Foto: mediotejo.net

Que as novas tecnologias tiveram impactos na sociedade, já é certo e sabido. Mas até que ponto influenciam estas muito do que se passa no atual panorama do trabalho e do emprego? Serão elas as culpadas pelo desemprego, pela precariedade e insegurança? Para Manuel Carvalho da Silva, antigo sindicalista e um dos oradores convidados da edição de 2018 do Festival de Filosofia de Abrantes, não é bem assim. As tecnologias podem ter muitos impactos na sociedade, mas nada de “visões apocalípticas”: há sim que refletir sobre as políticas económicas, financeiras e laborais dos dias que correm.

Manuel Carvalho da Silva, que centrou a sua vida profissional e académica ligadas às temáticas do trabalho e do sindicalismo, tendo sido Secretário-Geral da CGTP entre 1986 e 2012, começou referir que a sua apresentação, com recurso a projeção de diapositivos, tratava algumas “reflexões” que advêm da “experiência de vida ligado ao trabalho e sendo este uma questão tão central” esta sua intervenção partiria de “uma análise do presente projetado para o futuro”.

Como tal, dividindo em três tópicos a sua intervenção no painel intitulado “Os impactos da da revolução digital no trabalho e no emprego: entre controvérsias do passado e perspetivas «mágicas»”, o investigador começou por refletir, em primeiro lugar, sobre a ligação entre a “Sociedade, os impactos das tecnologias e muitos outros desafios”, afirmando que o principal desafio é “encontrar métodos para soluções”. Dividiu a sua intervenção entre Sociedade, Tecnologia e Trabalho.

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Quanto às tecnologias, estas são “a grande questão inserida num conjunto de enormes problemas que a sociedade tem”, disse, questionando logo de seguida “e se as tecnologias servissem como meio para alcançar soluções para estes problemas?”.

“Esta realidade não é apocalíptica, tem perigos, mas tem potencialidades. O que é preciso é discutir isto”, afirmou o sociólogo,  licenciado pelo ISCTE em 2000 e cuja tese de doutoramento se focou na “Centralidade do trabalho e ação coletiva: sindicalismo em tempo de globalização”.

Manuel Carvalho da Silva, também Professor Catedrático convidado na Universidade Lusófona, alertou ainda que “há uma divisão internacional do trabalho que pode ser muito perigosa”, explicando que “são atribuída muitas vezes desgraças às tecnologias, no que diz respeito ao trabalho, ao emprego, ao desemprego, aos movimentos migratórios… são atribuídas causas que não existem efetivamente”.

E continuou, contextualizando, dando como exemplo “as grandes taxas de desemprego que Portugal teve ou que a Europa tem tido, não resultam das tecnologias, nem da inteligência artificial. Resultaram de políticas económicas e de opções políticas muito concretas”.

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Sublinhou ainda o orador que é importante ter isto “presente” na medida em que “não estamos em pé de igualdade – e [é importante também] não deixarmos baralhar as coisas – e avançar noutras interrogações. Ver os cenários todos, procurar definir o melhor possível o que pode ser o futuro ou os caminhos do futuro, mas não nos esquecendo de uma outra coisa: o futuro é feito de um presente contínuo”, disse.

Para o antigo sindicalista, também investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra desde 2009, “o nosso país neste momento, quando falamos de emprego, o que temos como primeira prioridade é a afirmação verdadeira de que temos falta de trabalhadores em múltiplas áreas. Era possível, com projetos que estão aí, empregar muito mais gente.  Há falta de mão de obra em muitos setores de atividade”, alertou.

No entanto, “há um contributo fabuloso de investigadores em áreas diversas que estão a produzir inovação, conhecimento, mas que não têm meios para transformar essa atividade em empresas, criarem emprego, aumentarem, etc…”.

