Sara Alexandre (à esquerda) e Daniela Elias (à direita) no centro histórico da cidade de Abrantes. Créditos: mediotejo.net

Às vezes as paixões desenham projetos que resultam em negócios que se concretizam com pequenos passos, aprendizagem e muitas publicações nas redes socais. Foi assim com Daniela Elias e Sara Alexandre, uma jovem dupla de artesãs de Abrantes, que conhecendo as exigências (e a resiliência) de uma área como o artesanato, não baixaram os braços, descobriram as necessidades dos potenciais clientes e apresentaram os seus produtos primeiramente online, já com a marca Lab 6 Atelier, e depois em lojas físicas; vendem os seus brincos de cerâmica em Abrantes e Tomar, na Drogaria Nova. Mas querem expandir a arte que fazem com amor e criatividade.

Até ver, criam brincos – embora tenham outras ideias para dar forma à arte e entre os pedidos contam, por exemplo, botões de punho. As peças lembram doces pelas cores, no contraste, no brilho e alguns mereceram até batismos de macarrons e donuts. Daniela, de 26 anos, explica que o processo criativo não passa ao lado do neuromarketing, ou seja, a área da ciência que busca estudar e compreender os fatores que influenciam um consumidor na decisão de compra.

“Despertam no cérebro a mesma área que desperta um doce, um bebé ou um cão fofinho”, detalha.

Créditos: Artesanato Lab 6 Atelier

E os modelos podem ser grandes ou pequenos, em vários formatos desde um coração a uma folha, com ou sem aro em aço inoxidável, de cores vivas, pastel ou mescladas – quando tentam imitar mármores ou padrões de roupa -, branco, vermelho, verde, azul ou aquela que o cliente pedir, com preços entre os 4 euros e os 15,50 euros. O negócio, que caminha os primeiros passos, uma vez que o primeiro modelo foi criado a 6 de fevereiro de 2021, apresenta-se “rentável mas ainda não dá para viver”, diz por sua vez Sara, de 28 anos, que dedicadamente abraça a profissão de terapeuta da fala.

Daniela declara a música como a sua grande paixão, sendo vocalista da banda abrantina Coiote recorda ter sido a música responsável pelo seu regresso à cidade. Mas tendo formação em design de interiores explica que ambas desenham as peças e mandam fazer os moldes em empresas que disponibilizam serviços com impressoras 3D, embora nem todas precisem de modelos por serem apenas os universais círculos ou comuns quadrados.

“Algumas peças, sim, desenhamos pedimos a empresas com impressoras 3D, conseguem fazer os moldes das dimensões que queremos. Outros – círculos, quadrados, flores muito gerais – são moldes que toda a gente utiliza. Mas temos alguns modelos exclusivos”, dá conta referindo que a cerâmica plástica é um material ainda pouco explorado em Portugal.

Trata-se de uma argila polimétrica, ou seja, um tipo de argila com aspeto e propriedades de gel, que tem na sua composição plástico, mais concretamente, o polímero cloreto de polivinila (PVC), o que torna as peças extremamente leves.

Essa argila “com plástico em pequenas quantidades faz com que, em altas temperaturas – os nossos brincos vão ao forno duas a três vezes -, fique muito leve. O calor coze e torna as peças muito leves, tanto que um par de brincos dos mais pequenos, já finalizados, pesa cerca de dois gramas. Um material muito fácil de trabalhar embora tenha de ser trabalhado de forma correta e exija algum tempo, mas é muito maleável, dá para fazer formas 3D, para esculpir, dá para fazer muitas coisas” incluindo pedidos personalizados, explica Daniela.

Sara Alexandre (à esquerda) e Daniela Elias (à direita) no centro histórico da cidade de Abrantes. Créditos: mediotejo.net

A história da Lab 6 Atelier nasce em casa de Sara que arrancou com a experiência por causa da tradição indígena de colocar alargadores nas orelhas. “Gostei da aparência dos alargadores mas não me via a alargar as orelhas então comecei a fazer os círculos que dá o mesmo efeito”, diz.

