O Programa Nacional para a Coesão Territorial defende “a promoção do Turismo com vista à valorização e sustentabilidade do património natural, cultural e paisagístico das regiões do interior”, acrescentando que “é urgente afirmar pela positiva o interior do país, (…) promover e valorizar os recursos endógenos, identificar e estimular projectos estruturantes, alinhar competências e investimentos, apostar no desenvolvimento económico inteligente e no reforço das actividades em rede, (…) criando assim o ambiente e as condições favoráveis à fixação de pessoas, e assegurar uma nova vitalidade e uma prosperidade sustentável nas regiões do interior”.
Portugal tem uma estratégia para o Turismo na próxima década, conhecida pela sigla ET27, a qual foi aprovada em Setembro do ano passado. Vários municípios, como Mafra, Lourinhã, Arganil ou Torres Vedras, têm também Planos Estratégicos para o Turismo, alinhados com o referencial nacional. Outros municípios, porventura dando menos importância à actividade turística, inscreveram apenas algumas linhas no seu plano estratégico geral. Contudo, como afirmou o anterior titular da pasta da Economia Manuel Caldeira Cabral, “o Turismo é uma actividade económica estratégica para o desenvolvimento económico e social do país, designadamente para o emprego e para o crescimento das exportações, [sendo hoje] a maior actividade exportadora do país, fruto de um trabalho articulado e de um investimento forte efectuado por privados e públicos”. E acrescentava que “ver para além do presente implica definir um rumo, uma visão, e estabelecer prioridades”.
Ora, é esta visão e são estas prioridades, articuladas num plano coerente e ambicioso, que se reclama para os territórios do Médio Tejo. Porque, como dizia o mesmo governante e académico, “liderar o turismo do futuro implica afirmar Portugal como destino sustentável, com um território coeso, inovador e competitivo, que valoriza o trabalho e o talento. Um destino para visitar, investir, viver e estudar. Um país inclusivo, aberto e tecnológico que se posiciona como hub especializado para o turismo, oferecendo assim também maiores benefícios para os agentes do turismo e para as populações locais, potenciando o efeito multiplicador do turismo enquanto motor de desenvolvimento económico-social local”. Não sendo Portugal uma entidade abstracta, mas composta de regiões, sub-regiões e municípios, cumpre a estes alinhar-se com a estratégia nacional e adaptá-la às condições específicas de cada território, numa óptica de cooperação mas, também, de saudável emulação.
No Médio Tejo, o município de Ourém representa aproximadamente 80% da hospedagem e dormidas, devido sobretudo à localização do Santuário de Fátima e inerentes peregrinações. Sendo este valor excepcional em termos estatísticos (um outlier), não o incluirei nos cálculos e análises que apresento abaixo, os quais têm como fonte os Anuários Estatísticos da Região Centro (INE – Instituto Nacional de Estatística). Assim, olhando para os indicadores “Hóspedes” e “Dormidas” nos estabelecimentos de alojamento turístico, entre 2012 e 2016 (últimos dados disponíveis), os municípios de Abrantes, Tomar e Torres Novas, e a sub-região do Médio Tejo, apresentam a seguinte evolução comparativa (Tabela 1):

O registo de Hóspedes e Dormidas não esgota, obviamente, o número de turistas que viajam por cada território, mas reflecte com grande aproximação a realidade comparativa de cada município, em matéria de actividade turística. Com os dados estatísticos apresentados, podem ser efectuados os cálculos e criados os gráficos que se seguem (Figuras 1 a 4).


Entre 2012 e 2016, o número de Hóspedes nos estabelecimentos de alojamento turístico cresceu 57% na sub-região do Médio Tejo, 47% em Torres Novas (em relação a 2013) e 32% em Tomar. Em Abrantes, caiu 24%. Se se considerar apenas o último ano em análise (2015-2016), as taxas foram, respectivamente, de +11%, +22%, +8% e -10%.


No mesmo período (2012-2016), o número de Dormidas nos estabelecimentos de alojamento turístico cresceu 44% na sub-região do Médio Tejo, 24% em Torres Novas (em relação a 2013) e 39% em Tomar. Em Abrantes, caiu 23%. Se se considerar apenas o último ano em análise (2015-2016), as taxas foram, respectivamente, de +7%, +32%, +11% e -15%.
Importa compreender os factores determinantes das evoluções registadas, tanto a nível de Hóspedes como de Dormidas, tarefa que se espera ver realizada com rigor e profundidade pelas entidades responsáveis ou comprometidas com estes resultados, dando publicamente conta da análise que realizarem.
Uma outra perspectiva com que se pode olhar para os mesmos números, é a da comparação e evolução da Quota de Mercado Turístico, medida pelo número de Hóspedes e Dormidas registados nos estabelecimentos de alojamento turístico da sub-região (Figuras 5 a 8). Mais uma vez, tomaremos para comparação os três municípios já considerados, tendo em conta a sua idêntica dimensão populacional. Como se disse acima, os dados processados não incluem o município de Ourém, o qual representa cerca de 80% do turismo da sub-região do Médio Tejo (logo, um outlier estatístico).


