Javalis em busca de comida fotografados dentro da cidade de Abrantes. Foto: Teresa Paulino

A sobrepopulação de javalis tem dado muito que falar, dado o crescimento exponencial nos últimos anos, com esta espécie a reproduzir-se desenfreadamente, causando estragos aos agricultores e invadindo núcleos urbanos. Na região, nomeadamente no concelho de Abrantes, a responsabilidade tem recaído sobre os caçadores, a quem os agricultores pressionam para que possam efetivamente corrigir densidades. O ICNF tem reunido com entidades locais, procurando implementar medidas que possam ajudar a mitigar este problema, mas o assunto não é de fácil solução.

Em reunião de Câmara o assunto foi brevemente debatido entre o presidente de Câmara e o vereador Vasco Damas (ALTERNATIVAcom), sendo que Manuel Jorge Valamatos assegurou que o assunto representa “preocupação imensa” e tem estado a ser tratado com apoio da Proteção Civil.

“Também nós percebemos a quantidade de situações em zonas urbanas, e não é só aqui na cidade, há outras freguesias do concelho onde isto acontece”, relevou o edil, notando que o gabinete de Proteção Civil tem vindo a tentar com o ICNF criar estratégias de resolução do problema.

“Nalgumas situações obriga-se a utilização de matilhas de cães, noutras situações são cevadouros fora da área, para tentar cativar para outras zonas. O ICNF, com as associações de caçadores do nosso concelho, tem vindo a procurar estratégias para mitigar esta situação, eu próprio estive numa reunião com eles”, acrescentou Manuel Jorge Valamatos.

Imagens de um dos muitos vídeos que circulam nas redes sociais, quando os javalis invadem a zona da avenida junto ao Hospital, em plena cidade de Abrantes”. Créditos: DR

O presidente da Câmara alertou que não se pode atuar sem lei em determinadas áreas, nomeadamente nas zonas urbanas e na área junto ao Hospital, onde uma vara costuma circular na via pública, nomeadamente atraídos pela rega das zonas relvadas nos separadores da avenida, bem como junto do estacionamento.

“Não é permitido por lei haver tiros nas zonas urbanas. É muito complicado. É uma situação que é da competência do ICNF”, notou.

Na reunião de Câmara, o vereador Vasco Damas questionou se não poderiam ser utilizados dardos tranquilizantes, tendo o autarca referido que também se têm apontado como eventuais hipóteses “balas silenciosas”.

“Também não sei. Sou especialista das generalidades. Tenho de saber de tudo, mas também não sei de tudo a fundo”, referiu Manuel Jorge Valamatos, indicando não conhecer em concreto esta matéria.

A sobrepopulação de javalis e a sua apropriação de espaços urbanos, bem como os prejuízos causados a pequenos agricultores juntamente com os prejuízos em grandes campos de produção de milho, têm estado na ordem do dia nos últimos anos, e sem solução à vista. Créditos: DR

O edil sublinha que esta situação com a sobrepopulação de javalis é “complexa e difícil de gerir”, e que é tema em todos os briefings de Proteção Civil, apesar de ser competência do ICNF. “São eles que desenvolvem as estratégias para mitigar o problema, a Câmara não tem competência sobre isso. É o ICNF que passa as licenças às associações de caçadores e tem um conjunto de procedimentos específicos. Estamos atentos e estamos todos, obviamente, muito preocupados com isto”, concluiu.

Agricultores desesperam por solução e pressionam ICNF e associações de caçadores para intervir

O aumento exponencial da população de javalis não tem facilitado a vida aos agricultores, uma vez que a espécie tem arrasado culturas de milho, essencialmente, em zonas húmidas e regadas, um fenómeno que se estende a nível nacional.

Conforme explicou ao mediotejo.net Luís Damas, presidente da direção da Associação de Agricultores de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação, o javali tem “grande apetência por zonas de cultivo regadas”, para fuçarem, para se alimentarem e para usarem como refúgio, e têm causado “grandes prejuízos, destruindo grandes áreas de cultivo, essencialmente no milho”.

