A Palha de Abrantes é um dos doces finalistas do distrito de Santarém sendo esta sexta-feira, dia 5 de julho, o ultimo dia para a votação neste doce típico abrantino, e que vai ter emissão especial na RTP a partir de Santarém para definir o vencedor distrital. O Chef Fernando Correia é quem vai falar da história do doce e colocar a Palha de Abrantes nas bocas do mundo.
Dizem os antigos que o doce foi assim batizado por fazer lembrar em tempos de navegação fluvial e à passagem no Tejo, na zona de Abrantes, dos carregamentos de palha para a capital, que sempre deixavam o rio coberto de fios alaranjados a fazer lembrar os fios de ovos do doce.
Esta sexta-feira, dia 5 de julho, ultimo dia para a votação da Palha de Abrantes, candidata às 7 maravilhas doces de Portugal, a RTP1 vai transmitir em direto a partir de Santarém, entre as 10:00 e as 17:30, onde será eleito o doce pré-finalista do distrito.

Na emissão irá estar presente, em representação de todos os abrantinos, o presidente da Câmara, Manuel Jorge Valamatos. A apresentação do doce a votação, Palha de Abrantes, fica a cargo do Chef Fernando Correia, especialista em doces conventuais e autor do gelado Palha de Abrantes, sendo também formador e o responsável pela confeção da maior palha de Abrantes no mundo.
Foram 1780 gemas de ovo que compuseram o doce com um metro e 20 centímetros de diâmetro, em 2010, numa feira de doçaria da Tagus, tendo levado cerca de sete horas a fazer. A iniciativa foi concretizada por Fernando Correia e o pai, Manuel Luís Correia, ambos mestres pasteleiros em Rossio ao Sul do Tejo, Abrantes.

No publico estará presente o “Palhinhas” que integra a claque abrantina com a participação das Universidades Seniores UTIA e UTIT.
Falar de Abrantes e tentar situá-la no mapa numa conversa com pessoas oriundas de outras partes do país, é receber de retorno expressões como “Ahh! Já sei! Até têm um doce que é a Palha de Abrantes!” ou “Pois, já provei aquele doce com fios de ovos, não é?”.

E se o futuro da doçaria abrantina passar pelo gourmet?
Falar-se de Abrantes é associar-se a cidade àquele ícone alaranjado, de sabor e textura fortes, lembrando a história da sua criação e, acima de tudo, lembrando os fios de ovos e ovos-moles gratinados, que saltam à vista nas montras de doçaria do concelho. Falar de Abrantes e não falar da Palha de Abrantes é como ir a Fátima e não visitar o Santuário. Mas a doçaria tradicional, de base conventual, poderá estar prestes a assistir a uma nova era. As tendências são outras, o açúcar começa a deixar de fazer parte das rotinas saudáveis da população e há que inovar. Será que o futuro da doçaria passa pelo gourmet?
Neste momento assegura a produção na empresa que o pai fundou e onde ainda colabora, mas a sua visão vai muito além da visão tradicionalista do pai. Fernando Correia quer apostar na inovação do produto.
“O objetivo é sempre surpreender o cliente. A nossa pastelaria é especializada em Doçaria conventual, e vai continuar a ser, criando mais bolos, por exemplo o quindim Palha de Abrantes pode não ser apresentado no feitio clássico, mas retangular, triangular, não tem que ser o bolo redondo. E tem outra apresentação”, explicou.
Ainda que reconheça que a doçaria tradicional e conventual tem certos elementos básicos dos quais não se poderá dissociar, o chef pasteleiro refere que “nunca posso descurar destes produtos porque é a origem da casa em si”.
Enquanto confecionava o Dacquoise e o Gelado Palha de Abrantes, que tivemos oportunidade de degustar, Fernando Correia foi adicionando pequenas variações, nomeadamente um crocante de amendoim feito por si, de modo bastante simples. “Dá uma textura completamente diferente ao doce, não tão carregado”, e a receita é dada automaticamente:
Crocante de amendoim do chef Fernando Correia
100 g de açúcar,
amendoim q.b.
gotas de limão
uma colher de mel
E os doces típicos de Abrantes? Bom, além da Palha de Abrantes, vêm as tigeladas, mulatos, castanhas doces, limas…
A base dos mulatos e castanhas de ovos continuava ao lume, por ser algo que demora cerca de uma hora ao lume, os mulatos depois levam cacau e são enrolados em coco, segundo nos explicou.
