Luís Fernandes é médico, conta-se entre os mais ilustres abrantinos, nascido na freguesia de São Vicente. Em conversa com o mediotejo.net falou do jornalista Fernando Pessa, que ouvia na rádio BBC durante os jantares invernosos à lareira, ao lado do pai, o Dr. Manuel Fernandes. Explicou a sua simpatia pelo Sporting Clube de Portugal, nascida na barbearia dos manos Camilo e que sem grande euforia ficou, passados que estão os tempos dos Cinco Violinos. Com vinte e poucos anos e um diploma de médico foi chamado para a Guerra Colonial. Na Guiné Bissau esteve dois anos no penoso papel de cirurgião de guerra. Não fosse o trágico destino de enviuvar na juventude talvez nunca tivesse regressado a Abrantes. Mas voltou para ser o presidente da comissão instaladora do novo hospital da cidade e durante 17 anos presidiu ao conselho de administração. Atualmente é presidente da Liga dos Amigos do Hospital de Abrantes.
Escolher ser médico talvez revele, mais do que qualquer outra profissão, a vulnerabilidade da condição humana. Mostra o rosto cru da vida. Que memórias guarda um homem cuja prática de cirurgião se iniciou durante a Guerra Colonial, num hospital militar na Guiné Bissau, onde diariamente se confrontava com a terrífica mutilação dos corpos?
Por essa experiência passou o abrantino Luís Fernandes, que nem muito cedo apreendeu a vontade de ser médico mas que, no fim de contas, compreendeu a vocação para o inevitável encontro com a enfermidade.
Na conversa com Luís Filipe Moura Neves Fernandes, homem afável e de diálogo fácil, percebemos que as histórias, por mais reais que sejam, guardam sempre a impossibilidade de narrar a totalidade do que foi intensamente vivido. Comecemos então pela juventude.
Luís Fernandes confessa uma inicial “inclinação para letras“, contudo pesou a profissão do pai, o médico Manuel Fernandes (que dá nome ao Liceu de Abrantes) e que “gostava que algum filho fosse médico”. Assim, no enredo das decisões, os três filhos enveredaram por esse universo da doença pouco dado a narrativas fáceis. Contudo a história talhou diferentes rumos e, dos três rapazes, apenas o mais novo se formou em Medicina.
“Desde muito jovem que em casa lia e declamava, lia muito particularmente literatura, gostava de História e de História de Arte, gostava de Geografia… sempre me dediquei a isso. Tenho a mania de comprar livros. Não tenho tempo de os ler, mas tenho-os espalhados pelo chão”, na falta de estantes vazias, conta.

“Não me arrependo, ser cirurgião foi a escolha certa”
Luís Fernandes nasceu em Abrantes em outubro de 1936, na então freguesia de São Vicente. A cidade viu-o crescer e receber a instrução primária na escola em frente ao Colégio Nossa Senhora de Fátima, pela mão da professora Hermínia Pires Alves, “uma grande professora” que o marcou bastante. “Uma pessoa rigorosa do tempo das reguadas”, recorda, embora não apanhasse muitas, ao contrário do primo.
Terminada a escola primária, e sem estabelecimentos de ensino na cidade para prosseguir os estudos, aos 10 anos mudou-se para Lisboa, onde já estudavam os dois irmãos mais velhos, ingressando no Liceu Camões, perto de um diferente Tejo que, tal como a distância da cidade natal, ia crescendo.
“Os meus dois irmãos entraram para Medicina, mas o mais velho, por uma questão de saúde no quarto ano, interrompeu o curso, e o do meio, ao fim de um ano, percebeu não ter vocação para médico e foi para Direito”, explica ao mediotejo.net.
Atendendo ao gosto do pai, um homem em nada resignado, Luís Fernandes entrou para a única escola superior de ensino de Medicina existente na época, a do Hospital Universitário de Santa Maria. Logo “nas salas de anatomia e práticas” o jovem de 18 anos percebeu a vocação para a cirurgia. “Com outra especialidade não tinha grande afinidade”, confessa.
O percurso de estudante universitário corria de forma natural, sem grandes mistérios e nenhum arrependimento de não ter optado por línguas ou literaturas modernas, não fora a perda de dois anos. “Num ano morreu o meu pai, fiquei um bocado perturbado e não fiz os exames”, revela. “Noutro ano, um mês antes do exames fui operado a uma coisa gravíssima, uma peritonite por apendicite aguda. Hoje em dia não tem grande problema, naquele tempo foi mal diagnosticada e estive muito tempo internado no hospital da CUF”.
