Os baixos caudais do rio Tejo estão a afetar a agricultura, designadamente nos concelhos de Abrantes e Constância. O mediotejo.net esteve na Quinta do Taínho, em Alferrarede, com cerca de 100 hectares de plantação de milho, onde se estima já uma perda de produção que pode rondar os 50%. Os agricultores relatam uma situação dramática e que pode agravar-se a cada dia que passa sem água para regar as mais diversas plantações.
Na Quinta, mesmo à beira do Tejo, onde os tubos de extração de água sugam a mais de nove metros – e segundo José Bento, responsável pela Quinta deveriam sugar, no máximo a sete – faz-se contas à vida e lamenta-se uma quebra de produção entre 30% a 50%, “muitos milhares de euros” de prejuízo afirma o agricultor. Presente na Quinta esteve também o presidente da Associação de Agricultores de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação, Luís Damas, que deu conta de uma situação “dramática”.
O presidente da Associação de Agricultores de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação disse na sexta-feira ao mediotejo.net, que os baixos caudais do rio Tejo afetam as produções agrícolas e provocam elevadas perdas. A cultura mais afetada é o milho.
Sendo “uma planta C3 precisa, nesta altura, de muita água e calor porque está a acabar o ciclo de encher a espiga. Há previsões de quebra de 40%, estamos a falar de 15 ou 16 toneladas por hectare, habitualmente, e pode ir para as 10 toneladas ou 9”, explica o engenheiro.
Luís Damas dá conta de o baixo caudal o rio influenciar “esta perda de produtividade. Há 15 dias sentimos o caudal muito reduzido que tem impedido os agricultores, desde Abrantes até Constância, fazerem uma rega normal”.

Admite que no verão a água escasseia mas “nunca com um grau grande de 15 dias com falta de água”, assegura. Segundo o presidente da Associação de Agricultores “acontece uns dias por semana, sábado, domingo e segunda, depois vem um caudal mas nos últimos 15 dias o caudal tem sido sempre muito baixo”.
Baixo demais até para os sistemas de rega uma vez que “as estações de bombagem – cuja utilidade é puxar a água para os campos de milho – têm falta de água, entupimento nas tubagens, afetadas por puxarem areia e resíduos em vez de água. Portanto, o dobro o o triplo do trabalho para os agricultores”, nota.

Luís Damas lembrou que na semana passada o Governo espanhol anunciou a abertura de uma investigação às empresas que gerem as barragens dos rios Douro e Tejo. Quer apurar a razão “de quem regula as barragens, no lado de Espanha, no Tejo e no Douro, porque fez um esvaziamento nos últimos 10 anos, um esvaziamento tão rápido”.
Os agricultores acreditam que tal está ligado ao negócio da energia, uma vez que as empresas responsáveis pela gestão das barragens libertam água, consoante “o preço da energia elétrica na Península Ibérica, que esteve muito alto e tiveram somente uma preocupação económica e não com toda a vida que existe no rio Tejo. Houve dias no verão que o caudal do rio parecia de inverno”, nota.

Como solução para este problema há muito identificado mas que a cada dia parece intensificar-se, Luís Damas aponta não uma mas duas hipóteses; um caudal ecológico, ou seja, caudal continuo, ao longo do dia, regular e mínimo, ou uma barragem no rio Ocreza [afluente do Tejo], que serviria de reservatório para Portugal não depender de Espanha.
“Como estamos dependentes de Espanha e como já vimos os acordos são os que existem e podem ser maquilhados”, ou seja, os espanhóis “podem largar a água toda num dia ou numas horas e mantêm assim os valores que acordaram com Portugal, e depois podem estar uma semana sem largar água nenhuma”.
Damas defende essa barragem no rio Ocreza “com grande capacidade de armazenamento, para se ter um ‘fusível’ ou ‘pulmão’ para quando houver dificuldades. Que seja uma decisão de Portugal” porque “quando há seca não se pode esperar uma decisão” do país vizinho.
Contudo, o rio Tejo, na Estremadura espanhola e em Portugal, conta já com sete barragens mas Luís Damas explica que, quer Belver quer Fratel, “são barragens de fio. Tudo o que entra sai, não são barragens de capacidade nem de armazenamento. O que propomos é uma barragem como a da Pracana, mas com alguma dimensão”.

