Helena Bandos, na sua casa em Abrantes, em abril de 2024. Foto: mediotejo.net

Maria Helena Moreira Bandos, professora de História aposentada e encenadora, já contou 85 primaveras, praticamente todas elas passadas em solo português, mas com a alma e o pensamento aromatizados pelos cheiros, cores e sabores de África e o coração povoado pelas memórias dos tempos em que corria alegre pela roça do seu pai, com os filhos dos trabalhadores, apanhando e saboreando fruta no mato.

Nasceu em Cabinda, na cidade de Lândana (que chegou a ser Guilherme Capelo, e voltou ao mesmo nome), e saiu desta província de Angola ainda muito jovem, para rumar à terra da família paterna. O pai, natural de Gandra, no distrito do Porto, e muito por vontade também da sua mãe (natural de Angola), acabou por levá-la no barco ‘Bragança’ até Portugal, numa viagem que durou uns longos 16 dias até atracar em Lisboa, para que pudesse estudar e ter mais oportunidades. Ali, um admirável mundo novo a esperava. Ainda que com menos liberdade.

Maria Helena Moreira Bandos, nascida e criada em que parte de Angola?
Fui criada numa roça que era do meu pai. A roça do Limano, porque tinha muitos limoeiros. Estive lá até aos 8 anos e depois fui para Luanda, para o Colégio de São José de Cluny. Entretanto vim para Portugal, para estudar, no ano de 1952. Tinha acabado de fazer 13 anos e vim para concluir a escola primária.

Helena Bandos, aos 7 anos, com o pai, na Roça do Limano, em Cabinda (Angola). O pai, português, foi para Angola com 17 anos para morar com um tio que era missionário em Angola e ali ficou a trabalhar até passar a administrar a sua roça, com negócio do café e das madeiras. Veio a falecer no princípio da Guerra Colonial. Foto: mediotejo.net

Para onde foi viver?
Fui para casa da minha tia, que era dos meus avós. O meu pai era de Gandra, no distrito do Porto. Depois fiquei num Colégio muito pequenino, muito pequenino mesmo, na aldeia de Beire, em Paredes. Uma espécie de patronato que recebia crianças pobres, sem pais… E eu era a única que pagava. Era muito interessante porque, como eu pagava, as Irmãs pensavam que eu tinha que ter privilégios e por isso comia numa sala sozinha, do pequeno-almoço ao jantar, dormia num quarto sozinha. Aquilo para mim era uma coisa horrível, porque sentia-me só.
Comer não comia. Podia ser o melhor petisco deste mundo, mas no fim de duas semanas as freiras mudaram-me para o refeitório. Separavam-me porque teimavam que, como eu pagava, não podia comer o mesmo que as outras. E era um tormento.
E dormir também não era fácil. Porque ainda por cima o quarto onde eu dormia tinha uma lenda: dizia-se que havia uma menina que se apaixonou pelo filho do caseiro e então os pais não queriam que ela se casasse com ele e meteram-na no Colégio, que anteriormente tinha sido um convento. Contava-se que ela aparecia, uma vez por mês – na Lua Cheia ou Lua Nova – e que teria ficado naquele quarto onde eu fiquei sozinha, e descia as escadas do sótão, abria a porta do quarto e depois passava pelos dormitórios e desaparecia. Vinha vestida de branco. Consegue-se imaginar… era um medo! Todas tínhamos medo. Foi um tormento. A certa altura até acho que a avistei de branco… Lá andei, andei, até que fui para o dormitório. Fui ganhando as minhas batalhas.

E o que lhe deixava mais saudades da sua terra natal?
As brincadeiras, o abacaxi. Saí de lá com 8/9 anos quando fui para Luanda. Tenho recordações muito vivas ainda. Eu levantava-me e a minha mãe obrigava-me a comer tapioca, eu detestava aquilo, e acabava a dar a uma miúda que andava sempre comigo. Comia a dela e a minha. E eu ia para o mato comer fruta. Sempre andei à solta. É a liberdade que depois é um bocadinho diferente quando vou para o Colégio. Só voltei a Cabinda em 2016, quando a minha filha Nanda lá esteve a trabalhar em Angola. Estive em Luanda e passei o Natal com os meus primos e resto da família em Cabinda, umas sessenta pessoas.

Helena com um amigo numa visita à terra natal e à roça do seu pai, em 1964. “O Governo oferecia viagens às pessoas das colónias para as trazer contentes. Ganhei a viagem e fui ver a minha mãe”. Encontra-se armada para proteção porque na altura já estava a eclodir a Guerra Colonial. Foto: mediotejo.net

Fez os estudos em colégios de freiras, portanto… e foi mais além.
Acabei a instrução primária, que era obrigatória para as mulheres, e fiz a terceira e quarta classe no mesmo ano e fiz exame de admissão. Entrei num Colégio em Guimarães onde estive até fazer o 5º ano. Foram anos muito bons. As pessoas costumam dizer muito mal dos colégios, mas eu não. Só tenho bem a dizer, porque mesmo sendo um colégio de freiras eu tinha liberdade. Eu não gostava de ir passar as férias a casa dos meus tios, porque a minha tia era muito conservadora, achava sempre tudo mal, se eu saía com os meus primos, achava que sair com rapazes era mau. Embora ela fosse minha amiga e me tratasse bem… Até porque vinha habituada de África, lá andava à vontade. Preferia passar as férias no colégio.
Mais tarde passei para outro Colégio em Braga, não gostei muito, mas fiz o 6º e o 7º ano. Depois iniciei a minha vida em Coimbra, onde estive sempre em casas particulares, porque apesar de ter concorrido não consegui aceder a residências, porque eram muito poucas. Fiz lá até ao 4º ano de licenciatura do curso de História e o 5º ano já fiz a trabalhar. Fui trabalhar para Moura, no Alentejo, onde estive um ano a dar aulas. No ano seguinte, 1966, vim para Abrantes, eu e o António Bandos, pois na altura namorávamos. E casámos em Abrantes e ficámos cá.
Conheci o António Bandos na universidade, fomos colegas de curso e da mesma turma. Ele era natural de Envendos, concelho de Mação.

Sempre quis ser professora?
Gostava de ter sido médica, mas o dinheiro era pouco e o curso de Medicina era mais longo. E eu também não era muito famosa a Matemática e a Física, e por isso fui tirar um curso mais fácil para mim. Se eu chegasse a uma altura em que já não tivesse recursos poderia ir trabalhar e frequentar o curso como aluno externo. E escolhi História. Também tive um professor muito bom que nos fez criar o gosto pela História, o Dr. Craveiro, da zona da Guarda, mas a dar aulas em Guimarães.

Abrantes surgiu como?
Qqando comecei a trabalhar na EICA – Escola Industrial e Comercial de Abrantes (Escola Secundária Nº 1 de Abrantes após o 25 de Abril, em 1993 passou a Escola Secundária Dr. Solano de Abreu). Nas escolas industriais e comerciais normalmente não faziam concursos a nível nacional, eram as escolas que contratavam os professores. Tanto para Moura, como para Abrantes, fui contratada pelos diretores. Ainda fiz um estágio em Santarém.
Estive um ano em Moura, a dar Português, gostei muito, mas era muito longe de tudo. Costumo dizer que foi o meu ano de exílio. Gostei mesmo de lá estar, tive uma relação muito agradável com os alunos, com os colegas e com o diretor, mas foi duro. Se eu pudesse arranjar lugar cá para cima era melhor. E como já tinha concorrido para cá no primeiro ano em que comecei a trabalhar, e na altura não tive vaga… Eu concorri para todas as escolas do país, eram 44 escolas que o país inteiro tinha. Havia 18 liceus, mas eu não concorri para os liceus.
No ano seguinte, estava eu a confirmar que ficava em Moura, quando recebo um telefonema de Abrantes em como tinha lugar. Pus logo o problema, pois tinha namorado, e estávamos a pensar casar brevemente, e perguntei se havia lugar para os dois –até porque em Moura tínhamos vagas. Garantiram que sim. Ele iria dar História, e eu ia dar Português. Fiquei cinco anos a dar esta disciplina, até que passei a dar História.
Ficámos os dois na Escola Industrial. Em 1967 casámos e fomos ficando. Quando abriu o Ciclo Preparatório, em 1969, o António Bandos foi dar aulas para o Ciclo e eu fiquei na EICA. Fizemos estágios, e ficámos. Eu ao fim de cinco anos fiquei efetiva e ele logo a seguir também. Pelo caminho formámos família, tivemos três filhos. Em 1967 nasce o Zé, em 1968 nasce a Nanda e em 1969 nasce a Edite.