Quis o destino que entre as alegrias do médico Manuel Fernandes, o grande impulsionador do desenvolvimento da cidade de Abrantes na primeira metade do século XX, precursor da sociedade Iniciativas de Abrantes, não contasse assistir ao legado de mais um médico na família. No entanto, outros reconhecidos legados ficam por Abrantes.
“Foi o dinamizador de um grupo de abrantinos, e não só, de pessoas ligadas à terra que contribuíram para o apelo que os de Abrantes faziam. Não só o meu pai mas outras figuras de quem era muito amigo e que ajudaram no entusiasmo de fazer uma série de obras”, sublinhou.
O Dr. Manuel Fernandes, um homem de Lisboa, chegou a Abrantes por via do amor. Namorava a mulher que lhe deu três filhos, entre eles Luís Fernandes, e foi “aliciado” para se estabelecer em Abrantes, uma terra carente de médicos e outros profissionais de saúde. E como um médico não escolhe doentes nem caminhos, em Abrantes se instalou.

Uma infância abrantina com a Segunda Guerra Mundial na rádio
Nos anos de 1940, Abrantes “era uma cidade muito diferente” de hoje, refere. Luís Fernandes recorda-se da Segunda Guerra Mundial e de como “as estações do ano eram mantidas”, contrariamente ao que sucede agora.
Mantém na memória o inverno. “Em Abrantes chovia muito, e lembro-me de jantar com os meus pais numa mesa ao pé da lareira, por causa do frio. O meu pai às 21h00 ligava a rádio para a BBC e ouvia-se o Fernando Pessa, de Londres, a relatar as notícias da Guerra” e de uma Inglaterra destruída pelas bombas alemãs.
Nesse Portugal do Estado Novo, nas memórias encontram-se também as “campanhas de prevenção” e as casas com questionáveis cruzes brancas atravessadas nas janelas. “Temendo que os aviões de Hitler bombardeassem Portugal, um pintor muito amigo que morava perto colava papéis em cruz nos vidros das janelas. Em caso de bombardeamento evitava que os estilhaços ferissem as pessoas”, explica.
Resgata também a imagem dos irmãos Camilo. “Foi o pai e os dois filhos que me influenciaram a ser do Sporting. Eu miúdo ia cortar o cabelo à barbearia dos manos Camilo e eles eram sportinguistas ferrenhos… ainda continuo simpatizante do Sporting”, naquele tempo uma equipa “completamente diferente da atual”, diz. “Sou do tempo dos Cinco Violinos, era uma grande equipa!” exclama. Nos dias que correm, “com altos e baixos, e mais baixos que altos”, observa.
A viver em Lisboa, apesar de gostar muito de Abrantes, Luís Filipe Moura Neves Fernandes fez-se então médico, um rapaz acabado de sair da faculdade de Medicina com um diploma e um futuro de imprevistos. Mais tarde especializou-se em cirurgia geral, porque antes de iniciar carreira foi chamado pela pátria para cumprir o serviço militar como médico. Recruta feita na Escola Prática de Cavalaria em Santarém e, em 1968, acaba convocado para outro tipo de carreira: a de tiro, em Espinho, onde permaneceu um mês em preparação para a Guerra do Ultramar.
Desenha-nos em palavras a semana de campo num eucaliptal para os lados de Espinho com tendas em “que chovia torrencialmente”. Apareceu-lhe como sargento enfermeiro Rúben de Carvalho, do PCP, e ficaram amigos. Em fevereiro de 1969 embarcou para a Guiné.
No Hospital Militar de Bissau, o único da província, integrou a equipa de cirurgiões, uma experiência “penosa e proveitosa”, reconhece. “Estive dois anos a ver e a treinar cirurgia de guerra”, de onde resultou uma grande experiência em traumatismos graves. Com os seus dias cheios de tragédia e de colegas extenuados junto aos doentes, confessa que “era duro!” A sua equipa estava de urgência dia sim dia não. “Recebíamos feridos de guerra diariamente e havia mortos, infelizmente”.
Durante esse tempo foi instalada, pela primeira vez na Guiné, uma unidade de rim artificial, e Luís Fernandes fez a viagem de regresso à metrópole para no Hospital Curry Cabral treinar durante três meses. Recorda ainda quando assumiu a responsabilidade do sector dos gases do sangue, “uma coisa muito importante, para os traumatizados de guerra”, e ainda na unidade de queimados. “No tempo em que era governador o General Spínola, ia quase diariamente ao hospital ver os feridos”, diz, visualizando na perfeição a descida do helicóptero.
