Arrancou na sexta-feira, 9 de novembro, mais uma edição do Festival de Filosofia de Abrantes com o tema emergente ‘A Inteligência Artificial (IA), o Trabalho e o Humano’. Investigadores, filósofos e políticos refletem durante 10 dias (de 9 a 18 de novembro) sobre os desafios do trabalho e do humano, a automação e organização do trabalho, o primado do instrumental versus do humano, em suma: no futuro como nos relacionaremos, como viveremos e como trabalharemos.
Viriato Soromenho-Marques, que abriu o evento no auditório do edifício Pirâmide, em Abrantes, caracteriza a época em que vivemos de “escatológica” porque estamos “entre o ataque cardíaco (guerra nuclear), a esclerose múltipla (crise global do ambiente) e a ‘morte do humano’, e a submissão da humanidade a uma superinteligência artifical e ao ‘transhumanismo’. Ou seja, “teremos de saber reconstruir a política em todos os seus níveis”, abrir a mente para uma nova perspetiva de “governança global”.
Tendo como mote ‘A Inteligência Artificial, o Trabalho e o Humano’, a edição do Festival de Filosofia de Abrantes 2018 propõe até ao dia 18 de novembro, com sessões em Abrantes, Mação e Sardoal, uma reflexão sobre questões atuais, nomeadamente como será no futuro o mundo do trabalho, sendo a Inteligência Artificial (IA) uma realidade presente no quotidiano de todos nós.
Para ajudar a refletir, foram convidados filósofos, investigadores e até políticos que em conjunto vão debater, criticar, partilhar e dialogar sobre o futuro onde o humano dará lugar à máquina. Viriato Soromenho-Marques abriu o festival, esta sexta-feira, questionando precisamente se ainda hoje precisamos da filosofia.
A resposta foi positiva. “Vivemos num mundo tão fragmentado, tão exigente, mundo insubmisso, caleidoscópico que torna muito exigente a tarefa de pensar. A filosofia existe para nos dar sentido de orientação”, disse Soromenho-Marques.
O orador responsável pela comunicação inaugural considerou que “a técnica é a grande questão do nosso tempo”, num mundo onde existem “máquinas com processos que simulam a inteligência, máquinas capazes de resolver situações novas, capazes de aprender, de fazer autocorreção”.
Mas segundo Viriato Soromenho-Marques são os países emergentes, como a China, aqueles que “vão sofrer mais com a IA”, exemplificando com o caso da Foxconn que despediu em 2016 sessenta mil trabalhadores, apresentando-se como um perigo real “o desemprego em massa” e “a perda de controlo das nossas vidas” abrindo caminho para ditaduras e regimes totalitários. “É a mudança da autoridade dos humanos para os algoritmos”, explicou.

E são seis os obstáculos identificados pelo filósofo: “A crise de confiança na condução humana; a politização inconsciente e sem deliberação da tecnociência; a neutralização venal e mercantil dos sistemas políticos; o monismo dos mercados e a economia global como nova fonte de destino; a ‘morte de Deus’ não emancipou a humanidade de uma multidão de ídolos que a subjugam; e por último ‘Gaia’ (terra no conceito literário grego) contra-ataca crise global do ambiente/alterações climáticas”.
Viriato Soromenho-Marques caracteriza a época em que vivemos de “escatológica” porque estamos “entre o ataque cardíaco (guerra nuclear), a esclerose múltipla (crise global do ambiente) e a ‘morte do humano’, a submissão da humanidade a uma superinteligência AI, ‘transhumanismo’.
Ou seja, “teremos de saber reconstruir a política em todos os seus níveis”, abrir a mente para uma nova perspetiva de “governança global”.
A solução passa obrigatoriedade, defende o filósofo, pela “cooperação compulsória para enfrentar ameaças existenciais comuns”. Diz ser “preciso garantir a paz, regular e humanizar a globalização. Garantir os direitos humanos e combater a pobreza e a desigualdade e retirar a inovação à ditadura dos mercados”.
Ora, a força da fragilidade humana está “na reinvenção da política; na acentuação educativa da cidadania, na democratização dos mercados, numa ciência e tecnologia prometeica e emancipadora”, sublinha.
A IA “poder ser um extremo auxiliar, mas teremos de criar limites”, defende, acrescentando ser essencial “não deixar cair o futuro” isto porque “além do que sabemos, mais importante é o que desconhecemos” onde, na verdade, reside a esperança humana “num conjunto de possibilidades desconhecidas”.
Para o orador, o perigo não está na inteligência artificial, mas “na arrogância humana à solta nos postos de comando e decisão, e na resignada indiferença e preguiça generalizadas”.
Viriato Soromenho-Marques considera possível “inverter o destino e tornar esta invencível caminhada” para o dia do juízo final “naquele momento histórico da humanidade em que venceremos os nossos próprios fantasmas”.