E assim surgiram os brincos redondos com aros. Ao verem as peças nas orelhas de Sara, colegas e amigos começaram a fazer encomendas e nesse caminho da criação surgiram modelos diferentes e páginas online nas redes sociais facebook e instagram e atualmente participam no mercado online Bou Market.

A Sara juntou-se a amiga Daniela e ambas arriscaram uma arte cuja técnica desconheciam. Para aprender subscreveram cursos no Atelier Piino, “uma referência para nós e neste material” e aí aprenderam a aplicação da cerâmica plástica, tempos de cozedura, como aplicar os fios. Nas redes sociais “fomos seguindo outras marcas, muita gente dá dicas, depois experimentamos”, refere Daniela.

Além da cerâmica, nas peças as artesãs utilizam tinta acrílica – embora notem que dão prioridade à massa, combinando cores -, aço inoxidável para os aros e espetos, que são ‘colados’ com cerâmica liquida e não cola, silicone e resina UV para os acabamentos. Neste tipo de material podem ainda ser utilizadas tintas à base de álcool.

Créditos: Artesanato Lab 6 Atelier

O processo implica então esticar a massa – colorida e “versátil” – ao rolo ou com ajuda de uma máquina, aplicar moldes, fornos e cozeduras, polimento, colocação de espetos (para orelhas furadas), cozer novamente e se o acabamento levar resina implica de novo altas temperaturas.

“Fazer um par de brincos leva horas”. Um par de brincos demorará, em média, cerca de três horas assegura Daniela que profissionalmente trabalha com desenho técnico.

Tendo ambas profissões “muito específicas, precisamos de um bocadinho de criatividade, para aligeirar um bocadinho a semana”, acrescenta. Sara lembra que este trabalho artesanal surgiu como “escape na altura da pandemia, estávamos em confinamento, em casa, e começamos a pensar numa forma de dispersar e expressar. Foi uma descoberta! Tínhamos um objetivo, comecei a procurar online, foi um feliz acaso, começamos a fazer para nós e depois expandiu-se”.

Na verdade, a junção de Daniela e Sara deu-se graças aos afetos. As jovens abrantinas conheceram-se num grupo de amigos comuns que partilham o gosto pela música e pelas artes. Sara é a melhor amiga do namorado de Daniela e o convívio regular passou a ser uma realidade, que proporcionou uma descoberta: ambas eram (e são) primas afastadas, mas não sabiam.

Portanto, consumou-se numa união de fatores comuns, embora reconheçam terem ambas “gostos muito diferentes” desde à música ao estilo, contudo, no final da equação, “resulta!”, garantem.

Créditos: Artesanato Lab 6 Atelier

Com o passar dos meses e com experiência adquirida, as peças artesanais da Lab 6 Atelier foram além do passatempo e transformaram-se num trabalho em part time, depois da hora do expediente, não só na criação dos modelos e dos brincos mas também na dinamização das páginas que têm nas redes sociais.

“É muito importante! Se não interagimos as pessoas esquecem-se de nós. E tem de haver todos os dias uma publicação, uma forma de comunicar. E tudo isso demora muito tempo. A distração é fácil e ficar até às 02h00 a trabalhar”, conta Daniela.

Pedidos de outros acessórios têm chegado à dupla de artesãs, como os referidos botões de punho, mas o produto ainda não avançou por falta do material ideal e de um fornecedor de confiança. Já a cerâmica plástica encomendam fora de Portugal.

“Há a procura de materiais, temos de os testar, não utilizamos nada abaixo do aço inoxidável, por uma questão de segurança, higiene e saúde e de longevidade da peça. Por exemplo, prata dá para trabalhar mas encarecia o produto e temos em conta o nosso cliente. Para ele o mais interessante é a parte exterior da peça e não se é prata ou aço inoxidável. Mas obviamente que queremos criar outros produtos, já fizemos ganchos, umas peças para uma corrente de óculos. De facto ainda não encontramos os complementos certos no material que procuramos”, refere Daniela a quem o projeto traz “grande satisfação”.