Regressou em janeiro de 1971 sem possibilidade de participar nos concursos médicos para a carreira. “Tive de esperar até ao final desse ano para ingressar na especialidade de cirurgia. Eram mais os candidatos do que as vagas. No Hospital de Santa Maria haviam só 60 vagas. Mas preparei-me bem! Um dos testes que fiz foi o primeiro em Portugal de escolha múltipla, o chamado teste americano”.

Da Guerra Colonial à inauguração do novo Hospital de Abrantes
Luís Fernandes casou pela primeira vez em 1965 e desse casamento nasceram duas filhas. Maria do Rosário Lauret Pereira de Oliveira sofria de uma diabetes com insuficiência renal grave que lhe roubou a vida tinham as miúdas 8 e 9 anos. E quando nada parecia impedir uma profissão bela e eficiente na capital do País, decidiu regressar a casa, apesar da indecisão durar um ano.
“Foi uma das razões que me trouxe de volta a Abrantes. Poderia ter feito a carreira em Lisboa e com muita pena deixei tudo para trás, porque tinha duas crianças pequenas sem mãe e eu saía de casa às 8 da manhã e entrava às 8 da noite. Quando chegava estavam as miúdas já na cama, acompanhadas por uma empregada. Uma situação muito complicada!”, admite.
Em Abrantes, foi a sua mãe já viúva e uma irmã que tomaram conta das meninas. Além disso, anunciava-se um hospital novo na cidade, mas “não fosse a situação da viuvez provavelmente não voltava”, afirma.
Quis a sorte que em 1983, nomeado pela então Ministra da Saúde, Leonor Beleza, presidisse à comissão instaladora do novo Hospital de Abrantes, inaugurado dois anos mais tarde. Nomeado ministerialmente voltou a ser Luís Fernandes para presidir ao conselho diretivo e, em 1989, indigitado para presidir ao conselho de Administração onde se manteve durante 17 anos, até se reformar.
“Fiquei muito ligado ao Hospital e se calhar a Liga dos Amigos surge pela amizade que tenho pelas pessoas que sempre trabalharam aqui. Fiquei muito amigo de todos os funcionários”, refere.
E assim se construiu o Hospital de Abrantes, antes dos hospitais de Tomar e de Torres Novas, sendo que “o planeamento hospitalar nacional previa que Tomar e Torres Novas não fizessem hospitais novos mas sim edifícios novos, sem a dimensão de hospital”, explica.
O Hospital de Abrantes, muitas vezes apelidado de elefante branco por causa da sua dimensão, teve razão de ser: “Foi projetado para uma área geográfica e de densidade populacional que englobava a área populacional de Tomar e Torres Novas, com as zonas de atração de Vila de Rei e Ponte de Sor, e o Hospital comportava todas as especialidades médicas e cirúrgicas”, indica.
Convicto de que é a política a mandar nestas coisas, diz que foram “os movimentos políticos de Tomar e Torres Novas que construíram os dois hospitais” que hoje integram, juntamente com Abrantes, o Centro Hospitalar do Médio Tejo.
Em 2002, Luís Fernandes ainda sem limite de idade para a aposentação, mas com o devido tempo de serviço, época que coincidiu com a união de vários hospitais em unidades hospitalares em todo o País, colocou um ponto final na sua carreira.
“Pedi a minha reforma na altura certa. Achei que era muito complicado três hospitais a funcionarem entre si, com distribuição de especialidades que saíam de Abrantes para outro lado, a pensar na rentabilidade”, explica. Abrantes, que está no centro, mereceu a especialidade médico-cirúrgica até pela proximidade da A23.
O acumular da função de médico cirurgião com a presidência do conselho de administração apresentou-se mais fácil do que seria de supor. Para isso contou “com um bom administrador, Silvino Alcaravela, uma pessoa em quem confiava”, sendo o suporte da administração do Hospital, afirma.
“Às vezes, no meio de uma reunião do conselho de administração, tinha de sair para ir operar uma apendicite, ou entrava um ferido grave e tinha de ir para o bloco. Um belo dia, a ministra Leonor Beleza mandou uma circular a dizer que os diretores do hospital tinham de ser, ao mesmo tempo, diretores clínicos… Portanto, durante meia dúzia de anos, acumulei a direção do Hospital, a direção clínica e a cirurgia geral. Não dormia no hospital todos os dias mas tínhamos o telefone à cabeceira. Tantas vezes me levantei às 4 ou 5 da manhã”, recorda. Foi uma vida dedicada ao Hospital de Abrantes.