Tudo isto porque o domínio está noutros patamares, nos grandes grupos. “O desafio que se coloca é ver como podemos alterar estas coisas e dar mais possibilidade aos que inovam, aos que criam, dar mais possibilidade de poderem tirar mais resultados da sua capacidade, daquilo que fazem, e diminuir a capacidade de apropriação e parasitismo que os grandes grupos fazem das pessoas e das pequenas empresas”, mencionou.

A solução de embate a estas práticas deve partir de “políticas públicas que criem algumas regras e que façam a força maior possível para que o investimento não seja predador”, sendo que há uma “questão vital” que deve ser respondida.

“Se hoje está adquirido que um projeto qualquer que se faz, um investimento, exige, por exemplo, um estudo de impacto ambiental, como não se discute na sociedade atual, tendo as tecnologias e a inteligência artificial impactos tão grandes… como é possível que não seja obrigatório discutir os impactos sociais?”, rematou, em tom de retórica.

Por fim, e partilhando os cadeirões deste painel com o orador convidado, Manuel Carvalho da Silva, e com Alves Jana, membro do Clube de Filosofia de Abrantes e um dos organizadores deste Festival de Filosofia, toma a palavra Nelson de Carvalho.

Também membro do Clube de Filosofia de Abrantes, licenciado e mestre em Filosofia, e que fora docente durante vários anos desta disciplina, Nelson de Carvalho foi convidado a tecer um comentário à abordagem feita por Manuel Carvalho da Silva.

“Não há um determinismo tecnológico; o que ainda continua a comandar é o domínio das políticas públicas”, frisou, referindo-se a estes tópicos como “uma das mensagens mais fortes” da intervenção.

Também salientada foi a consideração sobre o facto de o trabalho ser “central” e de que “irá continuar a ser central como elemento fundamental de realização humana e de dar sentido à própria existência”.

Outra questão fundamental para Nelson de Carvalho, ex-autarca da Câmara Municipal de Abrantes e presidente da direção do CRIA, sobressaiu da apresentação do orador convidado. “Se de facto nós fazemos estudos de impacto ambiental e outros estudos… e é obrigatório fazer estudos de impacto para tudo… porque é que coisas fundamentais que mudam a sociedade, a condicionam e a reorientam não têm também de ter estudos de impactos sociais, culturais? E a introdução das tecnologias generalizada ser ela própria, também, objeto de estudo de impacto?”, interrogou-se.

Destaque ainda para o “enorme otimismo” da intervenção de Manuel Carvalho da Silva, considerando que “o ser humano tem outras dimensões, é multidimensional e precisamos de lhe guardar essas outras dimensões e não o reduzir a sujeito económico”.

Também os valores de compromisso pareceram ficar retidos como elementos de concordância entre os dois participantes, tendo Nelson de Carvalho assumido que há necessidade de “manter um quadro de valores que organize compromissos sociais para que a humanidade e a sociedade continuem a fundamentar. É uma crença? Pode ser. Mas é importante”, sustentou.

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“A questão é, olhando para a sociedade, como é que nós fazemos isto, como é que nós estabelecemos aqui um contrato ou renegociamos um contrato social que salvaguarde valores fundamentais e à volta do qual estabeleçamos compromissos civilizacionais”, concluiu Nelson de Carvalho.

Levantadas as questões e feitas as reflexões, tendo como alvo a inquietude do público, este não se fez rogado na abertura de “outros lugares de fala”, trocando impressões com Manuel Carvalho da Silva sobre a sua intervenção, tentando acalmar a inquietação causada pelo tema, mas sem respostas e verdades absolutas, como manda a Filosofia.

Mas interessa ter noção de que há “novos contextos e novas realidades” e para Manuel Carvalho da Silva importa “haver espaço e vontade para diminuir sofrimento no trabalho e aumentar as suas dimensões de criatividade, de realização e felicidade”. Afinal “para as máquinas não há dia e noite, mas para as pessoas há dia e noite” e o ser humano precisa desta distinção, otimizando-se sinergias entre pessoas e empresas e não se vendo o salário enquanto “mera subsistência”, mas salvaguardando-se a sua dignidade enquanto ser humano e trabalhador.

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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