No passado mês de janeiro, a propósito dos 65 anos da inauguração da Barragem de Castelo de Bode (1951), escrevemos aqui um texto sobre o assunto, tanto no que diz respeito às características do empreendimento como no que concerne às consequências que a construção deste lago artificial trouxe para uma região muito vasta e para as pessoas que por ali viviam.

Já em diferentes momentos, na imprensa local e na revista Zahara (n.º 23, de julho de 2014) trouxemos a público a família Prior, da aldeia da Matagosa, a norte do concelho de Abrantes, os seus empreendimentos e ainda aflorámos aquelas que eram as suas expetativas associadas à construção da Barragem de Castelo de Bode e ao enchimento da albufeira.

Vale do Codes
Vale do Codes

A família Prior estabeleceu-se na Matagosa nas últimas décadas do século XIX, quando João António Prior, natural de Boafarinha, concelho de Vila de Rei, casou com Maria Rosa Dias Gaspar, com quem teve duas filhas. Após o falecimento de João António Prior, ainda bastante jovem, o seu irmão, José António Prior, desposou a viúva do mesmo e desta união nasceram seis rebentos (Acácio António Prior, Maria dos Prazeres Gaspar Prior, Isaura Gaspar Prior, José António Prior, Gabriel António Prior e Joaquim António Prior), alguns dos quais, pela sua ação, ficaram particularmente conhecidos no norte do concelho de Abrantes e também no concelho de Vila de Rei.

Os irmãos Acácio, Gabriel e Joaquim Prior, apesar de terem vivido parte da sua vida em Lisboa e viajado por muitas outras partes do mundo, por todos serem oficiais da Armada Portuguesa, dedicaram uma atenção especial à sua terra e, após o enchimento da albufeira de Castelo de Bode, em 1951, vislumbraram, desde logo, o potencial turístico da região. Esta posição terá sido defendida publicamente por Acácio Prior, enquanto Presidente da Junta de Freguesia do Souto, exatamente em meados do século XX. Note-se que, nesta altura, a Freguesia do Souto era a segunda mais populosa do concelho, com mais de cinco mil habitantes, imediatamente a seguir a S. Vicente.

A família Prior foi determinante para que se tenha construído um belo fontanário (1950) em Matagosa e, imediatamente a seguir, uma elegante capela, em honra de Nossa Senhora da Conceição. A aldeia de Matagosa tinha, à época, 120 habitantes e 28 fogos, porém a sua população aumentava a grande ritmo. Acreditava o clã Prior que a fertilidade da terra, beneficiada pela disponibilidade de água para rega, era uma característica que cativava a instalação de forasteiros.

Os pinhais e os olivais também se apresentavam como agentes de crescimento da riqueza. Ainda que a região tivesse sido sempre mal servida de vias de comunicação, a construção da Barragem de Castelo de Bode, cuja albufeira chega junto à povoação, contribuiria para o aparecimento de mais e melhores estradas, o que determinaria o progresso económico e turístico de toda a zona do vale da Ribeira do Codes. Imaginava Gabriel António Prior que, entre aquele que era então o maior lago de Portugal e a segunda estrada mais importante do país (Estrada Nacional N.º 2), a escassos quilómetros da aldeia, passaria, no futuro próximo, “um enorme trânsito”.

Folheámos, no âmbito de uma pesquisa sobre outra temática, o Jornal de Abrantes dos anos 40/50 do século passado e deparámo-nos com longos artigos dos irmãos Prior relativos a várias temáticas, entre as quais estão Castelo de Bode e a Matagosa. Joaquim António Prior, num texto de junho de 1951, quando a albufeira inundava os campos agrícolas, faz a defesa da fauna piscícola, incentivando as autoridades a fiscalizarem as técnicas de pesca ilegais: “A albufeira de Castelo de Bode, dando um braço de inundação no Vale do Codes  com cerca de 8 quilómetros, veio novamente dar às águas do rio uma vida nova e exuberante, que nos obriga a levantar ‘grito de alarme’ contra os processos de pesca transgressores da Lei e que novamente ameaçam tudo destruir sem respeito pelos interesses próprios ou alheios”.