A construção de uma barragem no rio Ocreza já está em estudo “e pode levar muitos milhões de litros de água e essa era o ‘fusível’ para não estamos dependentes de Cedillo, Alcantara e todas as que estão em Espanha. Podíamos usá-la quando as necessidades do rio Tejo” assim exigissem, vincou.
Questionado sobre uma possível concessão também dessa barragem para produção de energia, Luís Damas referiu a necessidade de um compromisso da parte do Estado.
“Cada vez mais, com as alterações climáticas, tem de haver um compromisso para as barragens terem usos múltiplos: abastecimento da população, caudal regular no rio, não só para a agricultura mas para tudo o que vive do rio da pesca aos desportos. E essa barragem o Estado não pode concessionar a empresas de produção de energia mas sim para o rio ter vida”, defendeu.
Segundo Luís Damas o problema dos baixos caudais a afetar a agricultura “acontece com mais gravidade até Constância porque de Constância para baixo há o rio Zêzere que tem a barragem de Castelo de Bode e do Cabril”.

Relativamente à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) deixa ainda uma critica, referindo que “os agricultores, às vezes, necessitam de fazer escavações no Tejo para a água vir para as bombagens e as licenças não são rápidas. Por vezes desesperados” atuam sem o devido licenciamento “e ainda levam multas. A burocracia também emperra nestas soluções, tem de ser um processo rápido, o que dificulta também a agricultura”.
Por seu lado, José Bento, responsável pela Quinta do Taínho, em Alferrarede, dá conta de “muitas dificuldades” na rega das suas produções agrícolas, nas últimas “três semanas”, particularmente “há 15 dias, o Tejo não sobe nem desce, está sempre naquele caudal. É muito difícil!”, afirma, esperando “gravíssimos prejuízos”.
Conta que nos motores que puxam a água do rio para a rega “rebentam as turbinas devido às areias, entope-se os aspersores, os pivôs. Não consigo pôr três bombas a trabalhar, não consigo água suficiente, tem de ser intercalado. Agora para debitar a água necessária para a cultura tem de ser três vezes em vez de uma”.

O empresário agrícola calcula que “os milhos mais velhos” tenham quebras de produção na ordem dos 30% a 40% e “outro, que precisa de água agora para encher o grão”, garante que terá quebras de 50%.
Os tubos encontram-se, atualmente, a mais de nove metros no rio quando no máximo deveriam estar a sete metros. “Não consigo baixar mais. E sugam areia, lodo, ervas que estão a nascer que têm de ser tiradas quase diariamente, é um excesso de trabalho muito superior” ao que era normal, assegura.
José Bento diz não compreender, notando que paga inclusivamente “a água que consumimos e não temos regalias nenhumas. Um hectare desta produção custa uma fortuna e uma quebra de 40% em 100 hectares numa média de 15 toneladas que tinha são 6 toneladas a menos, em 100 hectares são 600 toneladas. Quem é que nos vai pagar essa perda?”, interroga.

Garante que financeiramente tal situação “pode arruinar uma empresa. Já não temos condições para isso. Não sabemos o que vamos fazer” no futuro, desabafa, esperando das entidades responsáveis “que tenham olhos na cara. É uma necessidade para Portugal”.
Esta produção de milho “dá para três meses, para Portugal”. A continuar com problemas na rega das produções agrícolas “daqui a um ano ou dois não há milho nem para um mês”.
José Bento deu ainda conta de prejuízos na produção de ervilha, igualmente afetada pela falta de água no Rio Tejo.
Fotos e Multimédia: David Belém Pereira