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E como era o ensino e os alunos de Abrantes?
Os alunos eram muito bons. Às vezes acho piada quando me dizem que agora os alunos são maus, que são muito irrequietos, são mal criados… Foram sempre assim. Recordo-me que estive a fazer formação de professores e recolhemos vários exemplos dados por filósofos gregos sobre os discípulos. O Platão dizia que eram horríveis, o Aristóteles dizia a mesma coisa, outro dizia a mesma coisa. Distribuímos os documentos aos professores e não pusemos identificação do autor da frase. E os professores concordavam com o que estava escrito. No fim distribuímos o mesmo texto com identificação, e ficaram espantados. Por isso digo: mal dos jovens se não forem um bocadinho irrequietos e rebeldes. É sinal que está tudo estragado, o mundo fica virado do avesso se forem todos muito bonzinhos.
Eu sempre defendi que o respeito não se impõe. Não se conjuga com medo. Ou se respeita a pessoa, ou se tem medo. E nessa altura, quando comecei a dar aulas, os alunos tinham medo. Medo do diretor, medo de casa, porque se se portavam mal chegavam a casa e levavam, especialmente no ensino primário. E o professor primário batia, mas batia a sério, e tinha ordem dos pais e do Estado para bater. Por isso não me admiro que se portassem bem, não é!
Falamos até de certos instrumentos, como a menina dos cinco olhos (palmatória), a régua, a cana… havia sempre qualquer coisa que fazia com que se portassem bem. E quanto mais pobres, mais levavam. Eles eram forçados a portarem-se bem. Era o medo, não era o respeito.
Eu dizia aos meus alunos, quando iniciava um ano letivo, “no primeiro dia em que vos faltar ao respeito, vocês também faltam”.
O respeito, a responsabilidade que deve começar logo de pequenos. Ainda que eu preferisse dar aulas aos mais velhos, no ensino secundário. E às vezes são piores… mas felizmente não tenho razão de queixa de nenhum aluno, até porque não se atreviam. Acho piada que às vezes encontro alunos que dizem assim: “a gente só lhe via os dentes a partir do Carnaval”. Ainda tenho contacto de muitos antigos alunos, e quando faço anos, nesse dia, o Facebook está por minha conta! (risos)
Tive alunos muito bons e alunos mauzinhos. Quase sempre acabava por os resgatar, porque eu não gostava que eles ficassem para trás. Há aqueles que dizem que não gostam de História, mas eu acabava por tentar conquistá-los. A História faz falta.

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E porquê?
Quem sabe História, conhece o Mundo. Embora os programas da época fossem mais baseados nos grandes momentos da História de Portugal, os Descobrimentos, a Restauração, a Independência… Eu costumava dizer-lhes outros pormenores que não vinham nos livros, costumava desafiá-los. “Olhem, Portugal tornou-se independente em 1143. D. Afonso Henriques fez uma promessa ao Papa de lhe pagar 4 onças de ouro por ano… Sabem… nunca os pagou. Desgraçados dos filhos vão herdar aquela dívida e nós herdámos essa dívida também”. Estes detalhes não vinham nos livros, mas é interessante contar aos miúdos para os cativar.
E com os graúdos é importante debater os grandes temas da História. Há que debater, quando chegamos ao Estado Novo, especialmente. Temos que debater. É uma pena que, normalmente, quando se chega a essa parte da matéria nunca há tempo para o dar. Mas eu fazia sempre os possíveis para lá chegar. Se não tivesse tempo, os alunos trabalhavam os temas em trabalho de grupo e depois eram debatidos. Porque eu queria que eles, especialmente a partir do 25 de Abril, fossem capazes de comparar porque é que Portugal quando chega a 1974 tem à volta de 50% de analfabetos. Nessa altura fui a Casais de Revelhos, e 40 e tal por cento das mulheres não sabiam ler, porque não precisavam de saber ler. Precisavam só de saber contar, escrever o nome e pouco mais.
E também era importante saberem os alunos ao que as mulheres estavam submetidas. A mulher não podia ter conta no banco sozinha, tinha de ter autorização do marido. Não podia deslocar-se do país sem autorização do marido ou do pai. Não podia votar, só as mulheres que eram chefes de família ou eram licenciadas. E mesmo essas, dependia da vontade do marido.
Por exemplo, se a mulher fosse apanhada na altura a dar uma facada no matrimónio, o marido podia matá-la. Se a mulher lhe fosse infiel, o marido tinha o direito de a matar. Tinha todos os direitos sobre a mulher e sobre os filhos, enquanto estes não atingissem a maioridade. Estavam subjugados à vontade do pai. Estas coisas é que esta geração precisa de saber. E que não sabe.
Precisa de saber porque estamos a ver que a geração mais jovem é a que mais vota no Ventura, no Chega. E por isso era preciso os jovens perceberem o que está a ser posto em causa, como se vivia antes do 25 de Abril, o quão penalizador era viver no anterior regime de ditadura, sem liberdade de ser e de viver.

No seu caso, assistiu e sentiu na pele os dissabores dessas restrições a que a mulher estava sujeita.

Sim. Por exemplo, ir para o café? Uma mulher sozinha não entrava num café. Certa vez, estava muito calor, e vim cá abaixo ao centro da cidade para não estar metida em casa. Levei um livro e fui até ao café Pelicano. Cheguei lá e mandei vir uma imperial e um prato de tremoços. Todos os olhos pregaram-se em mim.
Nisto entra a mulher do Dr. Fontes, chegou-se ao pé de mim e perguntou se se podia sentar e apresentou-se. E pediu ao empregado também uma imperial. Foi um momento hilariante. As mentalidades eram muito pequenas. Mas em Coimbra, na faculdade, uma pessoa também não podia andar de braço dado ou mão dada com o namorado/a. Era um escândalo e vinha logo um professor fazer advertência. E ai daqueles que fossem apanhados a dar um beijo. Eram postos na rua.