Igualmente satisfeita com o projeto, Sara conta que, certa vez, numa sessão fotográfica no Castelo de Abrantes, com o objetivo de fotografar os modelos, levaram uma cesta de piquenique e uma toalha que colocaram no chão coberta de brincos a fotografar e “apareceram algumas pessoas interessadas. Sentaram-se no chão a ver. Fizemos vendas e estávamos só a tentar fotografar. Foi engraçado!”, considera.

Daniela e Sara usando brincos da marca Artesanato Lab 6 Atelier. Créditos: Artesanato Lab 6 Atelier

No processo criativo e de execução complementam-se dividindo tarefas; a Sara mais com as mãos na massa, os testes, no fundo a parte inicial do processo, e a Daniela na segunda fase, ou seja, nos acabamentos. Para tal, as jovens investiram em máquinas de massa, cortadores, fornos, dremel (uma máquina para furar) e outros equipamentos com os quais trabalham individualmente. Contudo, Daniela reconhece que o ideal seria conseguirem ter um espaço onde pudessem cumprir todas as fases do processo.

Sara declara-se “feliz” com a profissão de terapeuta da fala mas Daniela confessa “não se importar nada” de viver exclusivamente do artesanato e da música. “Ter um atelier onde pudesse inclusive apoiar projetos de pessoas que conhecemos e que fazem coisas incríveis; pintores, ilustradores, músicos, artesãos, pasteleiros. Seria para mim um sucesso conseguir ter o nosso espaço onde pudéssemos trabalhar os nossos brincos e ter os nossos amigos lá. Apoiar os artistas”, afirma.

A parceira reforça: “Há muitos jovens artistas e muitos desistem pela falta de apoios e de oportunidades e notamos que Abrantes está muito estagnada no sentido de não haver espaços criativos, onde as pessoas pudessem estar, alugar um espaço ou trabalhar todas juntas” à semelhança do que existe em Vila Nova da Barquinha, indica.

Créditos: Artesanato Lab 6 Atelier

Por isso, defendem um espaço que possibilitasse a criação de “uma comunidade artística mais forte. Isso seria importante e gostava muito de fazer parte de um projeto desses”, confessa Daniela.

A primeira experiência, em feiras e mercados, ocorreu nas Festas da Cidade de Abrantes em 2022, onde a dupla trabalhou ao vivo, com um cenário de fundo com plantas naturais, cestos de verga, molduras em madeira, uma estética natural que “adoram”.

Atualmente participam todos os meses, no primeiro sábado de cada mês, na Mostra de Artes e Ofícios, no cento histórico de Abrantes. E já marcaram presença em mercadinhos temáticos, como a Feira da Primavera do Pego e feiras do Natal. Para 2023 “é objetivo participar em outras feiras da região”.

Créditos: Artesanato Lab 6 Atelier

Nessa vivência aproximaram-se de outros artesãos da região, e quando surgem oportunidades de expor os produtos convidam-se mutuamente para a participação. “No trabalho de artesanato temos de agir como comunidade, agimos em grupo, temos de nos levar todos”.

Por isso, insistem na necessidade de um espaço de apoio, designadamente para os artesãos mais velhos, que ajude a usarem as redes sociais, como ter cartões de visita ou como criar uma marca ou uma imagem.

Pensando no futuro, Daniela e Sara querem manter as atuais parcerias mas gostariam de expandir a marca, “mantendo sempre o orgulho na Drogaria Nova” que acolheu as suas peças artesanais, participar em mais eventos, feiras e mercados.

“Elevar a marca a um nível superior. Mas temos os nossos empregos e estamos em fase de construção de vida, temos de construir outras coisas” antes desse investimento, refere Sara num discurso confirmado por Daniela que dá conta de uma situação comum aos jovens: “uma estabilidade cada vez mais difícil de atingir”. No entanto, otimismo e vontade são as palavras.

Daniela e Sara numa feira mostram e vendem as suas peças. Créditos: Créditos: Artesanato Lab 6 Atelier

Paula Mourato

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *