Antigos combatentes relatam 13 anos de guerra nas ex-colónias e lembram feridas que não saram. Foto: mediotejo.net

Segundo o presidente do Núcleo de Abrantes da Liga dos Combatentes, coronel Fernando Lourenço, cerca de duas dezenas de antigos militares continuam com acompanhamento psicossocial devido a marcas da guerra e distúrbios mentais e psicológicos relacionados com a experiência no Ultramar, alguns dos quais auferem pensões na ordem dos 300 a 400 euros.

Falando em sentimento de “abandono” por parte do Estado, o coronel Lourenço indica dificuldades a vários níveis (alimentação, luz, renda, medicamentos) e relata a história de um antigo combatente que ficou sem as duas pernas num acidente no Ultramar, e que só o ano passado conseguiu uma cadeira de rodas, através do Núcleo e de uma empresa que ajudou a adquirir o equipamento.

“Não se sabia, porque ele não saía de casa. Ele não saía de casa, porque não tinha condições para sair e fomos encontrá-lo. Vimos como ele vivia, que se deslocava dentro de casa, arrastando-se pelo chão porque tinha perdido as duas pernas num acidente durante a guerra onde ele esteve. Só o ano passado é que depois conseguimos, com a ajuda de uma empresa de Sardoal, que nos oferecessem uma cadeira de rodas para ele se poder movimentar”, disse.

Coronel Fernando Lourenço, presidente do Núcleo de Abrantes da Liga dos Combatentes. Foto: mediotejo.net

Cinquenta anos depois do fim da guerra no Ultramar ainda há “muitas feridas por cicatrizar” e “casos sociais dramáticos e pensões de miséria”, indicou o presidente do Núcleo.

Vitorino Bento Santos, 87 anos, percorreu os 13 anos da guerra, entre 1961 e 1974, com cinco comissões em Angola, Guiné e Moçambique, estando os horrores do conflito muito presentes na sua memória.

“Hoje temos 1001 traumático de guerra, porque nós encontrámos desde crianças esquartejadas e até em caixas salgadas, até jovens, completamente esquartejadas. Ao encontrarmos esse cenário, veja qual era a nossa mentalidade. Cenários macabros, completamente”, lembrou.

Vitorino Santos, antigo combatente nas Colónias entre 1961 e 1974. Foto: mediotejo.net

Para Vitorino Santos, o estatuto do combatente é importante mas “insuficiente, muito insuficiente. Porque nós fomos completamente abandonados. Durante 30 ou 40 anos, completamente abandonados e inclusivamente injustiçados pelo próprio Governo”, afirmou, tendo feito notar que, “além dos combatentes, temos as próprias famílias dos combatentes, muitas delas completamente traumatizadas. Sofreram os maridos, os filhos, portanto, toda a família foi realmente injustiçada. E isso foi, de facto, muito triste para nós e que os combatentes não perdoam”.

“As feridas ficam. Ficam feridas e cicatrizes que não saram. Por isso é que o próprio governo devia olhar mais pelos próprios combatentes”, defendeu Vitorino.

Criada em 1923, então para apoiar os antigos combatentes da I Guerra Mundial, “a principal ação da Liga dos Combatentes e do núcleo em si é o apoio aos seus sócios, nomeadamente e em particular àqueles que mais precisam, como seja os antigos combatentes da guerra do Ultramar que, fruto das condições sociais do país, foram abandonados ao longo destes últimos 50 anos”, acrescentou o coronel Lourenço.

“Só agora, com a aprovação em 2020 do estatuto do antigo combatente, é que se conseguiu que o próprio Serviço Nacional de Saúde reconhecesse o stress pós-traumático dos antigos combatentes”, notou aquele responsável, para quem os 50 anos dos 25 de Abril representam uma oportunidade.

Núcleo de Abrantes da Liga dos Combatentes,. Foto: mediotejo.net

“É verdade! Esta é uma oportunidade… pelo menos tenho a esperança que vá apaziguar os combatentes. Porque os combatentes necessitam de, para além de ser reconhecidos, que neste momento já o são com estatuto, precisam de sentir que o Estado, a nação, os acarinha como eles merecem, pelo facto de terem participado numa guerra que não era deles e para a qual os mandaram sem eles mais nada saberem”, afirmou, tendo defendido a necessidade de cumprimento do estatuto dos antigos combatentes.

“É a razão pela qual eu ando aqui com o fumo preto na lapela do casaco, é a nossa reivindicação. Este fumo só vai sair daqui e de todos nós da Liga dos Combatentes quando o Estatuto for cumprido”, afirmou.

A experiência de trabalho nas rádios locais despertaram-no para a importância do exercício de um jornalismo de proximidade, qual espírito irrequieto que se apazigua ao dar voz às histórias das gentes, a dar conta dos seus receios e derrotas, mas também das suas alegrias e vitórias. A vida tem outro sentido a ver e a perguntar, a querer saber, ouvir e informar, levando o microfone até ao último habitante da aldeia que resiste.

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