Costuma dizer-se que “onde há fumo, há fogo”, e o contrário também é verdade. Já não sai fumo das torres da Central Termoeléctrica do Pego (vapor de água, para sermos mais precisos), porque estas deixaram de funcionar a carvão no ciclo de produção de 17 a 19 de novembro, confirmou o mediotejo.net junto de vários trabalhadores. O fim da produção estava oficialmente marcado para o dia 30 de novembro, mas com o esgotamento dos stocks de carvão na empresa, na sexta-feira passada a indicação às equipas de serviço foi essa mesmo: “Acabou.”
Ao nosso jornal, José Grácio, presidente executivo da Trust Energy, acionista maioritário da Tejo Energia, disse apenas que a Central “permanece à disposição da rede elétrica nacional para produzir energia até 30 de novembro”, data que o governo decidiu fixar para o fim do ciclo a carvão nesta unidade, a última existente no país. Apesar de renovada tecnologicamente há poucos anos para ser menos poluente, e mesmo com a subida galopante dos preços da energia (no mercado ibérico subiu, em menos de um ano, de 30€ por MWh para 281€), o governo manteve a sua decisão política.
Portugal passa, assim, a ser um dos primeiros países do mundo a não ter em funcionamento centrais nucleares ou a carvão, apesar de não ter ainda autonomia garantida recorrendo apenas a fontes renováveis – tendo por isso de comprar a outros países, como Espanha, França ou Alemanha, que não se comprometeram com o abandono destas fontes de produção antes de 2030.
O momento em que as últimas toneladas de carvão foram queimadas em Portugal poderia ter sido de alegria, mas foi vivido com lágrimas nos olhos de todos os trabalhadores. Foi o ponto final numa história que muitos ajudaram a escrever nos últimos 30 anos e para a qual desejavam um desfecho diferente. Sonharam poder fazer parte do novo capítulo da Central, produzindo energia a partir de fontes mais “verdes”, mas viram todas as promessas desfazerem-se perante os seus olhos, qual fumo dissipado pelo vento.
O desemprego é uma certeza para quase todos, a partir de 30 de novembro. São cerca de 150 postos de trabalho que se perdem, além das cerca de 200 pessoas recrutadas por empresas sub-contratadas e que foram sendo dispensadas nos últimos meses.
O desalento e angústia, a par da preocupação com o futuro, são sentimentos partilhados por alguns dos trabalhadores que o mediotejo.net ouviu na manifestação de sábado passado, em Abrantes, como Rui Alcobia, que trabalha na Central a carvão do Pego desde o seu início, de Paulo Antunes, um dos funcionários mais antigos, ou Dulce Paulo, uma das empregadas que faz a limpeza da Central há 25 anos, através de uma empresa contratada. Até ao dia em que os entrevistámos, a 15 dias do fecho, nenhum sabia o que iria fazer depois de 30 de novembro.
“Custa muito ver a tristeza dos trabalhadores… tudo isto poderia ter sido evitado”, lamenta José Grácio, lembrando que a Tejo Energia, consórcio constituído pela TrustEnergy (Engie e Marubeni), que detém 56%, e pela Endesa (com 44%), propôs ao Governo iniciar, logo após o fim do ciclo do carvão, um processo de conversão da Central para um “cluster” de energias verdes, mantendo todos os postos de trabalho. “Apresentámos um [novo] projeto ao Ministro do Ambiente em julho, como combinado, e ele nunca se pronunciou sobre o mesmo. Nunca explicou porque mudou de ideias e decidiu avançar para um concurso público, a quatro meses da data determinada [para o fim do carvão]. As explicações iniciais, de que havia um desentendimento entre os acionistas, não têm sentido”, frisa José Grácio, e não terão força para sustentar em termos legais a decisão do governo, consideram vários juristas ouvidos pelo mediotejo.net.
Essa é, aliás, a base da providência cautelar que a Tejo Energia apresentou a 29 de setembro no Tribunal Administrativo de Leiria, e que deveria ser decidida pelo juiz no prazo de dois meses – ou seja, até ao dia 29 de novembro. O mediotejo.net sabe que o Tribunal pediu ao Ministério do Ambiente que se pronunciasse sobre a matéria e que essas respostas já foram incluídas no processo. De qualquer forma, mesmo que a providência cautelar dê razão à atual concessionária, em termos práticos pouco deverá mudar, uma vez que o governo pode sempre invocar o “interesse nacional” do concurso para a atribuição da exploração daquele ponto de injeção na rede elétrica nacional. Paralelamente decorre uma outra ação em tribunal, em que a Tejo Energia pede 298 milhões de euros de indemnização ao Ministério do Ambiente.
