Foto: Adriana Claro

O ano de 2017 é redondo para o CRIA – Centro de Recuperação e Integração de Abrantes pelo 40º aniversário da sua fundação e pela realização da décima edição do FNATES – Festival Nacional de Teatro Especial. A iniciativa decorreu entre 20 e 22 de março e juntou 12 grupos de todo o país no centro histórico de Abrantes e no Cineteatro S. Pedro com oito peças, nove espetáculos e a atuação do músico David Antunes. O mediotejo.net acrescenta cinco olhares assinados por Rafaela Lucas, Joana Jerónimo, Adriana Claro, Maria Azevedo, Marta Vidigal, estudantes da ESTA, sobre um Festival muito, muito especial. 

FNATES a arrancar sinceros sorrisos, por Joana Jerónimo

Num dia chuvoso e friorento, a calorosa peça “A diferença está naquilo que somos” do CRIA (Centro de Recuperação e Integração de Abrantes) arrancou sorrisos e palmas do público.

À conversa com Daniela Rebeca, uma das encenadoras, licenciada em Animação Cultural, apercebo-me que realmente quem corre por gosto não cansa. Vestida ainda com a roupa do teatro, e com um sorriso de orelha a orelha, Daniela Rebeca sempre trabalhou diretamente com o grupo CAO (Centro de Atividades Ocupacionais), sendo que agora está mais direcionada para outro projeto. Não esconde que o teatro é a vertente que a remete para a parte de animadora da sua profissão.

“A minha maior dificuldade foi, sendo eu muito recente, não saber lidar muito bem com eles”, explica referindo que a outra encenadora, Marisa Sobral já lá trabalha há 14/15 anos. Acrescenta que também era complicado dar ordens e impor o seu respeito, mas qu,e por outro lado, em relação à peça “não houve dificuldades, eles estão nisto de alma e coração, são um grupo impecável”.

Descontraindo um pouco, pergunto-lhe acerca do momento mais caricato que ela possa contar. Responde-me sempre sorridente: “Chega a uma parte em que uma das personagens tem de dizer que adora dançar e todos os ensaios ela dizia que adorava passear…”

Voltamos à parte séria da questão, mas a simpatia prevalece e o sorriso não desaparece. A animadora confessa que “ver os miúdos em cima do palco a demonstrarem aquilo que são capazes, emociona-nos muito, e o facto de eles depois nos agradecerem é muito bom acabando por comover ”.

Falei-lhe da questão da discriminação que ainda existe nos dias de hoje e não houve hesitação em responder: “Nós somos uma sociedade em que, por muitos mais ventos que se se façam, a discriminação irá sempre existir, o que é muito triste.” Acaba por acrescentar também que os próprios atores sentem isso e dá um exemplo: “Quando íamos na rua, numa outra peça, para os levar à carrinha houve uma pessoa que disse: Olha vão ali os tontinhos.”

Uma conversa curta, mas que me enche o coração, ainda há boas pessoas no mundo que querem combater esta tão persistente discriminação, organizando e participando neste tipo de eventos. Tive ainda direito a um beijinho muito especial de uma das atrizes e aí sim posso dizer que saio de lá com o coração a transbordar de felicidade. Até a um próximo FNATES.

“Sinto-me realizada. Completamente realizada”, por Adriana Claro

“É impossível alguém numa cadeira de rodas dançar! Não queremos essa rapariga na nossa academia!”. Assim começa a peça. “Sonhos”, é como se chama. Uma peça que, tal como o nome indica, nos fala do sonho de uma menina. A Mariana quer ser dançarina. O único problema? Ela está numa cadeira de rodas.

‘Henriqueta’ é o nome da personagem que durante toda a peça não acredita que Mariana consiga concretizar o seu sonho. Por trás de Henriqueta está Marisa Sobral. Aos 38 anos considera-se uma mulher feliz. Também ela tinha um sonho quando era menina, e teve a sorte de o realizar, em grande parte, graças ao CRIA (Centro de Recuperação e Integração de Abrantes): “Eu já estou no CRIA há 12 anos, é engraçado, porque isto vai ao encontro da peça. Estou aqui por causa de um sonho. Vir trabalhar para o CRIA era um sonho que eu tinha.” O seu sonho passava por “trabalhar para qualquer instituição em que tivesse a possibilidade de ser útil de alguma forma”. Assim, quando soube que podia trabalhar no CRIA, não pensou duas vezes: “Há 12 anos eu soube que precisavam de colaboradores no CRIA, concorri e fiquei. Lá estou até hoje.”