Na ação da Liga dos Amigos do Hospital de Abrantes
No espírito e vontade de Luís Fernandes permanece “a necessidade do contacto com o Hospital”, confessa. Antes da entrada no novo século, em 1999, a ministra da Saúde, Maria de Belém, convocou as direções dos hospitais da zona sul para duas reuniões em Lisboa no sentido de “mostrar a utilidade” da Liga dos Amigos nos hospitais.
“Nessa altura estava no ativo, não podia fazer parte de uma Liga, e convidei duas personalidades abrantinas para encabeçar uma presidência e fazer uma Liga de Amigos. Mas mostraram-se indisponíveis e o Hospital continuou sem Liga. Depois de reformado, eu e 25 amigos resolvemos, com escritura notarial, fundar a Liga de Amigos do Hospital de Abrantes. As pessoas que subscreveram essa escritura quiseram que ficasse presidente e cá estou a cumprir aquilo que melhor posso fazer, já lá vão 16 anos”, uma missão na qual não permanecerá “muito mais tempo” adianta.
A Liga de Amigos cuida do acolhimento adequado dos utentes ao hospital, sendo uma Instituição Particular de Solidariedade Social que colabora com a administração do Hospital de Abrantes. Tem a principal fonte de rendimento na exploração do bar do Hospital há 12 anos, e ainda do pequeno bar nas consultas externas. Recentemente conseguiu a exploração do bazar com os jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, sendo também responsável por 10 postos de trabalho.
Apresenta parte ativa do Hospital apoiando os doentes, patrocinando equipamentos hospitalares e reabilitando as estruturas. Adquire nomeadamente televisores, aparelhos de apetrechamento de gabinetes da pediatria, aparelhos da gastrologia, monitores cardíacos de última geração, aparelhos para camas polivalentes nos cuidados intensivos, aparelhos para o bloco operatório, um aparelho kardec para a unidose, uma viatura de nove lugares para transportar profissionais de saúde ou oito macas para o serviço de urgência.
Além de fundar o corpo de voluntariado hospitalar, foi ainda responsável pela remodelação total da unidade de esterilização, pela substituição do pavimento dos cuidados intensivos, pela remodelação do refeitório principal, na pintura geral do Hospital bem como promovendo a reparação da cobertura, “situações só conseguidas com a ajuda do mecenato”, garante o médico.
Paixões divididas entre Wagner e azulejos
Contrariamente ao que sucedeu com o pai, nenhuma das filhas de Luís Fernandes optou por Medicina. Calhou, entre as tentativas de escolha, uma estudar Direito e outra ter paixão pela coisas da terra, dedicando a sua vida à agricultura e explorando uma herdade para os lados de Avis.
Fatigado pela solidão da viuvez, o médico casou em segundas núpcias com uma senhora de Lisboa, da qual não teve filhos mas ganhou uma enteada que trata como filha. A tristeza voltou a bater-lhe à porta: “Infelizmente, a minha segunda mulher faleceu com cancro em 2001”, conta.
Sete anos depois, casou pela terceira vez e a família voltou a aumentar com mais dois enteados. “Chegamos a uma certa idade e temos medo de envelhecer sozinhos. Naturalmente há pessoas que não pensam nisso, mas eu gosto de estar em casa a ouvir música”, sem qualquer sensação de isolamento ou de vazio, justifica.
O principal passatempo de Luís Fernandes passa precisamente por ouvir música clássica. “Só! Nem sei de mais nada”, ri. Manifesta-se “um apaixonado wagneriano”. Integra o Círculo Richard Wagner em Portugal e frequenta anualmente os festivais de Wagner. “Fui pela primeira vez em 1960, tinha pouco mais de 20 anos. É um velho gosto”, diz.
Outra paixão espelha-se nos azulejos antigos e, por isso, integrou os corpos sociais dos Amigos do Museu Nacional de Azulejos, e foi assim, curiosamente, que conheceu a sua terceira (e atual) mulher, no Palácio Fronteira.
Das viagens que faz com os Amigos, conta um episódio passado em Sevilha: “Certa vez, na Casa Pilatos, o professor de História de Arte da Universidade de Sevilha diz-nos que azulejos iguais àqueles só em Granada e em Abrantes. Esses azulejos estavam também nas paredes ao lado do altar mor, de alto a baixo…”, observa, dizendo desconhecer o seu atual paradeiro.