E como foi começar a dar aulas, e exercer a profissão no Estado Novo? Sentia ainda assim mais respeito por ser professora?
O facto de ser licenciada levava a que fosse privilegiada, sim. E também nunca me acomodei, nunca foi a minha maneira de ser.
Quando dei aulas em Moura, tinha um diretor excecional, foi o melhor diretor que tive. Os outros também, mas aquele homem vivia a vida dos alunos. Porque no Alentejo, aquela gente era muito pobre. Muitas vezes bebiam café de manhã em casa, e não tinha mais nada. E por isso todos os alunos tinham almoços gratuitos na escola e muitas vezes até o lanche.
Eu passava lá muitos fins-de-semana, porque levava 9 horas de Moura a Coimbra, e dava aulas das 8h30 à segunda-feira e terminava às 13h30 de sábado. E então só ia a Coimbra quando era mesmo preciso. E o diretor achou que eu era jeitosinha para estar com os alunos e então abria a escola aos fins-de-semana, na zona do bar e do refeitório, e punha lá fruta, pão, queijo, coisas para se fazer sandes e punha música para eu estar com os alunos que quisessem vir passar a tarde à escola. E assim passava os meus fins-de-semana, e tinha quase sempre muitos alunos comigo.
E graças a isso, conseguimos organizar, entre outubro e dezembro, uma festa de duas horas, e acabámos por correr as outras escolas com o que preparámos. Tinha alunos que cantavam muito bem. Eu vinha do Coral de Letras da Universidade de Coimbra, tinha algumas canções dali. E fizemos uma peça de teatro, escrita pelos alunos e por mim. Foram momentos agradáveis em Moura. E, parecendo que não, isso despertou nos alunos também uma visão que era bom conviver.
Há um episódio que recordo, em que um miúdo vinha para a escola e apanhou uma laranja. O caseiro viu e foi entregá-lo à Guarda. Depois telefonaram para o diretor da escola, dizendo que tinham apanhado um miúdo a roubar laranjas. O diretor não fez mais nada: foi ter com o dono da quinta, comprou-lhe as laranjas todas. Levou as laranjas para a escola e os alunos tiveram laranjas aquele tempo todo em que duraram. Podiam ir buscar de manhã e à tarde.
Foi uma lição para os donos da quinta, para a Guarda e uma lição agradável para os miúdos. Era um homem que tudo o que fazia era para benefício dos alunos. Certamente nem todas as escolas seriam assim.

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Introduziu há pouco o tema das artes e da cultura, por via da festa organizada na escola de Moura. Fez parte do Coral de Letras da Universidade de Coimbra… foi ali que começou a ligação a este mundo e o gosto pelas artes?
Sim, pertenci ao Coral de Letras. Mas o gosto já vinha lá de trás, dos tempos do Colégio em Guimarães. Tínhamos atividades extracurriculares, e antigamente vinham companhias itinerantes fazer espetáculos, e havia lá peças de teatro no colégio. Mas nunca tive aquela vontade de ir fazer teatro… antes, tive sempre aquela vontade de pôr as pessoas a fazer, a atuar. E houve uma peça de teatro que me impressionou muito, da obra ‘Frei Luís de Sousa’, de Almeida Garrett. Nunca mais me esqueci. Aquela peça foi maravilhosa e gostei mesmo. Também tive um professor de Matemática que tinha estado no TEUC, grupo de teatro da Universidade de Coimbra.
E ele criou um grupo de arte de dizer, como ele chamou. Era para ler, estudar e dizer poesia. Ensinou-nos a trabalhar a poesia. A partir daí comecei a gostar de poesia. Quando fui para Coimbra não tive o impulso de integrar o teatro. Até porque como atriz acho que sou péssima. Não gosto, fico de tal maneira, até os professores que me fizeram formação quiseram-me pôr a fazer, diziam que correu bem, que estive fantástica, mas quando acabava estava cheia de febre, tal não era a camada de nervos. E depois lá disseram que eu não servia para isto. Numa brincadeira sou capaz de fazer qualquer coisa, mas ter a responsabilidade de ir para um palco encarar o público, é muito difícil. Em contrapartida, gosto de criar o espetáculo. Tive sempre muita tendência para isso. E o meu pai contribuiu muito, especialmente para a leitura.
Quando vim para cá, a primeira coisa que fez quando cheguei a Lisboa foi comprar-me uma máquina fotográfica. Eu chorava baba e ranho, sabendo que ia ficar sozinha. Ao pé dele nunca chorei, mas chorava à noite. Então lá fotografei Lisboa, tenho fotografias desde 1952, foi um entretém. Uns tempos depois, quando voltou para me visitar, comprou-me um rádio. E eu passava a vida a ouvir rádio, então nas férias…
E tanto é, que se der uma volta pela minha casa, tenho um rádio na cozinha, um rádio no quarto, uma aparelhagem na sala. Normalmente, quando me levanto a primeira coisa que faço é ligar o rádio.
Parti um pé em 1993, e passava a vida a ouvir rádio. Havia um dia que o Fernando Alves – adoro aquele homem! Sou fã! – tinha um programa de conversa com o público, em que as pessoas punham os seus problemas e depois discutiam. E o meu marido dizia assim: “Vá, já são horas de ouvires o meu rival…”
Gosto mesmo de ouvir rádio. E os jogos de futebol não gosto de ver na tv, gosto de ouvir o relato na rádio.