Quanto aos trabalhadores, José Grácio assegura ao nosso jornal que a empresa tem procurado minimizar os impactos negativos, prestando inclusive apoio na procura de novos postos de trabalho. “Contratámos uma empresa de ‘outplacement’, especializada na colocação de recursos humanos”, de forma a apoiar os trabalhadores mais qualificados. “São pessoas que, obviamente, vão trabalhar para outras regiões do país, não vão ficar em Abrantes, com tudo o que isso implica”, lamenta, referindo-se aos impactos na economia e no tecido social do concelho que a saída de muitas famílias irá ter, seguramente.
Nos últimos dois meses a Tejo Energia tem negociado saídas com vários trabalhadores, confirmou ainda José Grácio, visando acautelar casos como os dos funcionários mais velhos, que assim recebem uma indemnização pelos anos de casa e poderão depois propor-se a uma reforma antecipada.
Aqueles que ficam desempregados a 30 de novembro “têm todo o apoio da empresa no processo de inscrição no centro de emprego, e sabem disso, não precisam que o governo anuncie agora que vai criar um gabinete do IEFP no Pego”, critica José Grácio. “O que estas pessoas gostariam era que lhes dissessem que iam ser requalificados, que iam ter formação profissional, que os ajudariam a voltar a encontrar trabalho na região… não precisam que lhes digam como se preenche um formulário para o subsídio de desemprego.”
Quando no mês passado o Ministério do Ambiente adiou para 2022 a decisão do concurso público lançado, o mediotejo.net questionou o ministro sobre a situação de fragilidade em que ficavam os trabalhadores. Em resposta, o seu gabinete respondeu que “o Governo pugnou pela minimização, tanto quanto possível, do hiato temporal entre o descomissionamento da Central a carvão e o projeto que venha a ser adjudicado no procedimento concursal” e, “com o objetivo de salvaguardar os postos de trabalho, o Governo criou majorações” no concurso para as empresas que criem postos de trabalho em número equivalente aos que existiam à data da abertura do concurso público (setembro de 2021) e para as empresas que integrem ex-trabalhadores, com condições salariais equivalentes às que tinham na Tejo Energia.
Também nessa altura o presidente da Câmara Municipal de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos, reforçou junto do ministro a necessidade de o município ser apoiado com os Fundos de Transição Justa para minimizar os impactos da perda destes postos de trabalho, o que veio a ser anunciado na semana passada: Abrantes receberá 45 milhões de euros, promete o governo.
Essa verba, disse Manuel Valamatos ao mediotejo.net, servirá para minorar uma “ferida que se abre, em termos económicos, de forma significativa” com o encerramento da Central, e “visa apoiar a instalação de empresas e a valorização de outras que estão aqui, com novos projetos”.
Quanto ao futuro da Central do Pego, findo o processo de candidaturas para a atribuição da licença deste que é um dos pontos de injeção mais importantes da rede elétrica nacional, será de esperar uma decisão do governo em 2022, mas é uma incógnita quanto tempo levará, depois, a iniciar-se algum tipo de produção de energia no local.
*Com Mário Rui Fonseca
Quando os empresários se fixam numa unica fonte, que abandonam o desenvolvimento do seu próprio negócio, apenas pensando em lucros fáceis! Acontece isto mesmo.
Aconteceu em Tramagal, aconteceu no Pego, aconteceu no municipio de Tomar, no de Torres Novas, no de Alcanena e por todo este médio Tejo todo! Mudar diariamente é preciso.
Central do Pego? Paz á sua alma!
Acabou o carvão, certo. Mas continua a funcionar a gaz, certo? Portanto continua a produzir energia, não em quantidade, mas não desaparece, não acaba, é um compunente de produção que tem de ser aproveitado e valorizado. Penso eu de que.
Os trabalhadores da central irão receber indenização e fundo de desemprego, ? só tem que ser foram muitos anos a servir a empresa
Gostava mesmo muito de saber o que quer dizer transição justa. É que eu tenho outro sentido da frase que não é coincidente com o que se passa quer no pego, quer em Sines, antes pelo contrário.
Portugal no seu melhor agora compramos energia a Espanha que tem centrais nucleares e a carvão. Fazemos tudo para ficar bem na fotografia perante a União Europeia , pena é serem os trabalhadores a pagarem está pesada factura .