João Silva Tavares é conhecido em Abrantes pela sua farmácia mas principalmente pelo seu laboratório de análises de avançada tecnologia, que fundou em Alferrarede – e que mantém ativo, com expansão para além das fronteiras do concelho, e onde ainda hoje, aos 96 anos, passa parte dos dias, por não se sentir “completamente reformado”. Na sua vida destacam-se muitos outros momentos, como ter sido o primeiro presidente da Junta de Freguesia de Alferrarede ou presidente da Assembleia Geral dos Dragões, clube de futebol da sua freguesia. Um homem invulgar, que se envolveu em diversas missões ligadas às áreas da Farmácia, das Análises Clínicas e da Educação Sanitária.
Com quase um século de vida, farmacêutico de profissão e analista de coração (o inverso também é verdadeiro), diz ser “um velho que tem saudades da medida de leite que as vendedoras nos lançavam na praça, quando passávamos pelo meio do mercado diário” onde hoje está a Câmara Municipal de Abrantes. João Dias da Silva Alves Tavares tem saudades de tempos menos apressados contudo mais vigorosos com um interior pujante sem medo do futuro.

Aos 96 anos é considerado por aqueles que o conhecem como “um exemplo enriquecedor” no servir da comunidade. Uma vida intensa de feitos sociais, histórias solidárias e educação sanitária daquele que é o rotário português com mais tempo de missão de elo entre o seu clube – o Rotary Club de Abrantes que ajudou a fundar – e a Fundação Rotária, numa conta que soma 37 anos.
Em Abrantes toda a gente conhece o Dr. Silva Tavares, quer pela sua farmácia, quer pelo seu laboratório de análises de avançada tecnologia que instalou em Alferrarede, onde ainda passa grande parte dos seus dias, apesar de ter entregue os comandos do negócio ao seu neto Luís Pedro, “a alma do laboratório” como lhe chama.
O Laboratório Silva Tavares apresenta-se atualmente como uma estrutura sólida nos cuidados de saúde. Possui laboratórios de análises clínicas de Norte a Sul o País, contando com cerca de duas dezenas de unidades de recolha. Presta serviços a empresas, câmaras municipais, entidades públicas e particulares à escala nacional mas atravessando fronteiras, através do seu portal online onde os portugueses na diáspora podem aceder aos resultados das suas análises realizadas em território português.
Uma aventura que iniciou há 68 anos em parceria com a sua mulher, Maria Salomé Margarido e Silva Falcão, depois de outras aventuras mais difíceis como os quase seis anos que passou na Marinha Portuguesa durante a II Guerra Mundial em viagens de Cabo Verde para o Brasil.
Na realidade foram “cinco anos, quatro meses, 23 dias, 17 horas e 30 minutos”, precisa. Sem perder a memória, porque a vida dura de marinheiro custou-lhe “imenso!” afirma, até porque a ambição impedia-lhe que corresse água salgada nas veias mas sim a vontade de ser farmacêutico. Quis o destino, e ajudou a mulher, que acrescentasse a profissão de analista.

Na Marinha, numa das viagens no navio Tejo, recorda que em Cabo Verde “na Cidade da Praia estava o Regimento de Infantaria de Abrantes. Foram ter ao meu barco dois rapazes, um deles relojoeiro que tinha uma casa em Abrantes de fronte da casa da minha mulher de onde eu a espreitava e o outro sobrinho do diretor do Hospital Militar em Lisboa, Carrilho Ribeiro”. Lembranças de estar a bordo com o pé torcido, uma das marcas que trouxe da Marinha Portuguesa da qual não tem saudades e considera ter sido “uma perda de tempo”.
Mas vamos por partes nesta história: Primeiro, Alferrarede, onde nasceu “oficialmente a 25 em agosto de 1922”, nota, naquela época freguesia de São Vicente de Abrantes. Na verdade, a sua mãe deu à luz cinco dias antes mas “naquele tempo para não pagar multa” no registo civil a data registada para a posteridade ocultou o dia 20.
Segundo, Barca do Pego, para onde foi viver, após o pai regressar da Primeira Guerra Mundial. Uma povoação diferente pelas imensas narrativas aliadas ao Tejo. As suas tradições bem como histórias ligadas à cal hidráulica, ao comércio marítimo, assentam na quase invencibilidade do seu papel enquanto via de transporte de mercadorias não fosse a chegada da modernidade. Os seus pais chegaram de Proença-a-Nova para construir um lar por terras ribatejanas.
Em Abrantes, recorda o professor Octaviano Augusto Machado Leal, o homem que a seguir ao pai, lhe mereceu “maior respeito”. Diretor do Colégio da Broa – onde conheceu aquela que viria a ser a sua esposa, apesar do colégio ser só para rapazes, em 1937 foram anunciadas meninas – e seu professor na Escola Luís de Camões. “Os alunos faziam brincadeiras com todos os professores exceto com o professor Leal, não que batesse”.
Só recorda um dia “em que bateu a todos os alunos com a régua” já não tem presente o motivo, afinal passaram 90 anos, mas por certo “alguém terá cometido uma gafe daquelas valentes”, sublinha.
Chegado ao quinto ano do liceu, o seu pai, militar, foi colocado em Lisboa, em dezembro, na Direção de Artilharia onde estava “uma espécie de Museu Militar antigo” e no Campo de Santa Clara foi morar com a família, os pais e os três irmãos. Na capital travou conhecimento com um dos professores do Colégio Manuel Bernardes onde acabou por estudar juntamente “com os meninos ricos”. A permanência revelou-se curta porque o pai “não tinha dinheiro para pagar”, esclareceu.
Nessa sequência, apareceu-lhe o anúncio para a Escola de Alunos Marinheiros, uma maneira que encontrou para seguir em frente. “Eram muitos rapazes a concorrer, 98 creio, ficámos 7” para onde entrou em 1939. Faltou-lhe uma bolsa de estudo para prosseguir o sonho de ser farmacêutico em vez da Marinha.
Talvez por isso, o Rotary Club de Abrantes, do qual foi sócio fundador em 1980, tenha sido “uma oportunidade” para se resgatar da bolsa que nunca lhe deram. Quando de Tomar chega o incentivo “para formar o Rotary dediquei-me às bolsas de estudo para alunos com necessidades” financeiras. Atualmente o clube rotário de Abrantes, numa parceria com a Câmara Municipal, mantém a tarefa de atribuir anualmente bolsas de estudo a alunos da região.

Alguns anos depois, João reencontrou, em Abrantes, a mulher da sua vida com quem namorou 13 anos à distância. Também a rapariga, filha de pai militar, saltitou de Abrantes para Lisboa, de Lisboa para Torres Vedras. Ainda estudantes, casou com Maria Salomé na véspera de Natal de 1950. É para Alferrarede que o casal de jovens farmacêuticos regressa para se instalar em 1952, João Silva Tavares recém-formado na Faculdade de Farmácia do Porto, a fim de estabelecer a sua vida familiar e profissional numa época de penúria social.
Portugal era um país rural e pobre, com Salazar no Governo, Craveiro Lopes em Belém e Cerejeira na Igreja. Tal como a vizinha Espanha, fora poupado à Grande Guerra mas, apesar disso, não progredia. Era, igualmente, o tempo do Império Colonial, da PIDE e do isolamento da ditadura do Estado Novo.
“Não tinha um tostão!” afirma, mas quis a fortuna que o dinheiro chegasse via empréstimo bancário graças ao compromisso assumido por dois amigos de seu pai. “Na época 300 contos paga aos bochechos” recorda, para adquirir o trespasse da Farmácia Casaca com o apoio de Andrade Passarinho um amigo de Sardoal, e de um tio de Maria Salomé. Através do amigo José Miranda a Sociedade Industrial Farmacêutica concedeu-lhe “um mês sem pagar medicamentos” que representava naquela data “27 contos”, refere.
O regresso às origens aconteceu muito por questões familiares. Em Abrantes “a avó da minha mulher estava doente, uma pessoa muito importante para ela com quem tinha vivido na mocidade”. Antes disso, quando saiu da Marinha, trabalhou em Lisboa como escrivão do Depósito de Material de Guerra, dentro do Museu Militar, em Santa Apolónia. Onde esteve até poder fazer o exame de sétimo ano no Liceu Passos Manuel. “Para tal não me deram o dia então despedi-me!”, recorda.
Quando saiu do Museu Militar, por coincidência, o Exército montou o Depósito de Material Sanitário Militar em Benfica e “convidaram-me para ir para lá. Tive de ir à PIDE que queria saber quem eu era” conta, acrescentando que ainda tentou ir para enfermeiro do Exército e da Marinha. Falhou “por culpa” do sogro, mas não desistiu.
Hoje a realidade é bem diferente reconhece Silva Tavares. Os profissionais de saúde, ao acabarem os estudos universitários optam por centros de referência, não os criam. Escolhem serviços de qualidade mais certos nas zonas urbanas. Sem dinheiro raramente investem nos equipamentos e não arriscam inovar no interior do País, que perde população para o litoral. Mas Silva Tavares é de outra geração e Alferrarede constava dos mapas até no estrangeiro, fervilhava de emprego e de gente.

Primeiro que o marido, desde 1949, Maria Salomé antes de terminar o curso universitário, iniciou-se na profissão de analista. João Sousa Tavares um ano depois, também numa fase de pré conclusão do curso de Farmácia, embora oficialmente apenas muito mais tarde.
Estabelecido como farmacêutico, iniciou a sua profissão de analista em 1964 quando organizou, com 50 farmacêuticos, o primeiro Colóquio Regional de Educação Sanitária, promovido pelo Sindicato Nacional dos Farmacêuticos. Na época uma iniciativa “inovadora” e o primeiro passo para que oficialmente fosse reconhecido como analista, quando lhe atribuíram “15 postos do serviço médico/sociais para trabalhar” refere.
As análises surgiram porque João precisou de ir em auxílio de Salomé. Inicialmente compraram uma pequena sapataria na cidade de Abrantes, junto aos Claras, onde instalaram o primeiro laboratório “mas não era possível” e passaram para Alferrarede. Depois foi aumentando”, conta.
Contudo, nem só de saúde pública foi feita a vida de João Silva Tavares. Destaca-se como o primeiro presidente da Junta de Freguesia de Alferrarede (criada em 1959) e ainda como presidente da Assembleia Geral dos Dragões, clube de futebol da sua freguesia. Acredita que talvez à laia de “reconhecimento pelo serviço social que a farmácia prestava aos jogadores fornecendo medicamentos e ligaduras gratuitamente durante anos” explicou.
A comunidade “sempre lutou por Alferrarede ser freguesia. E o meu nome deve ter sido sugerido ao Sr. Simão, o magnata dos azeites de Alferrarede, e ao Dr. Cabral de Andrade, que vieram ter comigo à velha farmácia”, disse. Estiveram duas horas na conversa mas Maria Salomé não queria que João “se metesse na política”. Perante a insistência e garantias de que naquele pedido “não havia qualquer intenção política”, João Silva Tavares foi nomeado para ser eleito cinco meses depois. Ficou por lá quatro anos, altura em que decidiu sair porque “queria água para Alferrarede Velha, mas só houve para a Chiança” e deixou-se de administração pública.
João Silva Tavares foi ainda responsável pela instalação do laboratório de análises clínicas no antigo Hospital de Abrantes e também no novo Hospital, conhecido hoje por Doutor Manoel Constâncio.

Conta que o clube Os Dragões é “muito antigo”, na temática da sua origem só relaciona com uma casa que comprou em Alferrarede, onde hoje está construído o laboratório.
“Tinha a todo o comprimento uma lista de azulejos com dragões coloridos e no topo dessa lista uma imagem com um fulano a agarrar umas pedras onde se lia A União Faz a Força” disse, explicando que Os Dragões eram defronte e portanto, o antigo dono daquela casa “foi um incompreendido”.