E o seu marido?
Normalmente era o homem que lia os jornais todos. A pessoa que sabia ler os jornais, discuti-los, era ele. Eu era mais extrovertida. Ele estava ali no cantinho, a ler o seu jornal. Tínhamos um cão pequeno, que se sentava no colo, e ali ficavam os dois.

Quanto ao teatro e ao papel de encenadora, quando ganha coragem e concretiza esse seu gosto?
Quando vim dar aulas para a EICA, logo no primeiro ano os alunos finalistas convidaram-me para fazer uma peça de teatro com eles. Fizemos “O Morgado de Fafe em Lisboa”, de Camilo Castelo Branco, e correu bem. Após um interregno, o diretor foi-me convidando e fomos fazendo pequenas peças de teatro e muito mais tarde é que o conselho diretivo, com o professor José Heleno e o Couceiro, convidaram-me para organizar um grupo de teatro na escola. E assim foi, entre 1988/1989. E até frequentei um curso com o Joaquim Benite, promovido pela Câmara Municipal, que também me motivou, dizendo que eu tinha jeito para encenar.
O Grupo de teatro da Escola durou 25 anos, maioritariamente composto com alunos. Houve ali um momento nas comemorações dos 50 anos da EICA, atual Escola Secundária Dr. Solano de Abreu, que participaram todos, desde alunos, professores, funcionários…

E é a partir deste grupo, e depois com a sua aposentação enquanto docente, que nasce o Grupo de Teatro Palha de Abrantes na cidade, ao qual até hoje se dedica, não é assim?
Sim, deste grupo da escola surge o Grupo de Teatro Palha de Abrantes, em 1998, com os alunos que queriam continuar a fazer teatro. O Professor Alves Jana convidou-me para formar este grupo, na altura ele estava na direção da Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural. Colocámos um anúncio e apareceram 30 interessados. Obviamente não ficaram todos, pois com o tempo uns acharam que era chato, outros deixaram de ter disponibilidade… e fiquei com sete elementos muito bons a que se juntaram os elementos do grupo de teatro da escola, totalizando cerca de 15 elementos no GTPA. A primeira peça que encenei foi “O Velho Ciumento”, de Miguel de Cervantes.

E ainda permanece no grupo, passados 25 anos de GTPA…
Sim. Ainda continuo. Fui presidente, depois noutra altura era o Luís Antunes, um antigo aluno, também o Artur Marques. Depois voltei a ser eu presidente e hoje a direção está entregue à São Fonseca. Fui-me sempre mantendo na encenação, embora já esteja a deixar o lugar em aberto. Neste momento tenho duas peças que vão ser retomadas em maio: “Nunca Nada de Ninguém”, de Luísa Costa Gomes, e o “Quotidiamo – isto não é uma história de amor”.

São já muitas gerações a passar por ali, pais, filhos e netos eventualmente.
Tem sido muito interessante. Pais e filhos sim, netos não sei se já apanhei algum. Tenho três atores profissionais, que tiraram o curso, vivem do teatro e nasceram do Grupo. De resto, são pessoas que me dão muito prazer em tê-los presentes e fazerem este trabalho e saber que estão a ter êxito. E é bom sentir o reconhecimento sobre o facto de os jovens saírem do GTPA bem preparados para o teatro profissional.

E há alguma nova peça que esteja a prever encenar?
Não sei se ainda vou encenar alguma peça. Não sei… Embora eu esteja sempre presente.

Mas considera que será fácil silenciar o bichinho da encenação e do teatro?
Não é… porque também há esta ligação com as pessoas. E quando estamos a encenar uma peça estamos a criar, a pegar naquilo que escreveram e muitas vezes a fazer nascer sentimentos, emoções, reações à plateia.

Dada esta sua queda para a área das artes e da cultura, no passado também foi sendo uma pessoa interventiva, socialmente ativa, juntamente com o seu marido? Ainda que num contexto mais restrito?

Não creio que tenha tido espírito revolucionário. Mas vontade de fazer alguma coisa, de tentar. De não me acomodar. Antes do 25 de Abril, não. Claro que tínhamos grupos mais restritos, fazíamos algumas tertúlias entre amigos, também frequentávamos o café Pelicano em Abrantes. Ainda no outro dia ouvia música do Zeca Afonso e me recordava de um grupo de professores cuja casa frequentávamos, ali perto do Entroncamento, onde íamos ouvir música do Zeca Afonso e outros. E lia-se em voz alta, cantava-se. E em Abrantes éramos um grupo de amigos, fazíamos uns lanchinhos e umas patuscadas. Falava-se de tudo, da situação do país, de literatura. Ouvia-se música, dizia-se poesia. Estava o Dr. Consciência, o José-Alberto Marques, entre outros. É uma casa cheia de memórias.

Mas tudo com cuidado redobrado, não?
Há dias dizia ao meu neto que a pior coisa que uma pessoa pode ter é a desconfiança nos outros. Por exemplo, eu tinha uma turma, mas não sabia com quem estava a lidar. Conhecia os alunos, mas no fundo não conhecia a família, e muitas vezes podia dizer uma frase qualquer que era mal entendida e interpretada… e eu não sei onde foi parar. Estava sempre sujeita a ser incomodada.
Como estudantes do Império, já em Coimbra, todos nós tínhamos ficha na PIDE, até porque andávamos muito juntos, e os de Angola encontravam-se todos numa República chamada o Kimbo dos Sobas. E bastava uma frase e a pessoa estava sujeita a ser interpelada pela PIDE.

Alguma vez foi abordada ou o seu marido?
A certa altura, já com Marcello Caetano no poder, no final dos anos 60, o meu marido foi chamado pelo meu vizinho, o Dr. Chambel, que pertencia à União Nacional – por sinal uma pessoa excecional – porque lhe tinham pedido para mandar informações minhas. Conhecia-nos muito bem e lá perguntou ao meu marido “Olhe lá, o que é que a sua mulher anda a fazer na escola? É que eu tenho aqui um pedido de informações dela”. E o meu marido lá disse que não sabia o que eu tinha feito, mas que de certeza absoluta que não tinha feito nenhuma revolução na escola. A partir daí passei a ter mais consciência sobre o sítio onde estava, no meio de quem, mesmo na sala de professores. Havia de facto todos estes cuidados que tínhamos de ter.

E na escola era a única professora de origem africana à época?
Sim, na escola era. Mas felizmente nunca tive mais nada, até porque tinha confiança do diretor na escola. Embora nesta altura fosse muito difícil gerir a situação, e tive alguns episódios interessantes.

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Quer contar-nos?
Tive um episódio, uma vez, numa aula em que falei sobre a menstruação na mulher e apareceu-me um pai, que quis falar comigo porque eu tinha tirado a inocência à sua filha. Porque a filha não tinha nada que saber destas coisas. Está claro que eu disparatei logo com ele. Mas havia sempre estes embates. De resto vivi sempre à vontade antes do 25 de Abril.
A minha casa, a partir de dado momento era vigiada, porque recebia sempre muitos alunos, desde o Jorge Lacão, o Estevão, era uma casa aberta e vinham muito para cá. E então era vigiada por que uma casa onde se juntavam alunos, na visão do regime, poderia significar alguma organização ou rebelião.
Mas esta casa sempre teve as portas abertas. Gosto muito de receber pessoas. Sinto-me feliz quando tenho a mesa cheia.

E após o 25 de Abril? Se até então diz que se sentiu sempre à vontade… com a revolução, o que mudou?
Como foi a minha vida depois do 25 de Abril… Ai! Foi muito bonita! (risos e suspiros)
Nós a partir de dado momento, em que o Marcello Caetano aparece com um ar muito preocupado, preocupadíssimo, esquisito, até disse para o meu marido ‘Olha, aquilo hoje não vem bem’. E eu achei que qualquer coisa estaria para rebentar. E de facto deu-se o 16 de Março de 1974, e lembro-me que nos juntámos na casa do Dr. Consciência, estivemos a jantar com toda a malta, a conversar, mas tentámos não fazer ondas.
E na véspera do 25 de Abril dei uma aula em que pensei mesmo que acabava presa. Era uma turma de ensino noturno, adultos, quase todos muito revoltados. E eu aproveitei a revolta deles e a matéria que estávamos a dar era propícia a isso, e fizemos uma aula de revolução.
No dia seguinte, de manhã, era sempre eu a primeira a levantar-me e a ir ao pão. Levantei-me, fui à praça e a senhora do pão chorava por todos os lados, não dizia coisa com coisa, até que diz que havia uma Revolução em Lisboa. Agarrei no pão e fui até casa, e disse ao meu marido para ligar o rádio.
E estava a dar uma música que levantou suspeitas, que não era normal passar. Fui vestir o meu filho no quarto, e começa a dar o Hino Nacional às 8h30. Toda eu fiquei arrepiada. Entretanto ouve-se falar nas Forças Armadas e que haveria uma revolução. Mas gerou-se uma grande angústia.
Fui dar aulas. Cheguei à escola e o diretor estava atrapalhado porque não sabia se mandava os alunos para casa. Eu lá o aconselhei a deixar os alunos ficarem na escola. Dei as minhas aulas. Nesse dia só me sentei à noite, até o almoço comi em pé. Todos nós estávamos intrigados sem saber para que lado a coisa se ia dar.
Às dez da noite, quando o Conselho de Revolução falou, o General Spínola, já sossegámos mais. Mas todo esse período foi um período de loucura.

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E em Abrantes, o que se notou?
As pessoas correram para as lojas, para os supermercados, açambarcaram comida. Caso de uma vizinha que levou sacas de arroz, caixas de óleo, açúcar, quase para dez anos. E o pão desaparecia, tínhamos que ir muito cedo porque as pessoas tinham medo do que poderia vir a acontecer.
De resto, foi uma loucura. A nossa ânsia de participar. Praticamente ninguém dava aulas, só se falava daquilo. Os alunos punham dúvidas e andavam eufóricos.
Por exemplo, até ao 25 de Abril, as raparigas tinham um pátio e os rapazes tinham outro pátio, e havia entradas diferentes por portas diferentes, com corredores distintos, porque nem aí se podiam encontrar. Nessa altura, um grupo de raparigas, entre as quais recordo a Ana Moreira, decidiu invadir o pátio dos rapazes pela primeira vez, perante a postura reticente do diretor, e a partir daí começou a existir convivência entre raparigas e rapazes, porque saltitavam entre os dois pátios. Só quando começam a sentir que têm liberdade é que as pessoas começam a manifestar-se. As mulheres aderiram muito bem à mudança. Os homens provavelmente ficaram mais reticentes.
Antes do 25 de Abril, as mulheres não podiam andar de calças. Nas escolas era proibido usar calças. Se se perguntar porquê, ninguém sabe dizer. Só em março de 1974 saiu um aviso do Ministério da Educação em como as raparigas podiam usar calças de outubro a abril por causa do frio. Saiu também um aviso, que foi lido nas aulas, que raparigas e rapazes só se podiam encontrar a mais de 150 metros da escola.
E quando começou a aparecer a mini-saia, uma vez na portaria da escola estava um funcionário com uma fita a medir as saias das meninas. Tinha de se usar saia abaixo do joelho.
Fui insistindo com os alunos para mudarem a mentalidade, para olharem para as raparigas com outros olhos e como pessoas com iguais direitos, tal como a igualdade entre cursos de indústria e de comércio, porque até aqui havia discriminações entre cursos.

Mas e no resto da cidade e do concelho, não se notaram movimentações?

No dia 25 de Abril de 1974 não houve movimentos em Abrantes, nem o mesmo entusiasmo que houve em Lisboa, com pessoas a sair para a rua… Não houve. A notícia chegou. Mas não houve grande coisa. Depois do 1º de Maio é que de facto as pessoas começam a aderir, ganharam um bocadinho mais de consciência, ficaram mais despertas.
Só a 1 de Maio de 1974 é que há a tal manifestação, que começa no Tramagal. Porque sempre comemoraram o 1º de Maio lá, porque era o Dia de São José Operário, e havia missa e havia festa dos trabalhadores.

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Na altura, quando chegam cá os operários, vindos de Tramagal, a reivindicar os direitos dos trabalhadores juntamente com sindicatos, as pessoas de Abrantes começam a aderir à passagem da manifestação. Acho que foi espontâneo. Juntámo-nos [Helena e António Bandos, entre outros professores] a eles, fomos para o Largo da Câmara, onde já estavam as entidades oficiais, o MFA. Quem filmou o vídeo, em que eu apareço com o António Bandos, foi o professor Carlos Madeira.

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Foi nesse dia que se verificou em Abrantes a adesão ao 25 de Abril, e depois foi-se até ao Quartel, ao Regimento de Infantaria, que abriu as portas às pessoas. Na varanda da Câmara ouviram-se alocuções e discursos de diversas personalidades, alusivos à liberdade, igualdade, fraternidade. E foi a partir daí que começou a notar-se alterações da vida social. Começámos a fazer sessões de esclarecimento nas aldeias, por iniciativa nossa, a falar dos direitos das mulheres e dos homens. Ainda não estávamos ligados a nenhum partido.
Lembro-me de ter ido à Chaminé, na Bemposta, fazer esclarecimentos. E passado uns tempos cruzo-me em Abrantes com uma senhora de lá que me bateu no ombro e perguntou se me lembrava dela. Lá me disse que tinha estado a assistir à sessão que eu tinha dado, e que disse que os homens vinham do trabalho e iam para a taberna e nós vínhamos do campo e íamos fazer a comida e buscar água à fonte. Dizia ela “Ai, abençoada. Então, o meu marido agora é que vai buscar a água. E quando diz alguma coisa, lembro-o do que nos disse ali”.

E quando passou a integrar um partido político?
Em julho de 1974 Mário Soares vem a Abrantes para o primeiro comício do Partido Socialista no Ribatejo, que decorreu no Cine-Teatro São Pedro. Passaram-me uns papéis para dar e fui assistir. E só em outubro é que aderi ao PS. Mas antes li todos os programas dos partidos existentes, do Partido Comunista ao CDS. E, de facto, aquele com que me identifiquei e cujos ideais me diziam algo foram os do PS. E ainda hoje permaneço ligada ao partido.

O que a cativou mais na altura entre esses ideais?
A luta pela igualdade entre homens e mulheres. O respeito pelo ser humano em si, porque podemos lutar pela igualdade mas não termos respeito pela humanidade. O respeito pelo trabalhador. Tudo o que estava ligado à ação política, ação social e especialmente, mas mesmo no cimo, a luta pela Liberdade: de pensamento, de expressão. Sem liberdade não somos ninguém. A liberdade, a igualdade, a fraternidade, sermos amigos uns dos outros. Sermos capazes de ajudar o outro sem querer nada das pessoas. Foram esses aspectos que o programa socialista contemplava – e ainda contempla, acho. Embora as coisas vão evoluindo, mas estes princípios são fundamentais.

E eis que a vida política entra na sua família, porque passam a fazer parte dos órgãos autárquicos.
Sim. O meu marido foi presidente da Assembleia Municipal de Abrantes durante 17 anos. Eu fui candidata a deputada da Assembleia Municipal, fui segunda secretária da mesa de Assembleia Municipal durante 8 anos. E atualmente, quando é preciso, estou presente.

António Bandos e Helena Bandos na manifestação do 1º de Maio de 1974 em Abrantes

E como foi conciliar este papel mais ativo na sociedade e na vida pública, no pós-25 de Abril, com a vida familiar e profissional?
Até nisso tive muita sorte. A minha mãe veio cá na altura, de Cabinda, em setembro de 1973. Esteve cá até voltar em 1978, porque gostava mais de África, queria estar com a minha avó e tinha frio. Mas tive cá quem me ficasse com os filhos durante aqueles anos, e então foi fazer sessões de esclarecimento, andar por todo o lado, tinha sempre a minha mãe disponível para os netos e era engraçado que nós, quase todas as noites, ou noite sim, noite não, tínhamos sessões. Íamos às terrinhas falar com as pessoas explicar o que se tinha dado, como devíamos encarar a partir daí a vida, que podíamos contar com uma vida melhor.
E foi. Começou a haver eletricidade, água canalizada, estradas como deve ser. Depois ocorreram as eleições para a Câmara Municipal, a 3 de janeiro de 1977, em que é eleito o Engenheiro Bioucas que lá esteve 12 anos, tendo sido o primeiro presidente eleito democraticamente.
Mas as eleições que mais gozo me deram fazer campanha, com Mário Soares, foram as Presidenciais de 1986, conhecidas como as mais disputadas de sempre e que levaram a uma segunda volta. Foi saber que estávamos a lutar contra uma Direita que se estava a impor. Embora eu gostasse do Freitas do Amaral, que não considerava fascista – já Cavaco Silva, sim.

Enquanto professora de História, mulher, cidadã ativa… torna-se imperativo ilustrar e explicar aos jovens tudo o que se passou naquela altura, recapitular o que se ganhou com o 25 de Abril e mostrar-lhes como se vivia no regime ditatorial?
Claro que sim. Na altura tínhamos os jovens do nosso lado, porque aquilo que na altura tínhamos conquistado, ainda estava muito quente e prematuro, ninguém estava disposto a perder.
Naqueles anos a seguir ao 25 de Abril, no período de Verão Quente em 1975, eu estava na praia e comprávamos não sei quantos jornais porque vivíamos angustiados, porque começam a existir atentados. Com sedes do PCP incendiadas. Já no 25 de Novembro de 1975, vieram oferecer armas. Só não tive armas cá em casa porque não quis, porque foram períodos conturbados em que aquilo que se conquistou ainda estava muito fresco. Tinha que se ter muito cuidado e estávamos com muito medo de uma guerra civil, quase rebentou por duas vezes.
Agora, esta malta não tem noção do que está em causa perdendo liberdade. Acham sempre que não é com eles, que não lhes toca e não lhes interessa.

Foto: mediotejo.net

Na sua opinião, perante o estado de coisas na política em Portugal, vistos os resultados das últimas eleições legislativas, teme um retrocesso ou os valores de Abril vão prevalecer?
Acho que ainda há muita gente que não vai deixar isto andar para trás. Só tenho medo da infiltração nas novas gerações. Problemas sempre os houve, seja na habitação, seja sobre as alterações climáticas. E eu considero que a luta pelo clima está a ser muito mal conduzida. As pessoas não estão a ser esclarecidas sobre a mudança climática. E depois há o puritanismo, que se está a instalar no país. As pessoas parece que estão a regredir, na mais pequena coisa, no mais natural e simples. A nível de teatro digo sempre que tudo o que é feito com dignidade e com beleza é legítimo.
Hoje as manifestações são mais corporativas. Os professores, os polícias, os médicos. Não são as classes mais baixas, o operário fabril… são as classes médias. Aquelas que têm esclarecimento. São pessoas que sentem que perderam muito e que não recuperaram nem metade. E depois, basta ter um líder capaz, mesmo que seja para a asneira, para que avancem e se manifestem nas ruas.

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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1 Comentário

  1. “(…) a pior coisa que uma pessoa pode ter é a desconfiança nos outros (…)”
    É isto mesmo!

    E devemos refletir sobre isto: Há 50 anos ganhamos a Liberdade, em 50 anos perdemos a Confiança. Ou, estarei enganado?

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