Capela da Matagosa aquando da sua construção
Capela da Matagosa aquando da sua construção

Pouco tempo depois, as penas de Joaquim Prior e do irmão Gabriel caracterizam a sua aldeia e do seu texto extraímos as seguintes passagens: “Nos vales dos terrenos de Matagosa, a sudoeste, abundantes nascentes dão um caudal que, conduzido por levadas escalonadas em várias alturas da colina, permitiram transformar em extensos terrenos agrícolas as mantas circunjacentes desta aldeia, que progressivamente aumentava em número de fogos […]. A população de Matagosa é laboriosa, mas a falta duma Escola de Artes e Ofícios nas proximidades e a riqueza agrícola têm contribuído para a formação quase exclusiva de agricultores […]. É a Matagosa local aprazível pela sua situação, na margem esquerda da Ribeira do Codes: ribeira de águas cristalinas espraiando-se ou cachoando por entre as pedras do seu álveo, antes de se lançarem na Barragem do Castelo de Bode […].

Poema no Fontanário da Matagosa
Poema no fontanário da Matagosa

Foram certamente os seus atrativos que inspiraram os aborígenes a darem à região o onomatopaico nome de Matagosa, visto na época da sua fundação estes terrenos agrícolas tão prometedores serem circundados de frondosas matas […]. A prosperidade natural da aldeia, já exposta, adquirirá ainda maior acuidade no futuro, pela sua situação privilegiada na margem esquerda deste quase mar interior, constituído pela inundação da Barragem do Castelo de Bode, extenso lago em direção norte-sul com 59 quilómetros de comprimento e com inúmeras ramificações laterais, entre as quais sobressai a Ribeira do Codes”. E os irmãos Prior prosseguiam, até chegarem àquilo que então propunham, uma estrada a ligar o “porto lacustre” de Matagosa e a Estrada Nacional N.º 2, sem a qual, defendiam, ficava em xeque o desenvolvimento do Vale do Codes.

A estrada construiu-se e, já na década de 60, a família Prior promoveu a construção de espaços tendentes à promoção turística da região e à sua marcação simbólica, como são o Penedo Furado, inaugurado em 1964, e o monumento a Cristo Rei, edificado em 1974.

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Inauguração do Penedo Furado (1964)

Todavia, em vez da região se desenvolver, como previam os irmãos Prior, perdeu progressivamente gente e encontra-se bastante desertificada. Todavia, as potencialidades da albufeira de Castelo de Bode, unanimemente reconhecidas, apenas vêm provar que “os Priores”, como são localmente designados, eram homens muito à frente do seu tempo.

José Martinho Gaspar nasceu em Água das Casas (Abrantes), na década de 60 do século XX, e vive em Abrantes. É Professor de História e Mestre em História Contemporânea. Desenvolve a sua ação entre aulas, atividades associativas (Palha de Abrantes e CEHLA/Zahara, mas também CSCRD de Água das Casas), leitura e escrita, tanto de História como de ficção, sendo autor de vários artigos e livros. Apaixonado por desporto, já não vai em futebóis, mas continua a dar as suas voltas de bicicleta. Afinal, diz, "viver é como andar de bicicleta: não se pode deixar de pedalar e quando surge um cruzamento escolhe-se o nosso caminho".

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1 Comentário

  1. Gostei do que escreveu sobre a Matagosa o sr. tenente Acácio Prior e a esposa D.Clementina foram os meus padrinhos de batismo. Padrinhos muito queridos , era frequente o meu padrinho passar em S,D0mingos em frente a casa dos meus pais montado num cavalo branco. quando me via descia do cavalo punha um joelho no chão e abraçava me com muito carinho e havia sempre dinheiro para me dar e que eu levava sempre a minha mae. Tenho recordaçoes lindas dos meus queridos padrinhos.
    O primeiro carro que eu vi na minha vida e era do irmaõ do meu padrinho do medico.

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