Entre 2012 e 2016, a Quota de Mercado de Hóspedes nos estabelecimentos de alojamento turístico diminuiu 1,6% (queda de 14%) em Torres Novas (em relação a 2013), 11,8% (-23%) em Tomar e 10,3% (-55%) em Abrantes. No conjunto dos Outros municípios do Médio Tejo (excluindo Ourém), aumentou 12,2% (subida de 41%). Se se considerar apenas o último ano em análise (2015-2016), a Quota de Mercado aumentou 0,9% (+10%) em Torres Novas e 1,9% (+5%) nos Outros, e diminuiu 0,9% (-2%) em Tomar e 1,9% (-19%) em Abrantes.


No mesmo período, a Quota de Mercado de Dormidas nos estabelecimentos de alojamento turístico diminuiu 5% (queda de 31%) em Torres Novas (em relação a 2013), 12,6% (-25%) em Tomar e 10,8% (-59%) em Abrantes. No conjunto dos Outros municípios do Médio Tejo (excluindo Ourém), aumentou 12,6% (subida de 39%). Se se considerar apenas o último ano em análise (2015-2016), a Quota de Mercado aumentou 1,6% (+18%) em Torres Novas e 1,1% (+3%) nos Outros, e diminuiu 0,4% (-1%) em Tomar e 2,4% (-24%) em Abrantes.
Estes resultados, cruzados com os apresentados mais acima, revelam a provável existência de dinâmicas turísticas interessantes e atractivas em municípios que anteriormente seriam fracos concorrentes pois, apesar de Tomar e Torres Novas terem crescido em número de Hóspedes e Dormidas, acabaram por perder quota de mercado.
A evolução do turismo de Abrantes, no período considerado, é realmente preocupante e deve acender as luzes vermelhas da autarquia. Há qualquer coisa que não funciona na componente turística dos planos estratégicos aprovados, os quais adoptam, pelo menos desde 2009, uma linha de continuidade. O Programa de Acção 2017-2021 do município de Abrantes volta a prometer uma aposta no desenvolvimento do sector turístico, reconhecendo a “presença de recursos com potencial turístico relevante e os contributos que o crescimento deste sector é susceptível de produzir na diversificação da economia local e na criação de emprego”. Compromete-se a “consolidar a carteira de recursos com potencial turístico do concelho e reforçar o posicionamento externo de Abrantes enquanto destino turístico”, mas não reconhece a já comprovada incapacidade prática de “criação de condições de atractividade turística do concelho” e de “acréscimo da sua notoriedade externa” (refiro, a título de curiosidade, que o stand do Turismo Centro de Portugal na Feira de São Mateus, em 2017, não tinha qualquer informação sobre Abrantes e a hospedeira presente nem sabia onde ficava esta cidade).
Olhando para as acções previstas neste quinquénio, verifica-se que há uma preocupação formal com a requalificação dos museus e a promoção do turismo gastronómico e de natureza, o que é manifestamente pouco em termos temporais e sectoriais, além de não se esclarecer exactamente o que se vai fazer, ficando-se por generalidades ou boas intenções. De facto, parece não haver ideias nem uma estratégia abrangente e integrada para o turismo de Abrantes, apenas iniciativas limitadas, vagas e dispersas. Não há uma Análise SWOT e uma segmentação dos públicos-alvo. As potenciais parcerias e sinergias são esquecidas. Não há indicadores de avaliação e monitorização do cumprimento das medidas. Não há uma palavra sobre a qualificação dos recursos humanos afectos à actividade turística. O potencial turístico das freguesias rurais e periféricas, a Sul do concelho, é ignorado.
Por outro lado, o Programa de Acção 2017-2021 de Abrantes é omisso em matéria de modernização, diferenciação, posicionamento, comunicação (!) e distribuição da oferta turística e, quanto a produtos, nada diz sobre a Rota da Estrada Nacional 2, o potencial turístico da Ferrovia, o Parque Tejo e seu Centro Interpretativo do Rio Tejo (sem qualquer divulgação), o Mercado Diário (totalmente desajustado e desinteressante), o Museu da MDF ou o turismo industrial, rural, desportivo, etnográfico, sénior, de negócios, saúde, festivais, eventos, etc. Não há uma valorização empenhada do artesanato e das tradições abrantinas que diferenciam o território e suportam a actividade turística, e a prometida requalificação da desconsiderada Pousada da Juventude de Abrantes continua por fazer. É certo que, em Junho de 2017, voltou a abrir portas o Hotel Turismo, agora renovado, mas terá esta importante unidade hoteleira, só por si, invertido a tendência de queda do turismo abrantino, tanto em termos absolutos como relativos?

