Há um par de décadas começou a correr por aí a “morte das ideologias”.

As ideologias já não se justificavam, já não serviam para nada, eram coisa inútil e mesmo um grave empecilho.

Já não havia nem esquerda nem direita, só o pragmatismo.

Estamos conversados: este mundo sem ideologia, higienizado, cerco sanitário em torno dos “restos” das velhas ideologias, armado até aos dentes de técnicos, experts, tecnocratas iluminados, onde já hão há governação (política, logo ideológica, logo diagnosticada e internada para cura) mas governância (coisa boa, não ideologicamente contaminada, sustentada na opinião e nos estudos e nos relatórios dos experts tecnoburocratas que enchem os corredores e os salões europeus) estampou-se está quase totalmente descontrolado.

Claro: alimentado por uma ideologia. A ideologia do sucesso individual. Os cinco passos para uma carreira bem sucedida. O que fazem os homens de sucesso. O que não fazem os homens de sucesso. AS 10 coisas que deves aprender até aos 20 para seres bem sucedido.

As sete atitudes que os bem sucedidos nunca tomam. Mais uns pós sobre como ganhar o primeiro milhão, duas formações sobre liderança, um curso desde a pré primária sobre empreendedorismo, trabalhar 20 horas por dia, dominar a especulação financeira, ser cada dia mais competitivo,  e aí está: o homem novo, o jovem do futuro, a novíssima geração qualificada e empreendedora que vai finalmente abrir um novíssimo caminho à sociedade, ao país, ao mundo.

Infelizmente a primeira geração desde “homem novo”, de “sucesso”, “empreendedor”, que detestam e desprezam “a política” e “os políticos”, fora, longe e protegidos do espaço público do debate onde antes se formulava o “comum”, o “coletivo”, o “social” criaram um sistema financeiro global que absorve tanto quanto pode da riqueza produzida, vasos comunicantes que levam o dinheiro “para cima”, produção ostensiva de ricos e muito ricos.

Produção generalizada de pobres e do empobrecimento contínuo, a ética não dá empregos e é uma velharia inútil. Um sistema global onde o trabalho (o emprego) escasseia, o valor é apropriado por muito poucos, o dinheiro se converteu em dívida.

O balanço desta novíssima ideologia “asséptica”, “pragmática”, “técnica”, “positiva”, “crescimentista” é trágico e basta olhar para a Europa para o perceber.

Claro: é a nova face de uma direita que se crê sem alternativa, que acredita que não há pensamento e visão social que não a dela, que acha que o governo á um privilégio exclusivo a que mais ninguém tem direito e que o lugar da “esquerda” é a oposição.

O mundo precisa de uma esquerda. Nova, que nestas coisas não há retorno. Capaz de se reinventar e encontrar novos modelos para a economia e as sociedades.

Para já: os muros estão a caír desinstalando as esquerdas “irredutíveis”. Espero que seja capaz de inventar uma nova política: para o Homem. Com ética, valores, princípios.

Ex-presidente da Câmara Municipal de Abrantes e ex-presidente da Assembleia Municipal de Abrantes, é o atual presidente da direção do Centro de Recuperação e Integração de Abrantes (CRIA).
Escreve no mediotejo.net às sextas-feiras

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