A ausência de apoios ameaçou o negócio de Jorge Claro Foto: mediotejo.net

Na última semana, as redes sociais encheram-se de lamentos face ao encerramento iminente da loja de “multiserviços” de Jorge Claro, na zona alta de Torres Novas. Ao mediotejo.net, o sapateiro natural de Tomar admite que o segundo confinamento foi o golpe final num ano perdido e diz não ter encontrado quaisquer apoios a que pudesse recorrer. O espaço encerra no fim de fevereiro.

Com 53 anos, Jorge Claro esteve emigrado na Suíça, até que há 15 anos decidiu regressar a Portugal e abrir um negócio de “multiserviços” no Continente Modelo de Torres Novas. Há alguns anos trocou o espaço, com uma renda mais elevada, por uma loja na rua doutor José Marques. Apesar do “multiserviços” era conhecido pelos torrejanos pela sua função mais evidente – o sapateiro –, título que destaca na montra do seu negócio.

O mediotejo.net passou pela loja ao fim da tarde de quarta-feira, 17 de fevereiro. Jorge Claro estava muito atarefado. De um dia para o outro, com o anúncio do fecho da loja, choveram pedidos de todos os lados. Jorge, admite, está sensibilizado e agradecido pelo carinho dos clientes, mas a loja vai mesmo fechar no fim de fevereiro.

Este foi o culminar de um longo processo que começou em março, aquando o primeiro confinamento. “Desde o início da pandemia que o negócio começou a baixar um pouco. Acabaram as danceterias, os bailes, e não se estragam tanto os sapatos”, explicou. A falta de apoios para o seu tipo de negócio fez com que as contas se começassem a acumular, como a renda e a segurança social. Jorge foi aguentando, na esperança de que o novo ano trouxesse melhores perspetivas. Até que fecharam tudo de novo.

O sapateiro tem recebido muitas visitas de clientes que lamentam o anúncio do fecho do estabelecimento

Sobre (mais) este encerramento, Adelino Correia-Pires, alfarrabista na cidade, escreveu: “Leio que o Jorge Claro, o sapateiro de que toda a gente gosta, vai fechar. São já centenas as mensagens e partilhas solidárias. Merece, o Jorge. Conheço-o há muito. A corda estica e um dia parte. E o Jorge resolveu partir, apoiado pelos amigos que tem. Porque o mais importante é a saúde. Sempre a saúde. O resto logo se vê. Também já fechou o João, a Maria, o António, o Joaquim, a Luisa, a Vera, o Manuel, o Francisco. A florista, a cabeleireira, o café, a papelaria, a retrosaria, o outro, a outra, eu, tu, ele, nós, vós, eles. Quando ‘isto’ passar, os vivos vão ter saudade dos mortos, é certo. Mas os mortos-vivos, viverão como zombies procurando agulhas em palheiros, que arderam se não se apagarem os fogos em tempo útil. Percebo que só o perceba, quem não tem responsabilidades acrescidas. Quem, no dia X, tenha a sua conta creditada, aconteça o que acontecer. Mas o Jorge, e todos os Jorges deste país, têm outras contas para acertar. Haja saúde! E tempo para quando ‘isto’ passar, os que por cá ficarem, tenham onde romper meias solas.”

Apesar da tristeza que sente, Jorge Claro está decidido. “Falei com a família e expliquei a situação. Eles entenderam”, explica. “Todos os outros recebem, eu não tenho recebido nada. Porque hei-de continuar assim?”, reflete. Mesmo os apoios de que teve conhecimento, e de que eventualmente poderia beneficiar, reflete, estavam longe de compensar o prejuízo. Prefere assim apostar numa nova carreira, ainda em aberto. Jorge trabalha sozinho, pelo que não vai mandar ninguém para o desemprego.

“As pessoas vêm ter comigo, todos me dão razão”, reflete. “Gosto deste trabalho, é uma arte”, mas este foi um ano terrível, capaz de matar o mais belo dos sonhos. “Talvez um dia posso voltar a lidar com os meus clientes.”

Cláudia Gameiro

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

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