Luís Damas, presidente da direção da Associação de Agricultores de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação. Créditos: David Belém Pereira

Já nem as pequenas hortas nas aldeias estão a salvo. Não só o milho sai prejudicado como também todos os restantes hortofrutícolas. “Toda a horta sai prejudicada, porque é uma zona que está cultivada, tem alguma humidade e tem algum alimento disponível para eles se alimentarem, e isso está a causar também a frustração de muitos agricultores, cujas pequenas hortas são todas devassadas. Não se consegue retirar nada das produções”, refere, dando conta do cenário.

Além das implicações a nível de produção agrícola, Luís Damas releva a preocupante implicação a nível de fauna e flora, pois a sobrepopulação de javalis está a pôr igualmente em causa o equilíbrio do ecossistema.

“São predadores de pequenos répteis, de pequenos mamíferos e pequenas aves, e também estão a destruir o ecossistema. Além disso, destroem algumas plantas, mais as que têm bolbos, estão a fazer muita pressão e a criar desequilíbrio”, explica.

Os javalis são também predadores de pequenos répteis, pequenos mamíferos e aves, e estão a desequilibrar e a destruir o ecossistema.

Apesar de o ICNF ter dado autorização para controlo e correções de densidade, “com todas as associações de caçadores e todas as entidades que tenham concessão de zonas de caça a poderem pedir os chamados selos vermelhos, podendo caçar javalis todos os dias e todas as noites”, não se têm notado melhoras.

O problema em Abrantes agrava-se pela expansão dos efetivos para áreas não cinegéticas. “O núcleo em Abrantes, junto ao Hospital, no Liceu, e dentro das aldeias, não são zonas cinegéticas, não se pode ali caçar. Aí o ICNF não tem competências, não está no seu domínio. É um problema de segurança e saúde pública, de proteção civil; em meio urbano não há atividade de caça nem zonas de caça, e aí entra na esfera de segurança das populações”, nota Luís Damas, referindo que aqui já serão as forças de segurança e entidades de Proteção Civil a ter de procurar uma solução.

Por outro lado, e sendo também caçador, Luís Damas entende que se deve passar a palavra no sentido de os caçadores fazerem um controlo mais efetivo das populações com abate de fêmeas férteis, sendo elas o potencial para o crescimento descontrolado desta espécie e porque “normalmente os javalis andam em grupos com três a quatro fêmeas e com as suas crias, e o macho anda muitas vezes sozinho, tirando na época do acasalamento, sendo certo que um macho pode cobrir várias fêmeas, e para os caçadores ajudarem têm mesmo que começar a abater fêmeas”.

Agricultores estão preocupados com crescimento de populações de javali. Foto: DR

Sendo também caçador, assume que o problema se prendeu também com costumes antigos. “Durante muitos anos os caçadores só matavam os machos, em jeito de troféu. Por norma tem-se maior apetência para caçar os machos”, afirma, entendendo que o panorama hoje tem que mudar para se notar algum efeito no terreno.

Além disto, a muita disponibilidade de carne de javali excede a procura, o que não tem entusiasmado e incentivado os caçadores. “Já toda a gente tem as arcas cheias de javali, já ninguém quer carne de javali. E matar um javali e deixá-lo no terreno não é opção. Não havendo saída, ir só matar por matar, não… O caçador tem essa sensibilidade, não se mata por matar”, defende.

O certo é que a solução é difícil de encontrar, e cada vez mais, pois “algumas situações estão já fora do controlo”.

“Os caçadores estão a promover batidas dentro dos campos de milho, também com cães, para promover enxotes e tentar afugentar as populações de javalis de dentro dos cultivos e conseguir abater. É o que se está a fazer para a tentar minimizar os prejuízos”, dá conta.

Além destas preocupações, surgem ainda os receios com o facto de os javalis poderem ser portadores de doenças, desde a tuberculose à peste suína, e que poderão inclusivamente afetar produções de suinicultura. “Quando há excesso de população, a natureza também regula, nomeadamente com estas pandemias”, refere.

A chave é reduzir a população e o único processo que existe “mais à mão” passa pela atividade e dedicação dos caçadores. “As associações de caçadores estão a pedir participação dos seus associados, dado que os agricultores estão desesperados, e pedem para fazer esperas e afins. Há associações a sublinhar a importância de uma maior presença de caçadores para abater os javalis”, reconhece Luís Damas.

