Ribeira da Arcês/Mouriscas. Foto: Joana Santos/mediotejo.net

Três ou quatro amigos juntaram-se um destes dias para reviver as voltas e divertimentos de outros tempos, lembrando especialmente as aventuras de verão. Em Mouriscas, freguesia do concelho de Abrantes, surgiu um grupo de ‘Amigos da Ribeira da Arcês’, que pretende preservar a memória etnográfica e cultural, e divulgar o património natural e histórico da área de envolvência da dita ribeira. Eis que surge a primeira caminhada pelos Trilhos da Ribeira da Arcês, projeto que tem sido apadrinhado pela comunidade mourisquense, contando com cerca de 30 pessoas no terreno, limpando, colocando cordas e corrimões para segurança, instalando sinalética provisória. A ambição é grande, tal como a esperança de que, um dia destes, os trilhos sejam oficialmente reconhecidos.

A manhã, fresquinha, gelava as mãos e os pés. Ainda assim, pelas ruas de Mouriscas, ali ao lado do café local, no ponto que todos conhecem como o ‘Jogo da Bola’, as pessoas começam a chegar, distribuindo sorrisos e simpatia, ansiosos por começar a caminhada.

Com o grupo de escuteiros e outros tantos populares que quiseram fazer parte da iniciativa, ali se aglomerou um conjunto heterogéneo de participantes. Desde crianças e jovens até às mais longínquas faixas etárias, cerca de 90 pessoas partiram à descoberta dos recantos e encantos junto à Ribeira da Arcês.

Vai-se descendo, pois o percurso começa a dar frutos por entre as rochas e arvoredo do vale. A humidade nalguns pontos torna difícil conseguir manter o equilíbrio, e isso fez com que houvessem uns quantos bate-cus, mas nada de significativo. O espírito de entreajuda começa a reinar, e é bonito de se ver e ouvir as mil e uma histórias da região, numa época distante, nos tempos em que a mocidade passava dias inteiros naquelas zonas de nascente, nos açudes e levadas, nas azenhas e lagares. Lugares propícios para cultivo devido à enorme disponibilidade de água. Agora ainda lá se nota, mas certamente em menor quantidade.

O percurso reveste-se de 15 pontos de interesse, todos eles com uma história ou lenda associada. Foram selecionados pelos Amigos da Ribeira, que uma vez mais, pensaram em tudo. Apesar de ter sido uma estreia, não significa que se descure a segurança. Como tal, não foi efetuada visita ao ponto 10, a Gruta da Moura, por acarretar demasiados riscos. Desta feita, seguiu-se caminho pelas demais localizações assinaladas, desde o Poço da Talha, Fonte do Meirão e o açude, a Árvore das Serpentes que representa um abraço perfeito entre os dois troncos das duas árvores de grande porte, as azenhas do Roldão, a Árvore da Picareta, o Poço do Homem Morto, a Rocha do Gorila, a Azenha da Maria Dias, o Lagar do Ramiro Fontinha, o Promontório do Poço da Talha para se observar à distância, o Lagar do Raposo/Ferreiro bem como a azenha, o Poço do Choupo, igualmente para se espreitar à distância.

De qualquer modo, também outros sítios se revestem de interesse, por serem também grandes ícones do património histórico local. Falamos da Fonte Fria, do Solar da Ti Rosa e do açude maior situado a montante, na Raposeira.

No Solar da Ti Rosa, ou nos vestígios que dele restam, a mesa estava posta e composta. Uma vez mais com a preciosa ajuda da comunidade, que não olhou a meios para poder proporcionar uma tarde de convívio além da visita/caminhada pelos trilhos. A boa pinga não faltou, bem como os grelhados e a boa disposição.

Esta construção, cujo fundador foi José Dias da Raposeira em 1851, viu passarem por ali muitas gerações de famílias, ao passo que, dizem os antigos, seria um edifício de luxo na altura.

Houve quem aproveitasse para fotografar e ser fotografado no local, junto às levadas e à roda da azenha. Outros aproveitavam a sombra verdejante para descansar. Os mais novos atiravam pedras à água com explosões de alegria contagiante. Houve tempo para risos, gargalhadas, balanços da caminhada, sugestões para melhorias e outros locais a requalificar, e houve até quem trouxesse consigo o livro para folhear de barriga cheia, e relaxar quiçá debaixo das sombras, estendido na manta de trapos.

Os mourisquenses deixaram-se levar pelo encanto natural do seu território. Foi dia de encontros e reencontros, no presente e no passado.

Os Amigos da Ribeira da Arcês: a missão e a motivação de um projeto comunitário

“Dar a conhecer a maioria dos locais de grande beleza existentes na Ribeira da Arcês, desde a nascente até à foz”, este foi o ‘leitmotiv’ para uma iniciativa que conta já com cerca de 80 colaboradores, desde proprietários a voluntários para as equipas de limpeza das áreas.

António Louro, um dos três amigos que lançou mãos à obra, disse ao mediotejo.net que a ideia surgiu pois “ao fim de 20 anos, decidiram visitar o Poço da Talha” lugar que lhes é mais querido. “Há aqui um património etnográfico e cultural impressionante”, disse.

O membro da organização referiu ainda que não contava que a iniciativa tivesse tanta adesão. “Isto é uma bola de neve. Atingiu uma dimensão significativa e não vai parar!”, afirmou com orgulho.

Segundo António Louro, este património não tem no concelho de Abrantes “algo que se compare a estes espaços”.

O responsável sublinhou que “com apoios será mais rápido” levar a ideia a bom porto, caso contrário terão de “ir mais devagar”, mas assim que se concretizem os planos, as pessoas vão poder ver “o potencial” de Mouriscas neste âmbito de percursos e rotas pedestres.

E, recorde-se que, António Louro foi o autor da proposta vencedora do Orçamento Participativo de Abrantes, com a requalificação do Largo do Espírito Santo. O próprio afirma que, caso haja outra edição do OP e se os apoios não se verificarem até lá, o grupo de Amigos da Ribeira de Arcês poderá recorrer a uma proposta para a efetivação de uma rota turística, cultural e etnográfica, algo que envolve uma “verba significativa”, disse.

Por outro lado, esta foi também uma via que serviu para “aproximar pessoas de várias latitudes mourisquenses, numa freguesia muito dispersa, e há aqui um congregar humanitário”, acrescentando que “Isto é para continuar!”.

Quer ver com os próprios olhos? Então deixe-se deslumbrar com a foto-reportagem, enquanto se aguarda por uma nova oportunidade de caminhada pelos Trilhos da Arcês!

Joana Rita Santos

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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