“Neste momento não temos a lima, porque ainda não consegui as formas, tenho de ver se consigo arranjar a forma, porque aquilo não dá para fazer sem a forma. Tem dois bicos, tem de ser feito ao lume. Deve ter sido algum latoeiro que fez, e hoje em dia não há esse tipo de trabalho”, disse, comparando como o caso dos bons sapateiros, algo em vias de extinção.
Puxando do funil que “ninguém tem em lado nenhum”, garantia, e mostrando um outro semelhante, mas mais pequeno e com menor capacidade, Fernando Correia disse que “este mandou o meu pai fazer há 20 anos”.
“Foi feito com as formas das cornucópias, e mandámos fazer. A cornucópia, feita utilizando os ovos-moles, é uma massa frita, pode ter uma base normal de massa, mas pode ter crocante de pistácio… e tem os ovos-moles e os fios de ovos naquele doce. É mais um doce, mas nunca descurando a origem da palha”.
Há dias em que se fazem 2 mil gemas, e se “perde” cerca de 3 horas a fazer os fios de ovos, tradicionais e de textura fina, que garantiu Fernando Correia, “somos nós que fazemos toda a produção, não compramos nada. Compramos matéria-prima: os ovos, margarina, açúcar,…”
E segredos? Há? Segundo o profissional está na técnica. “O segredo da técnica tem a ver com os pontos de açúcar, é muito importante para conseguir a tonalidade alaranjada, os fios fininhos (…) Está a ferver a 170 graus, de repente temos de baixar, e tiramos os fios com uma espumadeira. O ponto de açúcar vai alterando e nós temos que ir corrigindo com água, a pouco e pouco, para manter o nível”.
Fernando Correia está também muito ligado à formação, e é muito aclamado pelos showcookings, workshops. “Isso é a parte da Tágide-Inovação, dos showcookings e demonstração da nossa doçaria, do que fazemos. Recebemos aqui as pessoas, temos uma parceria com a Inatel, o ACP, Viagens Turismo, Viagens Abreu,… Recebemos com alguma regularidade as excursões, costumam ser feitas na rua. Conto toda a história da Palha de Abrantes, a origem, porque é que é Palha de Abrantes…”, e eis que nos recorda também a nós a origem deste doce.
“Inicialmente era chamada de ouriços”, disse, preparando-se para voltar atrás no tempo. “Havia um convento de freiras, em 1514, e elas utilizavam as claras para engomar as batas dos frades, e havia tanta gema que não sabiam o que fazer. Então começaram a fazer o doce de ovos, e depois começaram a fazer os fios de ovos e este tipo de sobremesas para vender, e daí ficou os ouriços. Depois, atendendo ao facto de começarem a gostar e cada vez a pedir mais, e havia um grande movimento fluvial, com o transbordo de barcos em Rossio ao Sul do Tejo, que trazia veículos de tração animal do Alentejo para aqui, e levavam a palha para Lisboa e etc, e muitas vezes caía bocados de palha pelo Tejo, e ao final da tarde era só palha no rio, e era chamado o mar da palha. E daí veio o nome, e ficou Palha de Abrantes. Vamos a Abrantes e vamos comer a palha”, contou.
“Fazemos isto com muito gosto, nunca tentámos industrializar muito porque nestes processos se industrializarmos e tivermos muita gente a trabalhar perde-se a qualidade e depois não conseguimos manter o padrão de qualidade. Há certas coisas que fazemos questão de manter um padrão, tudo o que seja encomendas, a maior parte da produção passa por mim”, referiu o chef, desvendando já alguns planos futuros.
“Quando remodelarmos vai ser mesmo a própria apresentação dos bolos vai ter formas, não tem de ser uma forma única, está lá o sabor. Acho que continuando com o tradicional podemos sempre melhorar e inovar, e claro, através da junção de sabores, no sentido de não ser muito açucarado, ter um elemento crocante”, referiu, notando que a inovação poderá trazer mais-valias à doçaria tradicional, que acredita ser diferente de estabelecimento para estabelecimento.
