4ª edição do Festival de Filosofia de Abrantes. Créditos: mediotejo.net

A interação entre a “Cidade e a Arte” é o tema central do Festival de Filosofia de Abrantes que arrancou esta quinta-feira e fica pela cidade até sábado, 20 de novembro. O evento, que regressou ao modelo presencial, é organizado pela Câmara Municipal e tem o alto patrocínio do Presidente da República. No primeiro dia, o historiador de arte David Santos destacou “a importância” do Município ter desenvolvido o projeto MIAA e sublinhou “a complexidade” de ter uma coleção própria, mas que contribuirá, nas suas palavras, para “a afirmação da cidade”.

A quarta edição do Festival de Filosofia de Abrantes, cujos painéis decorrem no Edifício Pirâmide, arrancou no Dia Mundial da Filosofia, esta quinta-feira, com uma intervenção do presidente da Câmara Municipal, Manuel Jorge Valamatos, na cerimónia de abertura.

Recorda-se que em 2002, a UNESCO instituiu o Dia Mundial da Filosofia, fazendo a apologia da reflexão e fomentando o pensamento crítico, contribuindo desta forma para a promoção da tolerância e da paz. Desde então este dia é celebrado em todo o mundo na terceira quinta-feira do mês de novembro, que este ano tem lugar a 18 de novembro.

Durante a sua intervenção Manuel Jorge Valamatos introduziu o tema central do Festival e disse que o objetivo passa por “pensar a cidade” mas também o mundo, nas questões que preocupam a Humanidade, “em Abrantes, nas questões relacionadas com os nossos tempos, não seremos muito diferentes de todos”.

Afirmando-se defensor “da democratização do território” acrescentou a esta ideia de pensar “não apenas a cidade mas o concelho, a comunidade, pensarmos todos juntos”.

4ª edição do Festival de Filosofia de Abrantes. Créditos: mediotejo.net

Para o presidente “são estes ambientes que nos ajudam a pensar o futuro”, e lembrou que a ideia de um Festival surgiu “por força e por empenho de três pessoas da nossa comunidade; Nelson de Carvalho, Alves Jana e Mário Pissarra”, do Clube de Filosofia de Abrantes.

Durante três dias, pensadores, académicos, artistas e investigadores nacionais pensam e debatem de forma aberta o papel da arte, nas suas múltiplas disciplinas, na tensão dialética entre a sua realidade e o contexto social.

A Conferência inaugural intitulada ‘A arte, as coleções e as cidades’ teve como orador David Santos, historiador de arte e curador da Coleção de Arte Contemporânea do Estado Português.

Iniciou a sua intervenção apontando para os meados do século XIX. Nessa época Victor Hugo referia-se ao Museu do Louvre como “a Meca da Inteligência”, ideia que atualmente, disse, “parece ter sido produzida há milhares de anos”, tendo proposto “uma reflexão sobre as origens dessa identificação proferida no auge da legitimação museológica e a sua crescente inversão contemporânea”, tendo em vista a criação do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte (MIAA) em Abrantes.

4ª edição do Festival de Filosofia de Abrantes. Créditos: mediotejo.net

Citando o filósofo e historiador Michel Foucault, lembrou que “o Museu constitui de algum modo um universo representacional coerente”. Ou seja, “justapor os fragmentos no espaço pode produzir uma compreensão representacional do mundo. Se a ficção desaparece, o que resta do museu é o bricabraque, um punhado de fragmentos sem sentido e sem valor, incapazes de se substituir a si próprios, quer no lugar dos objetos originais, quer metaforicamente, no lugar da suas representações”.

Explicou, quanto às artes plásticas, que “o conceito de museu desenvolveu-se a partir das coleções da igreja, da realeza, da aristocracia e pouco depois da burguesia, isto é do hábito de decorar igrejas bem como os seus palácios com inúmeras obras de arte, símbolo ao mesmo tempo de poder, da excelência dos espírito e da cultura da sua condição social”.

4ª edição do Festival de Filosofia de Abrantes. Créditos: mediotejo.net

O historiador David Santos referiu também que os museus e as galerias funcionam no século XIX “como estâncias positivistas e de legitimação artística que pouco depois seriam abaladas pela força intempestiva das vanguardas que não cumpriam os preceitos desenvolvidos pelos saberes técnicos da arte oficial”.

Considerando que o desafio hoje assume-se como “uma tomada de posição entre o predomínio da experiência ou da interpretação”, David Santos notou que “a adaptação dos valores economicistas e da globalização chegou finalmente ao meio artístico e museológico abalando de um modo decisivo o antes baseado sobretudo na curadoria”.

Nesta medida, “o museu contemporâneo tem vindo a afastar-se da imagem de bunker perfecionista, realizando cada vez mais uma gestão entre as necessidades de preservação em escala, em torno do seu património e a sua regular exposição pública”, afirmou.

Falando de um público “cada vez mais vasto e plural, não elitista e de formação universitária”, defendeu que “os museus têm uma responsabilidade acrescida de acordo com o seu estatuto cultural e institucional” devendo, por isso, “defender uma atitude crítica e autocrítica, consolidada em termos de produção do conhecimento sob pena de deixarem de ser espaços de cultura e reflexão e passarem a meros lugares de consumo e lazer estetizado”. 

