Jorge Ferreira Dias no centro histórico de Abrantes em frente à Câmara Municipal. Créditos: Paulo Jorge de Sousa

A Câmara Municipal de Abrantes foi absolvida no caso que a opôs à empresa “Construções Jorge Ferreira Dias” tendo sido, ontem, notificada da sua absolvição no processo que correu trâmites no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria. Jorge Ferreira Dias já reagiu: em declarações ao mediotejo.net, não se mostrou surpreendido.

Jorge Ferreira Dias ainda não foi oficialmente notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, disse ao mediotejo.net, mas não se mostrou surpreendido com a notícia.

“Já esperava por esta decisão devido às pessoas que estão envolvidas no caso”, afirmou, lembrando que a decisão deveria ter sido proferida em abril de 2019, segundo o documento do Tribunal que tem em sua posse, mas “atrasou até depois das eleições [legislativas]”, acrescentou, sem adiantar muito mais.

O proprietário da empresa ‘Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda’, em situação de insolvência, interpôs o processo n.º 842/13.7BELRA contra o Município de Abrantes pedindo uma indemnização no valor de 6 milhões e 700 mil euros, pretensão que viu agora recusada. Na base deste processo está um outro que Jorge Ferreira Dias venceu, envolvendo a propriedade de uma parcela de terreno em Abrantes.

Neste momento, sem conhecer a sentença, Jorge Ferreira Dias recusa avançar se vai recorrer da decisão (recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul e Supremo Tribunal Administrativo). Contudo, manifesta-se incrédulo e questiona: “Como é possível ter ganho quatro ações contra a Câmara Municipal, incluindo no Supremo Tribunal, relativamente à parcela de terreno que envolve a Câmara e a Mercar e agora [no Tribunal Administrativo e Fiscal] a decisão ser favorável à Câmara?” Sem tecer mais comentários garantiu que, após a leitura da fundamentação da sentença, tomará uma decisão.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria considerou válidos os fundamentos da Câmara Municipal de Abrantes, indicando na sua decisão “julgar totalmente improcedente a ação, por inexistência de facto ilícito e culposo, e, nessa medida, absolver o réu do pedido… “.

Reunião de Câmara Municipal de Abrantes. Créditos: mediotejo.net

Na sequência da sentença, o presidente da Câmara Municipal de Abrantes, Manuel Valamatos, considerou que “mesmo estando certos dos fatos e de o desfecho vir a ser este, mostrámos sempre disponibilidade para dialogar com o representante da empresa que tinha um passado positivo extenso com o nosso Município. Mais do que uma vitória da Câmara, é uma vitória da justiça, de Abrantes e do bem comum dos Abrantinos que viram o seu bom nome colocado em causa na praça pública injustificadamente”.

Acreditando que os técnicos e dos juristas da autarquia “sempre agiram de boa fé e em conformidade com todos os princípios legais”, diz que “fizeram o seu trabalho de forma correta e dedicada”.

O Executivo camarário entende que “da parte da empresa Construções Jorge Ferreira Dias havia um sentido de culpar a Câmara, de condenar de forma injusta. Sempre dissemos que o assunto estava em Tribunal, que decidiu nesta instância absolver a Câmara de ter praticado qualquer ato ilegal. Ficamos satisfeitos e tranquilos” quanto à inexistência de ilícitos da parte da Câmara, disse Manuel Valamatos.

O presidente garantiu que essa “tranquilidade” será mantida mesmo que Jorge Ferreira Dias avance com um recurso da decisão para o tribunal hierarquicamente superior, no caso o Tribunal Central Administrativo Sul, com sede em Lisboa. “É um direito que assiste a qualquer cidadão, a qualquer entidade. O recurso é possível e aceitaremos isso naturalmente.”

A Câmara Municipal de Abrantes tem realizado nos últimos meses reuniões sobre o processo, com técnicos da autarquia e o próprio Jorge Ferreira Dias, e agora com a decisão favorável à Câmara, o presidente assegura “disponibilidade” para continuar a receber o munícipe.

“Sempre disponível para receber o sr. Jorge Ferreira Dias e as pessoas que ele entender ou qualquer outro cidadão. Já o recebi várias vezes e uma parte substancial daquilo que são as queixas do sr. Jorge Ferreira Dias estavam expressas neste processo em Tribunal que agora absolve a Câmara” de qualquer ato ilícito, afirma.

“Decorreu de facto uma reunião técnica onde foram apresentadas várias questões por escrito, já analisamos esse dossier apresentado, temos a resposta e vamos marcar uma reunião num futuro próximo, para apresentar as nossas conclusões. Mas muitas delas estão no processo que agora mereceu um sentença”, que o presidente considera “esclarecedora” e inequívoca”.

Perante esta decisão, “consideramos a clarificação de que a Câmara Municipal de Abrantes nada deve ao sr. Jorge Ferreira Dias ou à suas empresas, nem estes à Câmara Municipal de Abrantes”, leu o presidente em comunicado, esta manhã durante a reunião de Executivo.

Jorge Ferreira Dias. Foto: Paulo Jorge de Sousa

Jorge Ferreira Dias, antigo empresário da construção civil com um património que foi avaliado em 8 milhões de euros ficou em “absoluta asfixia financeira” com causas por si identificadas, apontando o dedo à “perseguição sistemática” da Câmara e acusando a autarquia de ter responsabilidades na insolvência das suas quatro empresas.

Uma delas, a Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda, chegou a ter 60 funcionários, entre administrativos, pedreiros, serventes, camionistas e contabilistas, “movimentando não só muita gente como também muito dinheiro”. Uma empresa reconhecida pelos seus pares como sólida, conceituada e com bom volume de faturação, de imediato “reinvestido” na aquisição de outros terrenos para futuras empreitadas, o que o tornou no maior detentor de área urbana de Abrantes.