“Existem muitos clientes que chegam aqui, e dizem que não gostam de Palha de Abrantes, e nós oferecemos e as pessoas comem e dizem que é muito bom”, garantiu.
“Tinha um projeto para um espaço grande, mas está fora dos números, por enquanto vamos andando. O que eu quero é manter a qualidade e depois, além disto, quero ter vertentes novas, de outros produtos. Por exemplo, na parte dos gelados, podemos ter waffers com gelados, uma panóplia de recheios e coberturas e texturas”, a tal inovação aliada à receita tradicional de que nos falou durante esta manhã.
A receita deve ser igual para todos
Fernando Correia refere que, sendo a palha de Abrantes um ícone da doçaria abrantina, então a sua receita deveria ser igual, uma marca para a gastronomia do concelho. Mas segundo o chef ainda há muitas variações na confeção do doce, não havendo preocupação na regulação da venda e confeção do mesmo.
“Ou faz toda a gente igual e está autorizada a vender o doce, ou não há, ninguém fiscaliza ou regulamenta nada”, algo que desvirtua a imagem do doce típico de Abrantes disse, afirmando que tanto o próprio como o seu mantêm a fórmula em prol da receita tradicional.
“Eu como formador há 18/19 anos e o meu pai com a empresa há cerca de 30 anos, e com 20 e tal primeiros prémios nas quatro categorias”, mencionou.
O futuro – a inovação na luta contra as calorias, o açúcar, e etc
No presente, os hábitos e as rotinas de alimentação saudável retiram o açúcar e os doces da alimentação. As pessoas, por norma, costumam resistir à doçaria conventual por ser enjoativa ou demasiado doce. Quem não comeu já ovos-moles e disse sentir demasiado doce? Fernando Correia reconhece esta realidade.
“Cada vez mais as pessoas se retraem ao açúcar, a doçaria conventual é o único doce onde não conseguimos retirar o açúcar, mas não é excessivamente doce quando combinada com variações de citrinos ou canela, vai tentando por reduzir a intensidade do doce e acaba por não ser excessivamente agressivo”, disse.
Ainda assim “é evidente que se tivermos este tipo de doce, numa sobremesa, com uma quantidade não excessiva. Se eu colocar uma fatia mais fina, a pessoa come e vai querer comer mais. É isto que é surpreender a pessoa com o sabor e a textura”, e aí o chef investe na precisão em termos de medidas calóricas.
“As unidades calóricas são medidas em unidades de 100 gramas, não vou pôr uma fatia que, por exemplo, tem 430 calorias quando posso ter uma com 180. E a pessoa fica saciada, provou o doce e gostou. Tem que se ter cada vez mais atenção com isso, não só estes doces como outros que nós depois podemos apresentar”.
Mas as tendências de mercado, será que também estão a seguir esse caminho? “O mercado procura tudo o que é bom, na minha opinião. E nós temos um produto bom, sempre tivemos. Mas se o pudermos apresentar de outra forma, no sentido de inovar e a pessoa chega ali, e uma vez que os olhos também comem pode ser a mesma coisa mas com uma apresentação diferente, com um doseamento diferente. A aposta assenta numa variação do visual, dos tamanhos e formatos de apresentação dos próprios bolos”, referiu Fernando Correia, deslindando um pouco daquela que é a estratégia da Tágide.

“Já fazemos a tigelada sem lactose por encomenda, já fazemos alguns bolos por exemplo sem glúten… neste momento não há público-alvo, mas estamos abertos a fazê-lo por encomenda para poder satisfazer o cliente. O facto de termos uma abertura para um leque de produtos que não há, tem é que ser por encomenda, leva a que, se vamos inovar temos que o fazer num panorama que chegue a todos os setores, não vamos inovar só num aspeto, tem que ser em tudo”, referiu.
O chef assumiu ainda que “é muito mais trabalhoso, mas é assim, nós estamos no mercado e somos reconhecidos e por isso vale o esforço, e tudo o que fazemos é por gosto, estamos cá, e quem estiver nesta área e não estiver por gosto, não vale a pena”.