Como afirma a Secretária de Estado do Turismo Ana Mendes Godinho na ET27, o Turismo “tem capacidade para ser uma actividade sustentável ao longo do ano e para acrescentar valor, sendo para isso essencial a definição das metas que se querem atingir e o desenvolvimento das acções necessárias para tal. […] É necessário avaliar os pontos fortes e fracos e assumir compromissos, desenhando uma estratégia que seja dinâmica, viva e transversal, atenta ao mercado e às suas tendências, começando por dialogar e escutar as empresas, as regiões, os turistas e os cidadãos, uma vez que todos são parte interessada na cadeia de valor do turismo”.
No mesmo documento, definem-se os cinco eixos estratégicos que as autarquias devem ter em conta na elaboração dos seus Planos Estratégicos para o Turismo, adaptados à realidade dos seus municípios:
- “Valorizar o território, permitindo o usufruto do património histórico-cultural e preservação da sua autenticidade; a regeneração urbana; a potenciação económica do património natural e rural, a afirmação do turismo na economia do mar a estruturação da oferta turística para melhor responder à procura;
- Impulsionar a economia, que respeita à competitividade das empresas; à simplificação, desburocratização e redução dos custos de contexto; à atracção de investimento; à qualificação da oferta; à economia circular; ao empreendedorismo e inovação;
- Potenciar o conhecimento, em que se inclui a valorização das profissões do turismo; a formação de recursos humanos; a capacitação em contínuo os empresários e gestores; a difusão de conhecimento e informação; a afirmação de Portugal como smart destination;
- Gerar redes e conectividade, através do reforço de rotas aéreas ao longo do ano e da mobilidade no território; da promoção do «turismo para todos», numa óptica inclusiva; do envolvimento da sociedade no processo de desenvolvimento turístico e de co-criação; do trabalho em rede e a promoção conjunta entre os vários sectores;
- Projectar Portugal, aumentando a notoriedade de Portugal nos mercados internacionais enquanto destino para visitar, investir, viver e estudar e de grandes eventos e posicionar o turismo interno como factor de competitividade e de alavanca da economia nacional”.
Portugal tem, como se demonstra, uma estratégia clara e consistente para o desenvolvimento do Turismo, cabendo aos municípios estudá-la e assumi-la nos respectivos planos municipais. Esta estratégia está já a dar excelentes resultados nas áreas metropolitanas e costeiras, precisando de ser generalizada ao restante território, designadamente ao interior do país. Com os fabulosos recursos turísticos de que as regiões e municípios dispõem, tanto os naturais como os edificados, os autarcas e todos aqueles que integram (ou possam vir a integrar) directa e indirectamente o sector turístico, têm a obrigação de olhar para eles com olhos mais ambiciosos e competentes, valorizá-los interna e externamente, e tirar deles o proveito de que os seus territórios e populações precisam para se desenvolverem. Deus deu as nozes, os responsáveis pelo Turismo mostrem que têm dentes.
Este exercício sectorial deve ser realizado no âmbito de uma abordagem mais abrangente e planificada de Marketing Territorial e Intermunicipalidade, e não de forma avulsa e individualizada. Não faz sentido, por exemplo, promover iniciativas turísticas com qualidade e glamour em espaços urbanos insalubres, degradados ou inseguros. Tal como também não faz sentido desbaratar recursos (ou não os economizar) em iniciativas supérfluas ou redundantes, razão pela qual o já citado Programa Nacional para a Coesão Territorial propõe “uma nova abordagem de base local, mais colaborativa e mais próxima, que promova uma participação activa e um envolvimento empenhado de autarquias locais, comunidades intermunicipais, associações, empresas e pessoas na construção de um interior mais coeso, mais competitivo e mais sustentável”. É preciso mudar de vida e não insistir em modelos falhados ou desactualizados, esperando que eles venham a produzir bons resultados no futuro.
Caro Sr., li com atenção o seu artigo e concordo com a sua análise. Neste sentido gostaria de lhe colocar as seguintes questões:
– Qual é a sua opinão sobre a abertura, à aviação cívil, do aeródromo de Tancos?
-Não seria vantajoso para a região receber voos “low cost”, tendo em consideração a quantidade de visitantes ao Santuário de Fátima?
Quanto a Abrantes, caro Sr., o que esperar de pessoas mais empenhadas na sua promoção pessoal e política do que na definição de uma estratégia e ideias que permitam o desenvolvimento de todo o concelho?