Nem mesmo João o compreendeu, caso contrário tinha deixado a imagem intacta como “um marco para Alferrarede em toda a sua pujança”. Do outro lado da rua existia outro edifício com os mesmos dragões, que “dava um certo carácter” ao local e pensa-se que a origem do nome deve-se ao facto do clube estar instalado naquele edifício “começaram a chamar ao clube, Os Dragões”.
O papel social da farmácia não se ficou só pelo clube de futebol porque nos anos 1960 a Farmácia Silva Tavares acudia os mais necessitados em serviços médicos, tendo em conta a carência desses serviços permanentes no Hospital do Salvador (Hospital da Misericórdia de Abrantes), nem um serviço de urgência como viria a acontecer a partir de 1985 com a construção do Hospital Distrital de Abrantes.
Parece que foi noutra vida mas Alferrarede apresentava-se como um centro fabril onde viviam “pessoas extremamente pobres e que chegavam à farmácia em qualquer circunstância” como se de um banco de urgência se tratasse, recorda. “À noite, queimava-se um, vinham a correr”. João Silva Tavares refere-se à recolha de água a ferver que saía da fábrica da Companhia União Fabril aproveitada pelas mulheres para lavar a roupa ou a loiça.
João Silva Tavares lamenta com tristeza o abandono da sua terra. “Há um armazém de vinhos encerrado há 40 anos. Havia fábricas de tratamentos de madeiras e resinas, a Roldão & Roldão uma estação de combustível, fábricas de produtos químicos e o próprio caminho-de-ferro”. Fala de um projeto existente há mais de 15 anos para a recuperação do centro histórico de Alferrarede mas que “nunca mais mexe”, lastima.
Alferrarede mostrava nos anos 1960 um ambiente social “como se fosse o bairro chinês em Londres. A toda a hora, devido às fábricas, pequenos comboios para ir ao fontanário buscar água quente até às duas da manhã, bicicletas, camiões a transportar resinas… era um interposto de madeiras importante, além de estar no mapa europeu da petroquímica”.

Saídos do centro da cidade, em 1971 o laboratório era já na Rua do Comércio, juntamente com a farmácia e a casa de família, no segundo andar. Durante muitos anos o laboratório funcionou como “escola” onde aprenderam aqueles que seriam os seus futuros concorrentes. Até que ganhou uma dimensão do século XXI integrando três gerações da família Silva Tavares a trabalhar no laboratório e na farmácia.
“Só conseguimos sobreviver expandindo-nos e porque damos uma resposta extremamente rápida com resultados seguros”, assegura. Por outro lado, o negócio da farmácia caiu, “pertence a uma área que foi esmagada” diz, orgulhando-se, no entanto, de ser um visionários e dos primeiros farmacêuticos a possuir armários que escondiam os remédios.
Momentos de glória, outros difíceis claramente ultrapassados, com o mais duro golpe no falecimento da mulher em 1976. Contudo, apoiado pelos quatro filhos, João Silva Tavares nunca parou de inovar, investir e apostar nas novas tecnologias. Na farmácia Silva Tavares, por exemplo, “a informática chegou primeiro que ao Instituto Nacional de Farmácia e do Medicamento”.
Sobre Deus diz que lhe tira com uma mão e dá com outra. “Não me posso queixar!”
Foi o meu Avô Rogério Ribeiro que ajudou a sobrinha Maria Salomé Silva Falcão e o João Tavares a iniciarem a sua actividade. O Inicio das Analises Clínicas foi na Farmácia Silva em Abrantes onde a Salomé deu a sua primeira direcção Técnica. O meu Avô Rogério da Luz Ribeiro era um verdadeiro aristocrata e ajudava a família acima de tudo e os mais necessitados de Abrantes. Tradição que vinha já da sua mãe e dos seus antepassados! A Bem de Abrantes!
Ver Livro de Referência: Abrantes Cidade Florida 1952