadas às preocupações com a alimentação, com os circuitos curtos, com a agricultura e a valorização dos produtos locais, e com as questões ambientais”.

Esta foi a última atividade do “Combate à Desertificação do Ribatejo Interior”, aprovado no âmbito da operação 20.2.4 – Assistência técnica da Rede Rural Nacional, área 4 “Observação da agricultura e dos territórios rurais”, na temática “Jovens nos Territórios Rurais e Luta contra a Desertificação”, financiado pelo Programa Nacional de Desenvolvimento Rural (PDR2020), do Portugal 2020, através do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER).
Este projeto resulta de uma parceria entre a TAGUS, a Associação de Agricultores de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação, a EPDRA – Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Abrantes, a FAJUDIS – Federação das Associações Juvenis do Distrito de Santarém e o TAGUSVALLEY – Tecnopolo do Vale do Tejo.
Com o objetivo de contribuir para o combate deste problema, focou-se na sensibilização das entidades e da população local, incentivando à reflexão sobre os constrangimentos existentes e as potencialidades endógenas de Abrantes, Constância e Sardoal.
No seu âmbito, foram realizados workshops, grupos focais, ações de benchmarking e, agora, este ciclo de reflexão sobre as oportunidades para os territórios rurais lutarem eficazmente contra a desertificação.
O ciclo de reflexão contou também com intervenções do Centro de Competências na Luta Contra a Desertificação, sediado em Alcoutim, dois painéis com intervenientes do país vizinho, da Adiman, uma associação idêntica à Tagus, e do presidente da Câmara Molina de Aragon, a região mais despovoada da Europa, e ainda um painel do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas sobre as áreas suscetíveis à desertificação dos solos e outro da Rede Rural Nacional.