Contabilizando outros gostos, recorda na sua juventude ir até ao Parque Mayer ver as revistas. “Estava tudo à pinha. As pessoas gostam desse género!” exclama. “A última vez que fui ao teatro até me envergonhei. Os atores, que são pessoas fantásticas, estão ali para representar e a sala quase vazia. É uma pena! Prefiro não ver. Sinto-me mal por não ir ao teatro mas também não vou muito ao cinema pela oferta de filmes que o conforto do lar oferece através da televisão”, justifica.
Por falar em teatro, Luís Fernandes manifesta uma “enorme tristeza” pelo encerramento do Cineteatro São Pedro, em Abrantes. O médico foi o responsável pelo protocolo estabelecido, há 20 anos, com a Câmara Municipal de Abrantes, aquando da cedência do edifício. “Tenho esperança que ambas as partes se entendam porque o teatro tem de funcionar, senão deteriora-se e não há mais nenhuma sala de espetáculos na cidade”.
Explica que a sociedade “Iniciativas de Abrantes” construiu o Cineteatro São Pedro mas que “os restantes edifícios foram construídos pelas mesmas pessoas”. O grupo, diz, “não tinha esse nome, era apenas o meu pai (um entusiasta) e um grupo de amigos, famílias de Abrantes conhecidas e que ele prezava bastante”, reforça.
Da iniciativa de Manuel Fernandes nasceu o posto de apoio à infância e o dispensário anti-tuberculoso. “Em 1940 construiu-se o Colégio Nossa Senhora de Fátima, em 1948 o Cineteatro, em 1954 o Hotel Turismo e em 1960 o Colégio La Salle”, que o médico já não viu nascer e que deu lugar ao Liceu de Abrantes, hoje Escola Secundária Dr. Manuel Fernandes, em sua homenagem.

A “falsa questão” da falta de médicos
Falando da atualidade, e em jeito de retrospetiva, Luís Fernandes vê o Serviço Nacional de Saúde a deteriorar-se. Recusando tecer comentários quanto à questão dos enfermeiros e da gestão hospitalar, quanto à “qualidade médica” diz que “piorou muito” e “o Estado teve muita culpa”.
É nesse sentido que defende a implementação de concursos e de carreiras médicas que “obriguem as pessoas a estudar”. Reconhecendo a existência de bons profissionais de saúde, diz não haver concorrência. Atualmente “um médico pode estar anos sem fazer nada, sem estudar ou sequer se atualizar. Os concursos obrigavam a isso. Hoje os médicos são contratados a prazo pelo seu currículo. É o que há!”, afirma.
Considera que “os médicos deveriam ser sujeitos, de cinco em cinco anos, a provas mostrando que estão atualizados” nota.
Para Luís Fernandes o problema, incluindo da “falta se seguimento hospitalar”, não se prende com o baixo número de médicos. “Não há falta de médicos em Portugal! Há seis faculdades no País, saem por ano mais de mil médicos, é certo que alguns reformam-se, mas existe um superavit de médicos, estão é mal distribuídos”. Ou seja, “há um mau planeamento a nível nacional, o Ministério da Saúde não trabalha bem e o cenário de médicos no desemprego é possível”, afirma.
Para colmatar a falta de médicos no Interior do País a solução, defende, passa por “abrir muitas vagas para médico de família”, ou seja a especialidade de medicina geral e familiar, e poucas para outras especialidades. Portanto, “ou ficam desempregados ou vão para o Interior para ter emprego”. Leonor Beleza, enquanto ministra, defendia que “quem trabalhasse no privado não podia trabalhar no público e vice-versa”, posição com a qual concorda.
Frisando que a formação de um médico “custa ao Estado muito dinheiro”, nota a não existência de “quaisquer regras”. Assim os médicos escolhem o privado… fala-se em 10 mil médicos emigrados…”, observa.
Lembra que durante os seus primeiros 10 anos de existência, o Hospital de Abrantes não mereceu qualquer visita de um ministro, nem mesmo na sua inauguração. Só em 1995 é que ali se deslocou o então Ministro da Saúde, Paulo Mendo.
Hoje Luís Fernandes gostava de ver regressar a Abrantes algumas valências, como a oftalmologia e a otorrinolaringologia, e que houvesse “outra dinâmica” no Hospital que teve como “casa” e ao qual dedicou tantos anos da sua vida profissional.
*Reportagem publicada em março de 2019, republicada em dezembro de 2019