O catálogo ‘Ídolos. Olhares Milenares – O Estado da Arte em Portugal’ foi apresentado em Abrantes, no auditório da Biblioteca Municipal António Botto, a alunos universitários de 15 países, no âmbito do programa APHELEIA. Como oradores, já depois de uma visita ao Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes (MIAA) estiveram Luiz Oosterbeek, professor coordenador do Instituto Politécnico de Tomar, e António Carvalho, diretor do Museu Nacional de Arqueologia, que destacaram a importância dos ídolos na história das primeiras civilizações mediterrâneas.
‘Ídolos: Olhares Milenares. O Estado da Arte em Portugal’ é o catálogo da mostra internacional, patente no Museu Nacional de Arqueologia, e que foi apresentado em Abrantes no âmbito do VIII Seminário APHELEIA, na terça-feira. O evento junta especialistas internacionais para debater as “Artes e Transformação Sociocultural”.
Este seminário, que decorre até 8 de abril, resulta da parceria estratégica europeia APHELEIA – Gestão Cultural Integrada do Território, coordenada pelo Instituto Politécnico de Tomar (IPT) e financiada pela Comissão Europeia.
Já o livro sobre a exposição no Museu Nacional de Arqueologia, apresentada pelo diretor do Museu, António Carvalho, é constituído a partir do património arqueológico de Portugal e Espanha, apresenta bens arqueológicos datados do sexto ao terceiro milénio a. C. no Centro/Sul de Portugal e Espanha e reúne as últimas descobertas sobre as comunidades agro-pastoris da Idade do Cobre na Península Ibérica.
As peças retratadas no catálogo e o conhecimento expresso nos textos dos vários investigadores convidados, especialistas em diferentes temas e cronologias, constituem um “inegável contributo” para conhecer expressões artísticas gravadas em pedra, cerâmica, osso, marfim ou ouro, testemunhos da ocupação humana na Pré-História neste território, explicou António Carvalho perante uma plateia de cerca de 40 pessoas. Neste seminário estão envolvidos 15 professores e 25 alunos de 15 países diferentes, representando quatro continentes, estando ausente a Austrália.

Com passagem pelo MIAA – Museu Ibérico de Arqueologia e Arte, em Abrantes, Luiz Oosterbeek explicou ao mediotejo.net que todos os anos leva os seus alunos a visitar a cidade e o castelo “até pela vista que se pode ter, explicar o território etc. Quando fazemos estes seminários anuais nem sempre vamos a Abrantes na visita ao território mas a existência do MIAA muda um bocadinho as coisas” em termos de organização futura das visitas, avança.
Isto porque segundo o professor, “o MIAA permite fazer uma explicação territorial das relações culturais entre a Península Ibérica e o resto do mediterrâneo, da Europa e do mundo euroasiático”.
ÁUDIO | PROFESSORES LUIZ OOSTERBEEK E ANTÓNIO CARVALHO:
Além disso, o diretor do Museu Nacional de Arqueologia, António Carvalho “tinha esta exposição feita no MNA em torno de uma temática que o MIAA tem um objeto; uma peça que está na primeira sala de exposições”, acrescenta. Ou seja, o facto de existir uma peça no MIAA relacionada com a temática levou o VIII Seminário APHELEIA até Abrantes.
António Carvalho trouxe até ao seminário internacional “um compromisso. O Museu Nacional de Arqueologia cobre o território nacional, nas suas coleções, nas suas redes, nas suas parcerias científicas, é um ponto de convergência”, dá conta.

No final da exposição no MNA, quando o catálogo português foi editado, António Carvalho afirma ter sentido que “a conciliação em torno da exposição era tão grande, e tinha havido tanto carinho, da parte das universidades, dos investigadores, etc que desafiei toda a comunidade científica a trazer o catálogo às diferentes universidades”.
O objetivo passou por “levar o livro e este estado da arte aos alunos” e “mostrar como se agarrou num tema comum a Portugal e Espanha e, mesmo com a situação difícil da pandemia, se transformou numa exposição internacional durante a presidência portuguesa da União Europeia e inaugurando uma cimeira Portugal-Espanha, que foi aquilo que aconteceu no dia 9 de abril [de 2021], uma cimeira de temática cultural”.

