Andamos quilómetros e quilómetros, entre terra queimada, e não vemos vivalma na tarde de sábado, 24 de fevereiro, na freguesia do Troviscal, Sertã. Queremos uma informação e não temos a quem a pedir, naquela que é a aldeia sede da freguesia. Os poucos cafés que encontramos, por entre vales em tons de cinza, estão fechados. A rede de telemóvel escasseia quando tentamos ligar ao presidente de Junta, Manuel Figueiredo. Incomunicável.
Ao longe ouvimos o som de uma motosserra a trabalhar. É um dos poucos sinais de que alguém ainda mora por ali. E se é este despovoamento na aldeia que é sede de freguesia, o que será nas aldeolas em redor?
Fazemo-nos ao caminho e decidimos tocar à campainha de quem nos pode vir a ajudar a encontrar o caminho até à recôndita aldeia de Vale da Ameixoeira (Macieira), onde a tragédia bateu à porta de Alfredo Farinha e Maria Santos, um casal de idosos sem telefone fixo desde que o diabo andou por ali à solta, em forma de labaredas de fogo, no 15 de outubro de má memória.
O homem de 79 anos andou dois quilómetros a pé, numa noite fria, em busca de auxílio para a esposa, que caíra inanimada em casa. Sem iluminação pública, guiou-se com a ajuda de um graveto pela borda da valeta. Os vizinhos, Carlos e Isabel, acudiram-no. Mas, quando regressaram à habitação de Alfredo, já nada havia a fazer por Maria.

A estrada em terra batida, cheia de pedras e ramos, após a placa com o nome localidade, faz-me recuar e ir bater à porta de Helena Farinha, conhecida por “Helena da ponte”. Conta o que sabe, lamentando o sucedido. Uma tragédia anunciada para aquelas populações que, não bastando estarem isoladas, estão há quatro meses privadas de telefone fixo, entregues à sua sorte e à solidariedade dos vizinhos.

Helena Farinha esteve com Maria Santos naquele que seria o seu último dia em vida. A mulher, com cerca de 80 anos, mostrava-se bem e faladora, não obstante as maleitas normais de quem já tem muitas décadas de vida. Conta que esteve com o casal inclusive a experimentar o telemóvel que o idoso tinha, mas cuja vista o impedia de marcar os números. “Teve um AVC a 27 de dezembro e, nessa altura, foi a esposa que foi pedir auxílio aos vizinhos mais próximos. Ela conseguiu salvá-lo mas ele não a conseguiu salvar”, atesta Helena Farinha. “Ele só me dizia que não tinha a culpa, que não podia fazer mais do que fez”, recorda.
De semblante carregado, Carlos Alfaiate pára de cuidar da horta para recordar a aflição do vizinho quando o encontrou, às duas da madrugada, no exterior da sua habitação, a chorar. Dizia que a mulher estava morta. “Pediu para o acudirmos, liguei do meu telemóvel para a GNR e depois para o 112”, conta, recordando que já em 2013 estiveram meio ano sem telefones.

O habitante mostra os cabos queimados. A esposa, Isabel, mostra-se, por seu turno, revoltada com as notícias que ouve na televisão que dão conta do restabelecimento dos cabos. “Não é verdade… muita gente ainda não tem telefone”, refere.
De facto, no hall da entrada da casa de Helena Farinha, junto à Imagem de Nossa Senhora de Fátima, o telefone fixo está sem sinal de vida. É assim há quatro meses, afiançam. “Isto não se tolera”, diz ao mediotejo.net a habitante de Ribeirinha.
Lembra que onde os seus pais moravam, num local que era um beco sem saída, existia telefone, não entendendo porque é que não foi ainda reposto o serviço na sua casa. É que cartas para pagar… recebe-as todos os meses. “Já aqui tive um vizinho com uma marcação feita e esteve à espera que ligassem o telefone mas disseram não havia cabos. Não há fios de cobre, fibra ótica… não há nada”, desabafa.
Helena Farinha recorda o inferno que viveu a 15 de outubro de 2017, quando a memória ainda estava assombrada pelos incêndios de 2013. “Também ficamos sem telefones mas ao fim de pouco tempo ligaram-nos. Desta vez é que estão a demorar mais”, exaspera.

Em relação ao infortúnio que atingiu o seu casal de vizinhos, refere que se existisse telefone talvez Alfredo conseguisse salvar a esposa. Nunca se saberá. “Temos o direito de viver nas nossas casas. Ou não? Será que temos que ir viver para as cidades para ter telefone?”, questiona, acrescentando que mesmo para conseguir ligar através do telemóvel tem que andar “à caça” de rede.

Altice diz que 99,5% dos clientes afetados pelos incêndios já têm serviço
Após este caso ter sido tornado público, a Altice (que comprou a Portugal Telecom) esclareceu que 99,5% dos clientes afetados pelos incêndios tiveram os seus serviços repostos. Uma informação que deixa os habitantes revoltados. Em muitas aldeias por onde passámos, quase todas as pessoas dão a mesma resposta: não têm telefone fixo e não entendem porque estão a demorar tanto a repor o serviço, já que são portugueses como os do resto do País.
“A Altice Portugal lamenta que se utilize a dor familiar no sentido de a relacionar com uma situação de não existência de um serviço fixo (pese embora as várias tentativas de contacto da Altice Portugal com o cliente), quando se pode atestar a existência de rede móvel, voz e dados no local, o que demonstra de forma cabal que há um meio de comunicação completamente disponível e apto para uso da população desta localidade (aliás confirmado pelo próprio utilizador, que assume ter um telemóvel)”, sublinhou a nota da empresa.

A companhia referiu ainda que “a maioria das ligações que faltam efetuar se devem à incapacidade de chegar ao contacto com vários clientes destas zonas, por questões diversas, nomeadamente: habitações sazonais ou de fim de semana, clientes emigrados ou mesmo clientes que ainda não nos contactaram para aceitação do agendamento proposto com os serviços da Altice Portugal para reposição desse mesmo serviço”. A empresa também recordou que “não é sua responsabilidade a prestação do Serviço Universal de rede fixa”.