Cerca de 130 participantes marcaram presença no passeio pedestre da Rota das Fontes Enfeitadas, em Ortiga, num evento organizado pela Junta de Freguesia, no âmbito do seu 90º aniversário, e em parceria com o grupo de animação turística Incógnita Mação.
Num percurso de 12 km, os caminheiros, de Ortiga e de outras localidades da região, puderam aliar a prática de exercício físico ao prazer e fruição destes elementos em espaço público embelezados na noite de 30 de abril para 1 de maio.
As fontes e outros espaços emblemáticos foram ornamentados pelas mãos da comunidade de Ortiga, cumprindo-se uma vez mais a centenária tradição.

A oferta é variada, em termos de flores e outros apetrechos naturais, recolhidos e preparados para o efeito. Entre a explosão de cores que salta à vista, surgem desenhos em mantos de pétalas de flores silvestres e até mesmo de jardim, como as rosas, com contornos de casca de pinheiro e até folhas de palma, entre muitos outros exemplos.
Mas também os contornos da fonte são salientados, pequenos ramos de plantas distribuídos estrategicamente para piscar o olho aos visitantes, como que gritando que a sua fonte é a mais bonita de todas.
Outros casos houve, nas 8 fontes que a população adornou na localidade, que continham quadras populares, contextualização histórica e até manifestações da opinião pública sobre temas que têm marcado a atualidade. Desde a Fonte da Estação, à do Porto, ao antigo Bebedouro dos Burros, à Fonte do Monte Novo, à Fonte Velha e à Fonte da Fonte Velha, foram os pontos que coseram o percurso pela terra.

Este ano até o busto de João de Oliveira Casquilho foi “equipado a rigor”, vestindo a camisola solidária pelo conterrâneo Arlindo Consolado Marques, o ‘Guardião do Tejo’, não deixando esquecer os problemas de saúde do rio.
Surge ainda a incontornável lembrança do último mestre calafate de Ortiga, Ti’ Manuel Fontes, que morava ali perto do largo, onde também tinha a sua oficina. A quadra, junto de peixes cadavéricos e adereços sobre o plástico negro a lembrar a “espuma da morte”, era da autoria de Ti’ Fontes, constante num dos seus manuscritos.
Outro protesto surgiu, mais abaixo, na Estação. “Queremos o nome da Rua das Fábricas de volta!” estampado num grande pano preto, pintava de luto a parte superior da fonte, adornada com flores silvestres, mas com um manifesto em folha A4 ali afixado.
Os populares reclamam a mudança de toponímia aprovada em reunião de Câmara, no ano 2017, por proposta do anterior executivo da Junta de freguesia, e dizem não ter sido auscultados para tal feito. A rua passou a chamar-se Rua Manuel Rosa Eusébio, em homenagem ao industrial que fundou a fábrica de pimentão na Estação de Ortiga.
Mas o protesto entendia-se, admirava-se, e lá se seguia caminho, que ainda há mais fontes para ver.

Desceu-se às imediações, ao Porto de Ortiga, junto da linha férrea e do Tejo, e fica-se entregue aos encantos da natureza. Ali, os incêndios não tocaram, felizmente. Tudo muito verdejante, e os pimpilhos a caprichar em mares amarelos pelos campos fora e a perder de vista, onde já se fazem notar as papoilas.
Uma espécie de quadros perfeitos, que exigiam paragem colectiva para fazer o gostinho ao “click!” na máquina fotográfica ou no smartphone. E com certeza muitos registos foram feitos, numa manhã com um tempo agradável e com boa disposição generalizada, onde o sol brindou maior parte do tempo com a sua presença.
Os elogios foram unânimes, mas a grandeza da obra deve ser reconhecida. A fonte do Monte Novo, já depois do antigo bebedouro dos Burros, foi talvez a que mais suspiros arrancou aos caminhantes, bem como a Fonte do Porto, mas a final prendeu a atenção não só pela beleza: na fonte Central, a fonte oferecida por João de Oliveira Casquilho, e que se localiza junto às casas de banho públicas, em frente ao largo da Liga, onde se dá destaque à tradição e onde se revivem os costumes, com a presença dos cântaros com que, antigamente, se ia à fonte buscar água.

Uma tradição que, segundo o presidente de Junta, Rui Dias, é mérito do povo, e como tal houve a ideia de fazer um percurso pedestre que trouxesse pessoas a admirar e reconhecer o trabalho, tempo e dedicação ali empregues.
O ritual tem-se mantido sempre o mesmo nesta “festa do povo”, como a menciona Rui Dias. “As pessoas reúnem com muita antecedência, e vão ver o projeto que querem fazer”, preparando tudo para a ornamentação, com flores naturais, de jardim ou silvestres, de época. “Há pessoas já a tratar das flores já para este dia, e durante a tarde vão juntando nas caixas, e há noite, cerca das nove ou dez da noite, começam e é até terminar”, notou o presidente de junta.
“Acho que este esforço destas pessoas devia ser compensado e por isso a Junta quis agradecer-lhes, ao trazer cá pessoas para verem o bonito que isto está”.
No próximo ano, quem sabe, poderá espreitar um pouco do trabalho que é feito pela noite dentro, para depois comprovar, no dia 1 de maio, a beleza e o esplendor deste enfeitar das fontes em Ortiga, um gosto centenário do seu povo.