O orador destacou ainda “a importância” do Município de Abrantes ter desenvolvido o projeto MIAA e sublinhou “a complexidade” de ter uma coleção própria, mas que contribuirá, nas suas palavras, para “a afirmação da cidade”.

4ª edição do Festival de Filosofia de Abrantes. Créditos: mediotejo.net

Na tarde do primeiro dia do evento houve lugar, também, para uma comunicação livre que abordou a ideia de cultura e de arte como expulsão e hospitalidade e uma conferência com jovens filósofos, painel ao qual assistiram duas turmas da Escola Dr. Solano de Abreu. Contingências da pandemia obrigaram a que todos aqueles que assistiram ao painel anterior saíssem do auditório para dar lugar aos alunos.

O programa do Festival integra painéis que, até sábado, e a partir do tema central, abordarão várias temáticas, como a arte, política e sociedade, literatura, artes e transformação do mundo, arte, educação e compromisso comunitário, cuidar, expor e emocionar: a arte e os museus, filosofia e arte da paisagem e do jardim.

A par dos painéis, o programa inclui a realização de sessões de filosofia para crianças das escolas, com Joana Rita Sousa, filósofa e mestre em filosofia para crianças, na Biblioteca Municipal António Boto, onde está a decorrer uma feira do livro de filosofia.

4ª edição do Festival de Filosofia de Abrantes. Créditos: mediotejo.net

O Festival encerra no sábado à noite, com o espetáculo de poesia “Para atravessar contigo o deserto do mundo”, com Pedro Lamares e Lúcia Moniz, a realizar na Biblioteca Municipal António Botto, às 21:30. Trata-se de uma performance feita a partir da amizade e cartas trocadas entre Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena.

A entrada para as conferências é livre em todos os painéis e não carece de inscrição prévia.

PROGRAMA

Quinta-feira
18.novembro.2021
Edifício Pirâmide

21h30 – Literatura, artes e transformação do mundo
Oradores:
Dulce Maria Cardoso – Escritora e Romancista;
Cláudia Lucas Chéu – Atriz, Poeta, Novelista, Contista, Dramaturga e Argumentista;
Rui Horta – Coreógrafo, impulsionador de uma nova geração de bailarinos e coreógrafos portugueses;
Manuel João Vieira – Músico, Artista Plástico, Ator, Curador e Candidato presidencial;
Miguel Serras Pereira – Escritor, Poeta, Tradutor (Grande Prémio de Tradução do PEN Clube Português pela tradução de Dom Quixote de La Mancha -2006);
Moderação: Francisco Lopes.

Sexta-feira
19.novembro.2021
Edifício Pirâmide

21h30 – Cuidar, expor e emocionar: a arte e os museus
Luiz Oosterbeek – Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Tomar, Presidente do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas, Diretor do Museu de Mação;
Luís Raposo – Arqueólogo, Presidente do ICOM Europa; João Silvério – Mestre em Estudos Curatoriais, Curador associado da coleção de arte contemporânea da Fundação PLMJ, Curador e tutor no projeto RAMA Residências para Artistas (Maceira);
Moderação: Margarida Moleiro.

Sábado
20.novembro.2021
Edifício Pirâmide

10h00 – Filosofia e arte da paisagem e do jardim
Oradores: Adriana Veríssimo Serrão – Professora no Departamento de Filosofia da Universidade de Lisboa; Mário Fortes – Licenciado em Arquitetura Paisagista, Investigador;
Comunicação livre A ideia de cultura e de arte como expulsão e hospitalidade
Orador: José Eduardo Franco – Historiador, Professor catedrático, Membro da Academia Portuguesa da História; Moderação: José Manuel Heleno.
15h30 – Arte, urbanismo e transformação social
Oradores: Carlos Dias Coelho – Presidente da Faculdade de Arquitetura de Lisboa;
Álvaro Domingues – Geógrafo, Investigador; Fernando António Batista Pereira – Historiador de arte e Museólogo, Presidente da Faculdade das Belas-Artes; Sofia Marques de Aguiar – Arquiteta e Artista plástica;
Moderação: Jorge Costa.
18h00 – Arte, cultura, território e comunicação
Oradores: Carlos Coelho – Especialista em desenvolvimento de marcas; José Maçãs de Carvalho – Artista Plástico e Professor universitário; Sofia Nunes – Crítica de arte e Professora universitária; João Dias – Artista visual, Fundador e Diretor-Artístico da Saguão – Galeria Experimental (Viseu); Marta Aguiar – Autora de projetos e obras de arquitetura, design e transformação territorial;
Moderação: José Carlos Vasconcelos
21h30 – Para atravessar contigo o deserto do mundo
Espetáculo de poesia com Pedro Lamares e Lúcia Moniz
(Caminhos Literários)
Na Biblioteca Municipal António Botto

Em paralelo:
16 a 20 de novembro
FEIRA DO LIVRO DE FILOSOFIA
Biblioteca Municipal António Botto e Edifício Pirâmide
FILOSOFIA COM CRIANÇAS
Com Joana Rita Sousa, Filósofa e mestre em filosofia para crianças
Biblioteca Municipal António Botto, com as escolas do concelho

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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