“Não conseguimos incutir as pessoas a virem cá, as pessoas vêm cá porque querem e vêm experimentar. E ao chegarem cá, experimentam e gostam, e recomendam, e encomendam, e telefonam e despachamos por correio e por comboio, por isso melhor que isto não é possível.”
Quanto ao projeto que pretende vir a desenvolver, tem por objetivo fazer novas parcerias, com empresas de Lisboa, de Coimbra, de Tomar, e inclusivamente numa loja no Chiado.
A formação, área que é literalmente a sua praia, não fica de fora. “Vou apostar na formação e nos workshops porque há muita tendência, não só à volta desta doçaria mas como de outra, como o cake design, pop cakes, cupcakes, gomas, bombocas,…”, ilustrou.
“Eu tenho 34 mil horas de formação ministrada ao longo destes 19 anos, de forma que é uma mais-valia para quem está comigo”, reconheceu, referindo que algumas vezes quando tem um pouco de tempo exemplifica certo tipo de técnicas ou receita.
“Numa ótica de termos um conjunto de ingredientes e saber o que podemos fazer. Com um resto de massa que sobrou o que podemos fazer? As pessoas estragam muito e às vezes é saber o que se pode fazer, porque às vezes não têm noção. Por exemplo, farinha de alfarroba é muito boa para fazer isto, tem este problema pode fazer aquilo. As pessoas não têm noção das alternativas, e muitas vezes não fazem mas também não perguntam. E eu quero ter um serviço que esteja disponível por encomenda”, notou.
Fernando Correia é administrador das páginas nas redes sociais associadas à Tágide, e diz fazê-lo enquanto brincadeira, mas o certo é que já reúne cerca de 8500 seguidores no Facebook e cerca de 1300 seguidores no Instagram em torno de fotos deliciosas dos mais variados produtos e momentos de confeção. “Publico de vez em quando umas coisinhas, muitas das pessoas, entre duas ou três mil visitas, vêm cá, e falam no dacquoise, e outros doces. E às vezes nem estamos a fazer conta, faço 100 ou cento e tal. Tigeladas há quase sempre, ao fim-de-semana fazemos 500/600, mas às vezes aparece uma excursão sem estar planeada e servimo-los na mesma”.
Ao fim de semana são feitas cerca de 400/500 tigeladas, dependendo das encomendas acrescidas, e cerca de 90-95% da produção sai sempre. “A Palha de Abrantes tem algo melhor, nós fazemos e embalamos no frio, e dura entre 12 a 15 dias, enquanto a tigelada dura 4 dias”, explicou, acresentando que “normalmente fazemos logo fios de ovos e ovos moles logo em quantidade, devido à durabilidade. Porque imaginemos o que era estar a fazer 300 gemas se podemos fazer 1000 ou 800. E como a equipa somos só nós, quando estamos a fazer, fazemos logo em quantidade porque é preciso para decorar bolos de anos”.
O elemento ‘palha de Abrantes’ faz a base de maioria da oferta da montra da Pastelaria Tágide, constituído por ovos moles com a amêndoa e a folha de hóstia e os fios gratinados, “mas utilizamos para tudo um pouco, desde acabamentos de bolos de fatias, e fazemos a pastelaria normal”.
Os pastéis de nata são também uma das ofertas com maior saída. “De dois em dois dias faço 300 pastéis de nata, os quindins em formato de bolo, só com amêndoa ou com palha de Abrantes, fios de ovos e ovos moles gratinados, éclairs, um bolo muito parecido com o Fofo de Belas – tipo pão-de-ló com recheio de ovos moles e canela, guardanapos,… Enchemos a montra de manhã e ao final do dia está vazia”, disse, contando que a equipa esteve a trabalhar no dia anterior até às 18h00 e desde as 19h00 até às 00h00, e chegaram na manhã deste sábado às 6 da manhã.
O objetivo principal: “é a Pastelaria Tágide continuar ao de cima, e em força”, terminou Fernando Correia.
Entrevista publicada em outubro de 2017, republicada em julho de 2019