Ou seja, considera o diretor do MNA, “um ato de diplomacia cultural, de diplomacia cientifica, foi elaborar o estado da arte do tema dos ídolos”. No fundo “a forma como os seres humanos e aquelas comunidades representaram o corpo no quarto e no terceiro milénio e trazendo esse conhecimento devolvendo à universidade, aos nossos estudantes, às nossas instituições que preparam as gerações do futuro”.
Praticamente no fim dessa apresentação de Norte a Sul do País, faltando apenas a Universidade do Minho, António Carvalho faz um balanço “muito positivo” numa “experiência riquíssima” enquanto diretor do Museu Nacional de Arqueologia. Mas acima de tudo pelo facto de “o livro ter sido apresentado por diferentes olhares, professores que colaboraram no livro, professores que só leram o livro, professores que leram o livro e viram a exposição […] olhares que analisam este tema por diferentes perspetivas e tem contribuído por enriquecer o tema”.
ÁUDIO | PROFESSORES LUIZ OOSTERBEEK E ANTÓNIO CARVALHO
Ainda na relação da exposição do MNA com o MIAA, Luiz Oosterbeek sublinha essa ligação com “o tratamento da figura humana, que é uma forma de representação relativamente recente. Pode parecer muito tempo mas na história da Humanidade não é! Não temos representações de humanos antes de 45 a 66 mil anos, dependendo das datações feitas. As mais antigas são impressões de mãos e mãos em negativo, depois começam a aparecer representações que parecem humanas mas com cabeça de leão ou com componentes de animais e depois figuras femininas”, dá conta o professor do Instituto Politécnico de Tomar.
Todos estes ídolos pertença de um mundo mais antigo, de caçadores. Mais tarde surgem as sociedades de pastores e agricultores – em causa as primeiras civilizações no mediterrâneo – ou seja, a exposição que esteve patente no Museu Nacional de Arqueologia.
De acordo com Oosterbeek, a figura humana mais tratada no MIAA está relacionada com esse universo.

Considera “interessante” a “grande diversidade” dentro da Península Ibérica “com elementos em comum em que o mais significativo é a representação dos olhos e dos olhos com raios solares, mas esta temática, esteticamente bastante diferente, vai aparecer em todo o mediterrâneo. E de alguma maneira representa uma moda cultural, e eventualmente uma ideologia que, com variações, existia em todo o mediterrâneo”, diz.
Na interpretação de Luiz Oosterbeek “estas representações muito centradas no olhar surgem na altura em que as sociedades agrícolas se consolidam. Podemos constatar também que noutros continentes as primeira sociedades agrícolas também fazem isto tal como fazem num segundo momento a representação dos mortos”.
Por seu lado, António Carvalho explica que com a sedentarização “começa a haver uma relação com a terra, e com a memória e por vezes coloca-se esta ideia: estas figuras representam deuses, divindades ou são mais humanas que divinas, representam antepassados?”, interroga.
Acrescenta que o aumento da esperança média de vida, que chegou com a sedentarização ao terem, essas sociedades, gado, leite e lã, deixando portanto para trás a vida de nómadas, é “uma grande revolução” porque “as gerações conhecem-se mais entre si”. Os ídolos relacionados com o mundo dos mortos “também aparecem no mundo dos vivos, aparecem em aldeias, como se fossem mortos trazidos para o espaço dos vivos, como se fossem ‘altares’. Mas não vivemos com eles, estamos a interpretar”, nota.

Luiz Oosterbeek salienta que tais sociedades “já eram muito dependentes daquilo que se via a grande distância”, quer isto dizer, fora da floresta, nos campos agrícolas. “Um agricultor para além das mãos e da capacidade de trabalho, precisa da visão, não precisa da audição tanto como alguém que está a caçar”, acrescenta António Carvalho.
Em resumo; “os ídolos são produzidos, quer seja uma arte muito abstrata quer seja muito figurativa, no mesmo tempo, no mesmo ciclo; entre o neolítico final e o calcolítico” isto é, entre o quarto e o terceiro milénio a.C., conclui António Carvalho.
Naquela que é a sua oitava edição, o APHELEIA conta com inúmeras iniciativas, entre debates, conferências, workshops, mesas redondas e visitas temáticas, contando com alguns eventos abertos ao público. Outras iniciativas acontecem descentralizadas, como foi o caso da visita a Abrantes, ao Castelo e ao Museu Ibérico de Arqueologia e Arte.
O VIII Seminário Internacional APHELEIA explora assim os diversos temas numa abordagem transcultural, através do tempo e do espaço, reunindo para isso artistas e investigadores das Ciências Humanas, e focando, em particular, o papel das artes na estruturação das paisagens culturais.