Marisa Sobral é uma das encenadoras da peça juntamente com Daniela Rebeca. Juntas trabalham no CRIARTE: a arte de bem representar que se juntou ao CRIA. É o grupo de teatro desta instituição. “O CRIARTE foi fundado, em 2002, pelo Dr. José Carlos Veríssimo que é hoje o diretor das repostas sociais no CRIA”, conta Marisa Sobral.

O CRIA é uma instituição que, tendo 40 anos de existência, dá assistência, não só a crianças e jovens com necessidades especiais, mas também aos seus pais e familiares. É uma entidade de âmbito regional que tem tido bastante impacto pelas atividades que organiza e pelos cuidados que tem prestado. É o CRIA que promove o Festival Nacional de Teatro Especial (FNATES), que ocorre em Abrantes, e que tem como objetivo combater a exclusão social. Todos os anos são convidadas várias instituições para representar, e também assistir, a teatros feitos por pessoas com necessidades especiais.

O FNATES é um projeto muito especial para o CRIA, pois é com a arte que melhor se combate a indiferença: “Eu nem tenho palavras para descrever o que sinto ao ser útil para estas pessoas, porque, só o facto de nós estarmos aqui, no FNATES, novamente, este ano, já pode justificar o que é que nós sentimos. É muito bom.” E foi sentada, em cima de uma coluna, descalça, por causa das dores que os sapatos, que foi obrigada a calçar para representar ‘Henriqueta’, lhe causavam, e ao som de uma música de Kizomba, que Marisa tentou explicar o que sentia ao encenar este grupo de teatro: “Eu não consigo, realmente, explicar, o que é que sentimos quando eles veem em nós alguém, que pode fazer por eles qualquer coisa, para que eles se sintam iguais a nós. Que  sintam: ‘Eu estou aqui! Eu também consigo! Eu também posso!’. É uma coisa tão especial que nem nós próprios conseguimos explicar.”

A verdade é que ‘Henriqueta’ acaba por perceber que “o sonho comanda a vida”. Para Marisa, a vida é para ser levada mesmo assim: a sonhar e a ajudar os outros. Para ela o sonho da sua vida já é realidade: “Eu acho que todos nós temos uma missão e a minha missão acho que é exatamente esta: é estar aqui para eles. E sinto-me realizada. Completamente realizada.”

(Especial)istas nos sonhos, por Marta Vidigal

Vamos começar pelo que me leva a escrever esta estória com tantos protagonistas. Foi no dia 20 de março que tudo começou… O evento que veio mostrar que as “incapacidades não limitam os sonhos”. Os três dias trouxeram peças de teatro de várias associações do país com pessoas com várias limitações. Estes foram sem dúvida os grandes corajosos, mas dentro desta grande organização feita pelo CRIA (Centro de Recuperação e Integração de Abrantes) todos os envolvidos tiveram um papel especial e determinante para a estória.

À entrada do cineteatro de Abrantes já se avistavam várias pessoas curiosas para assistir à última peça do FNATES. Este festival nacional de teatro especial conseguiu reunir muitas pessoas, de todas as idades. Espalhavam-se na entrada e lá no meio avistavam-se três palhaços que recebiam as pessoas oferecendo doces para alegrar e adoçar este último momento. Com as suas perucas verdes e as suas roupas coloridas passeavam-se por lá, sorrindo consecutivamente para todos os que se atravessavam. Um desses palhaços que sobressaíam na sala era Daniel Lopes, um aluno do CRIA que foi convidado a animar estes três dias especiais.  Incrível, não é? O que será que leva um jovem a querer pertencer a um evento destes?

É apenas um aluno de serralharia que se disponibilizou para aquilo que, se calhar, muitos adultos não fariam. Em troco de nada recebeu o melhor presente de todos: “o sorriso na cara dos outros”. O seu papel era divertir e colorir ainda mais o espaço e as pessoas. Chegou com ideias determinadas: “Eles fazem o que nós fazemos, não é só por terem uma determinada doença que são incapazes”. Por isso quis fazer parte destes dias. A sua presença é, para ele, uma forma de mostrar apoio: “Se eles tiverem força de vontade, conseguem!”

Daniel Lopes foi só uma das muitas personagens deste festival, um protagonista no meio de muitos. Um sonhador no meio de muitos.