“As associações de caçadores estão a pedir a participação dos seus associados, dado que os agricultores estão desesperados”

Luís Damas

Tudo isto porque os agricultores também estão “a pressionar”, até por terem uma relação próxima com as associações de caça, e porque se existirem prejuízos numa cultura agrícola por parte de uma determinada espécie cinegética, as associações de caçadores podem ser responsabilizadas, pois os prejuízos são realmente avultados. “Um agricultor na zona de Constância e Montalvo, semeou 2 hectares de milho e 50% já foi, dados os prejuízos causados pelos javalis”, exemplificou o presidente da Associação de Agricultores.

A sobrepopulação de javalis tem sido flagrante nos últimos anos, com avistamentos em plena luz do dia, invasões de propriedades, presença constante nos núcleos urbanos das aldeias, com a invasão da via pública na zona urbana da cidade, e claro está, com prejuízos e danos causados nos campos de milho da região, nomeadamente no concelho de Abrantes e em localidades ribeirinhas onde se privilegiam este tipo de culturas, seja nas freguesias de Alvega e Concavada, Tramagal, Constância, Montalvo, entre outros.

Créditos: David Belém Pereira

Segundo a ANPROMIS (Associação Nacional de Produtores de Milho e Sorgo) “o aumento descontrolado da população de javalis que se tem verificado nos últimos anos no nosso país, está a causar avultados e crescentes prejuízos no sector agrícola nacional”, apontando um levantamento efetuado pela associação quanto “aos prejuízos provocados pelos javalis nas searas de milho dos seus associados”, tendo representado, em 2022, estragos “a rondar os 8 milhões de euros”.

A ANPROMIS reuniu dia 5 de julho com a direção do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), tendo apresentado os resultados deste levantamento. Na ocasião, segundo o mesmo comunicado, puderam ainda “auscultar que medidas vão ser implementadas por este Instituto para controlar a densidade de javalis que existe em Portugal, conforme preconizado no “Plano Estratégico e de Ação do Javali em Portugal” recentemente apresentado”.

Em 2022, os javalis causaram estragos de pelo menos 8 milhões de euros em searas de milho

“Face às explicações prestadas e tendo em conta a premência de se avançar nas soluções apresentadas neste Plano Estratégico, a direção da ANPROMIS sugeriu a marcação de uma reunião, com carácter de urgência, a ter lugar ainda durante o mês de julho, em que participem todos os intervenientes – agricultores, caçadores e os organismos da administração pública, para se operacionalizar, no mais curto espaço de tempo, as ações propostas”, termina.

O Plano Estratégico e de Ação do Javali em Portugal foi elaborado por em três principais objetivos, sendo o conhecimento do universo da população; a descrição da condição física dos animais; e avaliação do habitat e dos fatores que podem aumentar ou diminuir o impacto e dimensão dos prejuízos causados pela espécie.

Esta informação, num estudo promovido pelo ICNF e elaborado pelo Centre for Environmental and Marine Studies (CESAM) da Universidade de Aveiro, entre setembro de 2020 e dezembro de 2022, servirá para definição de planos e estratégias aplicadas à gestão sustentável e mitigação dos potenciais impactos negativos do javali, nomeadamente os prejuízos agroflorestais e a disseminação de doenças.

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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3 Comentários

  1. Sou duma aldeia nas redondezas de Abrantes (Penhascoso) e é com consternação que confirmo a invasão de javalis que têm destruído muito do esforço dos habitantes desta localidade que vivem do que colhem ao longo do ano.
    Que alguém faça alguma coisa em favor dos mais desfavorecidos. É necessário ajudar os que precisam de continuar nestas terras.
    Obrigada – Maria Clara Canas

  2. Li atenciosamente toda a informação relacionada com a praga dos javalis sou caçador e um apaixonado pela caça ao javali na minha opinião há formas de correr com eles das sonas urbanas os animais procuram as zonas urbanas para se refugiarem das zonas de caça na floresta eu gasto mais de quinhentos kg de milho por ano mais de 50% é comido por outros animas selvagens e aves os javalis também vão aos sevadores lá se mata um de vez enquando os animais tem aprendido muito e sabem bem onde está o perigo.

  3. Esta situação dos javalis, não existe só no concelho de Abrantes, no concelho de Gavião, mais concretamente na freguesia de Comenda as hortas estão a ser destruidas as suas culturas

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