Entre as muitas batalhas judiciais, Jorge Ferreira Dias destaca o processo nº 1148/09, uma ação interposta pela Câmara Municipal de Abrantes, em 2009, onde acusava a empresa Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda de se ter apropriado de uma parcela de terreno “de forma ardilosa” no Olival do Barata, na Encosta Norte da cidade. Uma ação fixada em 118 mil euros que antigo construtor considera ser a causa da sua desgraça, passando da expansão à insolvência, arrastando empresas e clientes.

“Uma empresa de automóveis vendeu à Câmara Municipal de Abrantes um terreno que é meu, com hipoteca na Caixa Geral de Depósitos. A Câmara sabe que o terreno é meu, o presidente e os serviços foram avisados, mas ignoraram as minhas reclamações”, assegura.

Com esta ação a empresa Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda., que conseguiu provar ser proprietária da parcela de terreno, ficou sinalizada no Banco de Portugal com dívida ao Estado português no valor da ação, e o empresário ficou com o rótulo de incumpridor, o que na prática ditou a paragem da empresa e a insolvência que arrastou até o ex-sócio da empresa, o filho Paulo Ferreira, que entretanto saíra da empresa para se dedicar à construção de um projeto próprio, o Lusitânia Parque.

Jorge Ferreira Dias. Foto: mediotejo.net/Paulo Jorge de Sousa

A sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, em 2012, veio a confirmar a sentença do Tribunal Judicial de Abrantes de 2011, que já tinha absolvido a empresa de Jorge Dias. A Câmara Municipal de Abrantes, não concordando com as duas sentenças, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, a 13 de setembro de 2012, não reconheceu o recurso por inadmissibilidade. A Câmara tentou ainda um novo processo para reclamar a separação da parcela à massa insolvente da Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda, alegando usucapião, mas o pedido foi considerado improcedente, confirmado em sentença de maio de 2018.

Tal absolvição não reverteu as consequências da quebra de confiança entre as entidades bancárias com as quais a empresa se relacionava até à data em que a Câmara interpôs a tal ação declarativa. A 24 de maio de 2013 foi proferida a sentença de declaração de insolvência e nomeado um administrador judicial.

Foi nessa ocasião que o sócio gerente Jorge Dias apresentou paralelamente uma reclamação formal no livro de reclamações da autarquia e começa a divulgar a história na comunicação social. Como consequência, foi alvo de uma queixa crime por difamação apresentada pelo presidente da Câmara, outra queixa crime por difamação apresentada pelo diretor de departamento administrativo, ambas arquivadas pelo Tribunal de Abrantes.

Mas Jorge Dias Ferreira acabou mesmo condenado com uma pena de prisão de 1 ano e e dois meses, suspensa, e realizou por quatro vezes trabalho comunitário, “sempre no Hospital de Abrantes”, explica.

A gota de água que encheu o copo do diferendo com a autarquia caiu em outubro de 2012, quando Jorge Dias Ferreira, movido pela “penalização” dos seus negócios sem resolução à vista, entrou na Câmara Municipal e ameaçou e ofendeu a então presidente da Câmara, Maria do Céu Albuquerque, chamando-lhe “mentirosa, interesseira e oportunista”. Também levantou a mesa de reuniões ao ar, partiu copos e garrafas de água, acabando por ser levado por agentes da Polícia de Segurança Pública, depois de, num último grito de revolta, ter arrancado parte da barba que na época não cortava há cinco anos. Naquele momento, corriam sete processos nos tribunais. Atualmente, o interposto no Tribunal Administrativo de Leiria é o único a decorrer.

Do incidente resultou um processo crime “de 900 páginas”, com o tribunal a solicitar uma consulta de psiquiatria, ou melhor, “uma consulta de controle de raiva, psicologia e psiquiatria”, detalha. Mais tarde, Jorge Dias Ferreira voltou à Câmara exigindo respostas, momento em que voltou a ameaçar o Executivo camarário – desta vez de morte -, o que lhe valeu um novo processo crime. Durante um ano e dois meses foi acompanhado nas consultas de psiquiatria do Hospital de Tomar.

Jorge Ferreira Dias. Foto: Paulo Jorge de Sousa

Em 2016, nova polémica com a Câmara aquando da inauguração da ETAR dos Carochos, que fez esperar até o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, mais de uma hora. Jorge Dias havia assinado um contrato de promessa de venda de terreno para a construção de uma nova Estação de Tratamento de Águas Residuais, com a Abrantáqua, empresa responsável pela gestão do sistema de recolha e tratamento de águas residuais do Município de Abrantes. O contrato de promessa não foi cumprido e a escritura pública não se fez atempadamente, mas fora construída a nova ETAR no terreno, sem autorização de Jorge Dias.

A cerimónia de inauguração começou por isso com algum atraso, uma vez que o construtor, então proprietário do terreno, barrou o acesso ao equipamento com uma carrinha dizendo que apenas havia autorizado a desmatação e o levantamento topográfico na preparação do terreno para a construção. Jorge Ferreira Dias acabaria por permitir a inauguração “por não gostar de ver os esgotos a correr para o Tejo”, afirma.

No decurso de toda esta história, Jorge Ferreira Dias foi sujeito a vários processos crime. Tudo, diz, porque “nunca se calou e pediu às autoridades para investigarem”. Interpôs então junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria um processo contra a Câmara de Abrantes, pedindo a tal indemnização num valor superior a 6 milhões de euros. O Tribunal decidiu agora a favor da autarquia. Mas esta história parece longe de um ponto final.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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