A menina que seguia os seus sonhos, por Maria Azevedo

As histórias normalmente começam por “Era uma vez” e esta não será diferente. Então, era uma vez uma menina de caracóis castanhos escuros de dezasseis anos. Menina esta chamada Tatiana Salvado. Esta menina desde muito nova que sonhava com dança e acabou por conseguir realizar um sonho, entrar no rancho e no mundo da dança. Na verdade, este sonho tinha sido apreciado primeiramente pelos seus pais, que “andaram no rancho e foi mais por aí” que a Tatiana começou a gostar deste estilo. Já o desempenhava há dez anos e para ela quantos mais houvesse melhor seria, pois “não trocava o rancho por nada”. Desde muito nova que segue este sonho, que a move conforme a música a leva. Com o tempo, Tatiana decidiu tirar um curso no CRIA (Centro de Recuperação e Integração de Abrantes), de empregada de limpeza. O CRIA é uma associação de natureza privada, em que promove a inovação, a qualidade, e a capacidade de ajudar a defender os direitos das pessoas com deficiência e/ou incapacidade. Para além disto, também desenvolve o FNATES (Festival Nacional de Teatro Especial) e outras atividades. Foi no FNATES que Tatiana desempenhou o seu sonho, a dança. E apesar de ser nova no mundo do teatro, acabou por fazê-lo da melhor maneira, juntando as duas vertentes, enquanto se divertia. Toda a peça estava fantástica, as pessoas não retiravam os seus olhares do palco. Todos estavam a desempenhar bem o seu papel. A peça tinha uma lição de moral. Como todas as histórias, isso não poderia faltar e esta que está a ler não será diferente. Apesar de existir incapacidades nas pessoas com deficiência, estes conseguiram mostrar como se atua em palco, melhor que ninguém, pois eram genuínos. No final da peça Tatiana não hesitou e esboçou o seu melhor sorriso, não só pela satisfação do público, mas também para os seus colegas. O orgulho fluía-lhe nos olhos, para que todos percebessem que foi um sucesso. A jovem de dezasseis anos tinha adorado trabalhar com eles, pois tinham-na “tratado super-bem”. A peça transmitia a mensagem de que os sonhos não são limitados. Nem mesmo os corpos mais fracos estão impedidos de cumprir esses mesmos sonhos. Que o importante era seguir o nosso coração, por muito que alguém o impedisse. E principalmente, que não sabemos o dia de amanhã, nem as voltas que a vida dá. Então, Tatiana acabou por contribuir o sonho de todos os que estavam presentes em palco, porque tinha substituído uma pessoa. Tatiana ansiava que a procurassem para este tipo de iniciativas.

De olhos castanhos arregalados e brilhantes só dizia: “Não tenham preconceito com pessoas deficientes, são pessoas iguais a nós, um dia mais tarde, também podemos ficar com deficiência. Para não terem preconceito e não gozarem.”

FNATES 2017, por Rafaela Lucas

Numa tarde onde se celebrou o último dia do Festival Nacional de Teatro Especial (FNATES), o Cineteatro de São Pedro encontrou-se repleto de pessoas de todas as faixas etárias, desde crianças a idosos. Após a cerimónia de encerramento, decorreu a encenação de Marisa Sobral e Daniela Rebeca, a peça “Sonhos” do Grupo CRIARTE, do CRIA.

Segundo o presidente do CRIA, Nelson Carvalho, “correu muito bem, tivemos o cineteatro completamente cheio, com muita gente a aplaudir, o que que dizer que as pessoas gostaram”. O responsável acrescentava que “foi uma grande interpretação, com muita força, com muita intensidade, com muita aplicação e percebemos todos, com muito gosto, um sentimento muito forte de quem está a participar, de quem está a exprimir-se perante uma plateia e, por isso, só podemos estar felizes”.

Sobre os outros grupos de teatro, de vários pontos do país, que participaram no FNATES desde tano, Nelson de Carvalho conta que “querem aqui vir porque sentem que há aqui um acontecimento importante”. A direção do CRIA dá “a maior importância a este projeto, porque são, de facto, ocasiões longamente preparadas, que lhes dão muito trabalho, mas que lhes dão também muito prazer de viver e, portanto, o nosso objetivo é não só ter lá utentes, mas fazer tudo para que sejam um pouco mais felizes, sentirem que são úteis e sentirem que são coisas que eles gostam e que sabem que os outros vão gostar”.

Sobre a peça que o CRIA apresentou no FNATES, o presidente frisa que “a ideia foi totalmente autónoma, a produção é inteiramente local”. Confessa que está orgulhoso pelo trabalho feito, “não só pelos nossos utentes, os nossos atores, como também pela magnífica plateia que quis  ver e que quis aplaudir”. A importância de tantas pessoas se associarem ao evento é ainda mais marcante pelo facto de hoje, 23 de março, o CRIA estar a celebrar 40 anos de existência.

Com um sucesso destes, só se pode esperar mais um sucesso no próximo ano, contando-se com a participação de mais grupos e ainda com mais afluência do que aquela conseguida este ano, neste evento que faz já parte da agenda cultural da região.

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