A cerimónia de abertura esteve a cargo da presidente da Câmara Municipal de Abrantes, Maria do Céu Albuquerque, que falou sobre a renovação da aposta no Festival de Filosofia de Abrantes, “em estreita articulação com os nossos parceiros, incluindo a Fundação de Serralves e o Grupo de Teatro Palha de Abrantes, porque acreditamos que as cidades contemporâneas devem assumir a sua função de promover o debate e a participação cidadã”.
O Festival de Filosofia de Abrantes “continua a ser uma praça aberta, desafio para uma cidadania ativa, esclarecida, questionadora. De como o estímulo à construção de um espírito crítico deve estar sempre presente” referiu a presidente.
A inteligência artificial e as inúmeras questões permanentemente associadas, como “os princípios éticos, o impacto sobre o trabalho, a sustentabilidade, a disrupção do Estado Social e a transformação industrial, a proteção da segurança e da privacidade dos cidadãos, serão alguns dos temas prioritários desta próxima semana, tão discutidos por filósofos e outros pensadores, cientistas e políticos, empresários e professores, crianças e jovens” lembrou Maria do Céu Albuquerque.
Manifestou desejos que no futuro “qualidades como a empatia humana, a persuasão, a criatividade e a consciência social sejam fatores de diferenciação em relação às máquinas”.

E recordou o encerramento da 2ª edição da Web Summit, esta quinta-feira, em Lisboa, onde o Presidente da República relançou um desafio, citando: “A digitalização é sobre liberdade, diálogo, tolerância e sociedades abertas. Vamos usar a revolução digital para o diálogo e para a paz. É difícil porque esta onda que está a atravessar o mundo anda no sentido contrário ao da revolução digital. Mas temos de lutar pelos princípios da liberdade, do multilateralismo, da paz, para algo que seja bom de viver no mundo inteiro. Essa é a mensagem. Levem-na para o resto do mundo. Não deixem as vossas mensagens só para vocês”.
Por seu lado, o presidente da Câmara Municipal de Mação, Vasco Estrela, destacou a “importância” que uma iniciativa desta natureza pode ter para os três municípios, num “intermunicipalismo” numa “partilha de conhecimentos” que sendo descentralizada contribuirá para uma “maior robustez do território”.
Preocupa também Vasco Estrela: “Como é que vamos realmente compatibilizar a inteligência artificial com a humanização?” Admite então “os desafios que são colocados à sociedade que merecem uma reflexão aprofundada e que a todos nos convoca para aquilo que nós, também enquanto autarcas temos de fazer, que é de alguma forma preparar as nossas terras, as nossas comunidades, os alunos, para aquilo que será o mundo onde vão viver, que será um mundo diferente do mundo atual”.

Considerando a IA um tema “cada vez mais atual” Vasco Estrela sublinhou a urgência da discussão sobre um futuro onde “provavelmente milhões de cidadãos não terão oportunidades no mercado de trabalho como hoje o conhecemos. Como é que vamos proporcionar rendimento a uma série de pessoas que podem, eventualmente, ficar excluídas fruto do desenvolvimento e da inteligência artificial que, neste momento é um fator irreversível?”. As questões terão, por certo, eco entre os palestrantes do Festival.
Também presente na cerimónia de abertura o presidente da Câmara Municipal de Sardoal, Miguel Borges, referiu as políticas públicas. “Ser político é também da nossa obrigação, daquilo que são as políticas públicas, criarmos estes espaços. Espaço para a reflexão. Espaço para o pensamento. Espaço para a cultura. Daí, as políticas públicas dentro desta área, são tão importantes como a saúde, como a educação, como os transportes e outras mais”, considerou.

O programa oferece um conjunto de conferências com intervenções de pensadores, académicos, investigadores, nacionais e internacionais, como Manuel Carvalho da Silva, Steven S. Gouveia, Leonel Moura, Luís Moniz Pereira, Porfírio Silva, Arlindo Oliveira, Sara Fernandes, Luiz Oosterbeek, Diogo Tudela, Gonçalo Marcelo, Lara Sayão (Olimpíada de Filosofia do Rio de Janeiro), Tomás Magalhães Carneiro (Clube Filosófico do Porto) e Alves Jana (Clube de Filosofia de Abrantes). E do estrangeiro vêm Jean Haentjens, economista e urbanista (França), e Nina Power, filósofa (Reino Unido).
A dimensão política sobre os desafios da robótica no mundo trabalho será o tema que vai juntar à mesma mesa representantes de todos os partidos políticos representados na Assembleia da República, no dia 17 de novembro, em Abrantes.
A par dos painéis, o programa inclui apontamentos culturais, com cinema, teatro, música, feira do livro; apresentação de livros sobre a temática; oficinas de Filosofia com crianças, com Joana Rita Sousa, nas escolas dos concelhos envolvidos; intervenções de rua; prémio Jovem filósofo e oratória livre por jovens abrantinos.
As diversas iniciativas decorrerão em Abrantes, Sardoal e Mação e todas têm entrada livre.
O Festival é organizado pela Câmara Municipal de Abrantes, em parceria com o Clube de Filosofia de Abrantes, a Câmara Municipal de Mação, a Câmara Municipal de Sardoal, a Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural, os Agrupamentos de Escolas dos Concelhos de Abrantes, Mação e Sardoal e a Fundação Serralves.
Veja aqui as declarações de José Alves Jana, do Clube de Filosofia de Abrantes: