Vista da cidade a partir do castelo. Fotografia: CMA

Abrantes, ou Tubucci Aurantes, como a designavam os romanos, foi conquistada aos Mouros em 1148 e Dom Afonso Henriques doou o Castelo e o seu termo à Ordem de Santiago da Espada em 1173, tendo Abrantes recebido foral em 1179. Os reis D. João II e D. Manuel I viveram largos períodos no antigo Paço Real.

Foi agraciada com o título de “Notável” por ter sido, em 1641, a primeira terra portuguesa, além de Lisboa, a proclamar a independência de Espanha e a aclamar o rei D. João IV.

Há registos de que, no séc. XVI, era uma das maiores e mais populosas terras do Reino. Nessa altura tinha 3.436 habitantes e, dentro dos seus muros, existiam quatro conventos de ordens religiosas e 13 igrejas e capelas.

Devido à sua localização – num morro, junto ao rio e no centro do país –, Abrantes assumiu sempre um papel de primordial importância do ponto de vista militar.

No Panteão dos Almeida foram recentemente descobertos frescos do séc. XV por baixo de azulejos hispano-mouriscos. Fotografia: CMA

Em 1807 foi ocupada pelas tropas do General Junot, a quem Napoleão concedeu mesmo o título de “Duque de Abrantes”. Até aos nossos dias sobreviveram muitas influências dessa presença francesa e particularmente a expressão “tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”.

Isto porque Jean-Andoche Junot pensou que seria fácil fazer uma rápida progressão desde a fronteira de Espanha até Lisboa, seguindo a linha do Tejo, mas encontrou em Abrantes uma grande resistência, dificultando a progressão das tropas francesas. Além disso, os soldados de Napoleão estavam cansados e esfomeados. O impasse arrastou-se e Junot instalou ali o seu quartel-general, para repensar a sua estratégia.

Jean-Andoche Junot, num retrato de Henri Félix Philippoteaux (1813), em exposição no Palácio de Versalhes.

Entre o povo, na capital, quando alguém perguntava se havia novidades sobre os avanços das tropas estrangeiras, a resposta ia sendo esta – e, nesse “entretanto”, a corte portuguesa fugiu para o Brasil, pelo que quando Junot chegou a Lisboa, a 30 de novembro de 1807, encontrou um vazio de poder. 

A expressão ainda é hoje usada quando nos queremos referir a alguma coisa “que permanece sempre na mesma, sem alteração”, como registou Orlando Neves, no seu “Dicionário de Expressões Correntes” (Editorial Notícias).

O Tejo, que não facilitou a vida às tropas de Napoleão, foi fonte de riqueza para muitas gerações de abrantinos, ao longo dos séculos. Era a grande via de transporte do país, e sobretudo para abastecer a capital que, até às primeiras décadas do século XX era uma cidade onde ainda abundavam os muares, para alimentar os animais que carregavam as mercadorias pelas ruas de Lisboa.

“Como era necessário alimentar estes animais, um ‘combustível’ determinante era a palha. Ora, a partir dos portos do Tejo da nossa região, nomeadamente de Abrantes, seguiam varinos carregados de palha, destinados a satisfazer essas necessidades”, explica o historiador José Martinho Gaspar. 

O porto fluvial de Abrantes era conhecido como Porto das Barcas, designação que abrangia, na margem norte, uma faixa junto às Barreiras do Tejo e, na margem sul, uma outra faixa estreita mas profunda, junto ao atual Rossio ao Sul do Tejo, conhecida por Porto das Barcas de Além, denominação que surge num documento de finais do século XIV.

Os típicos ‘varinos’ do Tejo fizeram parte da paisagem (e da economia) da cidade até meados do século passado

Os varinos ou barcos d’água acima eram embarcações à vela, de porte médio, de 15 a 20 metros de comprimento, de baixo calado, o que facilitava a deslocação nas águas baixas do Tejo, mas com uma capacidade de carga que se podia aproximar das 40 toneladas. Eram varinos porque, além do leme, se recorria amiúde a uma vara para desviar o navio dos pontos mais críticos do rio, sendo também apelidados d’água acima por não passarem para lá da barra.

“Em meados do século XVI, existiam cerca de 180 varinos em Abrantes e muitas dezenas por aqui se mantiveram até às primeiras décadas do século XX”, lembra o historiador.

Estas embarcações transportavam azeite, cortiça e palha em direção a Lisboa, pelo que o estuário do Tejo, ao fim da tarde, com as águas cobertas pela palha levada pelo vento, e com o sol poente a dar-lhe tons dourados, ganhou o epíteto de “Mar da Palha”.

No centro histórico de Abrantes, o Largo Dr. Ramiro Guedes e a Praça Barão da Batalha eram conhecidos como Praça da Palha de Cima e Praça da Palha de Baixo, por ali se realizarem os mercados da palha que vinha do Alentejo para ser vendida em Lisboa.

Praça Raimundo Soares, em 1920

A forte adesão da população ao movimento republicano nos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX deu a Abrantes um papel importante na implantação da República e terá contribuído para a sua elevação a cidade, a 14 de junho de 1916.

Abrantes manteve sempre uma ligação muito forte ao mundo rural – os mais de 700 quilómetros quadrados do concelho compõem-se, até hoje, de vastas zonas agrárias – mas os seus últimos 100 anos foram marcados por um certo enamoramento pelo futuro, tendo sido sempre incentivada a indústria inovadora que, à época, se foi instalando à volta da cidade.

Vista do centro histórico de Abrantes. Fotografia: Nuno Caetano Pais

Foi o caso das grandes metalurgias, no Tramagal e Rossio ao Sul do Tejo, e, um pouco mais tarde, da indústria química da CUF, em Alferrarede, onde hoje se ergue o Tagus Valley, parque tecnológico de inovação e investigação.

Quando a vila passou a cidade, no Jornal de Abrantes escrevia-se que a modernidade há muito havia chegado a estas terras: “No hospital fazem-se operações que em Lisboa seriam reclamadas aos sete ventos da publicidade, tão hábeis são os seus operadores”, ou ainda que “o dr. Ramiro Guedes possui um laboratório químico que é um verdadeiro templo de ciência e de estudo”.

“A Cidade Imaginária”, escultura de Charters de Almeida, vista a partir dos Mourões, na margem sul do Tejo, Fotografia: Paulo Jorge de Sousa

Com mais ou menos progresso, por estas terras não faltava trabalho, mas a vida era dura para a maioria dos seus habitantes, sempre com os tostões bem contados. Talvez por isso valorizassem tanto os momentos de festa. 

Como recorda José Martinho Gaspar, na sede do concelho, além de algumas celebrações sazonais, com cariz mais ou menos religioso, e da feira anual de São Matias, com as suas muitas diversões, havia alguns “espectáculos de animatógrafo (cinema) e de bandas musicais, sobretudo a de Infantaria 2 (instalada em 1918), nas principais praças e no Jardim do Castelo”.

Também se faziam algumas touradas, mas sem grande adesão dos abrantinos, ao contrário do que sucedia em terras vizinhas, mais ligadas a Santarém. Já o foot-ball suscitou desde os primórdios da modalidade bastante entusiasmo. Foi em Abrantes que se abriu a filial nº 2 do Benfica: o Sport Lisboa e Abrantes, fundado a 10 de junho de 1916.

Vista parcial da cidade a partir do Aquapolis Sul. Fotografia: CMA

Por estes dias de junho volta a haver festa em Abrantes, como antes. O concerto do dia da cidade realiza-se na sexta-feira, 14 de junho, no Aquapolis – junto ao rio onde se espelha a cidade, ancorada nas tradições do passado e de asas abertas para o futuro.

*artigo atualizado, publicado originalmente a 14 de junho de 2022.

Sou diretora do jornal mediotejo.net, diretora editorial da Médio Tejo Edições e da chancela de livros Perspectiva. Sou jornalista profissional desde 1995 e tenho a felicidade de ter corrido mundo a fazer o que mais gosto, testemunhando momentos cruciais da história mundial. Fui grande-repórter da revista Visão e algumas da reportagens que escrevi foram premiadas a nível nacional e internacional. Mas a maior recompensa desta profissão será sempre a promessa contida em cada texto: a possibilidade de questionar, inquietar, surpreender, emocionar e, quem sabe, fazer a diferença. Cresci no Tramagal, terra onde aprendi as primeiras letras e os valores da fraternidade e da liberdade. Mantenho-me apaixonada pelo processo de descoberta, investigação e escrita de uma boa história. Gosto de plantar árvores e flores, sou mãe a dobrar e escrevi quatro livros.

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