De verão é uma estância balnear de sucesso, mas na época baixa é um verdadeiro retiro de saúde e bem-estar, onde a natureza se encontra de braços abertos para nos envolver. O mediotejo.net foi percorrer os trilhos e passadiços do Penedo Furado, revisitando alguns pontos emblemáticos e explorando os novos atrativos do lugar que é há muito um cartão de visita de Vila de Rei.
A chegada faz-se quer pela EN2 ou pela sua variante. Venha-se de Vila de Rei ou do concelho vizinho, Sardoal. A 5 quilómetros da sede de concelho – 10 minutos – é agora mais fácil perceber toda a envolvência, quer pela floresta menos densa, que ainda se encontra em crescimento depois da passagem dos incêndios dos últimos anos, ou pela limpeza que permite um panorama visual que nos enche as medidas, se começarmos a viagem cá do alto, do Miradouro do Penedo Furado – aquele penedo robusto com a abertura no fundo que permite a ligação por um trilho e, depois, ao passadiço recente de madeira que dá para a Bicha Pintada.
Podemos começar aqui? Na verdade seguimos uma rota em jeito de percurso circular, mas esta deve ser adaptada consoante o visitante e, claro, a sua capacidade de resistência e predisposição para caminhar e aproveitar cada recanto.
Na base, a praia fluvial que na altura esta visita, fora de época balnear, está com as comportas abertas para deixar correr a água da ribeira fresca, rápida e certa entre as pedras e rochedos. Pela manhã, com o sol já alto, ouve-se a passarada entoar no vale dando as boas-vindas. Banda sonora para encorajar para o que se segue.
As infraestruturas da praia estão fechadas, pelo que atravessamos a zona até ao primeiro ponto de interesse: a Bicha Pintada. Um fóssil com mais de 480 milhões de anos, assente em quartzito cinzento-escuro, a destacar junto ao painel que conta a sua história.
Daí, ligação sempre a subir até ao acesso pedonal que vai dar a dito Penedo Furado e respetivo miradouro inaugurado a 5 de julho de 1964. Avista-se o braço da albufeira de Castelo de Bode – consequência do baixo nível da água da barragem, encontra-se mais vazio e seco do que habitualmente se verifica nesta altura – que vai dar aos pés das aldeias do concelho de Abrantes como Matagosa, Matagosinha e Água das Casas. A vigiar o território vizinho, o Monumento ao Cristo Rei, um miradouro altaneiro que intriga no vislumbre da paisagem e desafia a visitar mais tarde.
Descendo à terra, fazemo-nos ao passadiço inaugurado em junho de 2019, aquela que é a primeira extensão de passadiço em madeira que veio assentar no antigo trilho que foi sendo desgastado à passagem nos rochedos, onde muitos aventureiros se lançaram em verões quentes para rumar às aclamadas piscinas formadas na base das cascatas, fugindo à multidão da praia fluvial em si. Nem sempre o calçado era apropriado, e até nos atrevemos dizer que ali jazem as almas de muitos chinelos estilo Havaianas.
O caminho que em tempos se fazia arriscado e mais demorado, agora é feito em piso plano, adaptado a miúdos e graúdo e pessoas com problemas de mobilidade. Foram ainda deixadas aberturas estratégicas para quem queira descer até à linha de água abaixo do passadiço.
Mantém-se o túnel forrado a árvores e arbustos, de onde sobressai o amarelo das acácias e toda vegetação verdejante.
Uns metros depois já entoa no vale a escorrência da água, que cai com uma força ímpar e nos propõe uma tela sem igual, onde estagnamos a apreciar a imagem que a natureza nos oferece, agora entre passadiços – um autêntica moldura.
A água é límpida, de tons que metem inveja ao azul do céu, e faz-nos querer aproximar, encher uma concha para beber e refrescar a cara, e só depois registar aquele momento-postal para lá voltar durante o horário laboral, naquela pausa em que sonharmos com as férias ou uma escapadinha de fim-de-semana, com família ou amigos.
Tal como outros pontos do concelho, este é um sítio de múltiplos prazeres, seja em que estação do ano for: quem venha caminhar, passear, fotografar ou filmar, apreciar fauna e flora, fazer um piquenique, ou até fazer treino de corrida. Aproveitar o nascer do sol ou aguardar serenamente o pôr-do-sol a ditar o final da tarde.
Dali, subindo a escadaria à esquerda da cascata número um, é ir avançando em altitude e ir ficando admirado com o santuário nas alturas, uma via-sacra composta por Nossa Senhora da Conceição, São Sebastião e São Gabriel, cujas estatuetas em pedra branca foram doadas por populares. É o santuário das Fragas do Rabadão.
Seguindo o trilho esculpido na rocha e depois acedendo à plataforma do passadiço ali está ela, a cascata dois.
Debate-se a dúvida sobre qual das duas cascatas a mais bela, num duelo entre a Fonte Cristalina e a Bica Negra. Quem se atreveria a escolher apenas uma destas obras-primas naturais, quando podemos deixar-nos arrebatar pelo esplendor de ambas?
Mas sem dúvida que, nesta nossa viagem, o namoro foi demorado com a baía turquesa da segunda cascata, com a água a cair num estrondo muito mais arrebatador e a encher a brisa de partículas que apenas nos fizeram apaixonar ainda mais naquele quadro de cor, que se quer colecionar eterno.
Numa moldura em tons de verde, castanho e acinzentado dos troncos das frondosas árvores, estes elementos vão alimentando a alma para o caminho. Mais ainda quando, agora, se faz a subir. A subir. A subir.
Passando por cima da anterior cascata, hora de combater o declive e testar as pernas pelo passadiço e pelo trilho. Vai-se apreciando a paisagem, parando para ganhar fôlego. Esta é uma rota cheia de muitos e bons ângulos, que até nas horas de maior cansaço nos permite recarregar baterias logo a seguir, só de olhar, assimilar. Respiramos fundo, continuamos a subir. Com tempo, sem pressa.
A fase final permite decidir para onde ir, e a escolha agora faz-se entre miradouros. Além do miradouro do Penedo Furado e do miradouro das Fragas do Rabadão, agora ergue-se a torre de pedra que abre a janela para os montes e vales forrados de pinhal. A sugestão é apreciar cada um na sua forma e beleza, um após o outro.
Por fim, não haveria melhor forma de terminar esta viagem pedestre do que baloiçando com vista panorâmica, restabelecendo forças e enchendo o peito de ar enquanto se renovam as energias.
É só sentar-se, impulsionar com os bicos dos pés (ou aguardar quem o ajude a ganhar balanço) e nas idas e vindas deixar-se levar entre os encantos deste lugar-paraíso no concelho de Vila de Rei, onde a mística se cruza com a tradição. Enquanto se deixa baloiçar, pode ir desenhando na imaginação o tal bezerro de ouro.
Reza a lenda da Bufareira, estará por ali na ribeira, algures, entre a Bicha Pintada e o Penedo Furado.
