Torres Novas. Foto: Arlindo Homem

O processo de vacinação contra o COVID 19 em curso em todo o país é um processo complexo, de grande dimensão e com grandes necessidades de organização logística e humana. Sobre isto não restam dúvidas.

É impossível vacinar toda a gente num curto espaço de tempo. Entre vários outros motivos, também porque as vacinas vão chegando aos poucos.

A lista de prioridades tem a ver com dois aspectos fundamentais – proteger quem nos pode salvar e proteger os mais susceptíveis de não conseguir resistir à doença.

Todos e todas seremos vacinados, se assim o desejarmos, mas cada um na sua vez.

O que escrevi em cima parece-me óbvio e devia ser consenso geral. É uma grande tristeza chegarmos à conclusão que tem de existir normas escritas para tudo. Neste processo há comportamentos individuais muito condenáveis e tudo indica que também se registaram comportamentos pouco desejáveis na elaboração das listas para a vacinação. Como tem vindo a público várias entidades da Saúde estão a ser investigadas. Lamentável!

Em relação ao caso do vereador Carlos Ramos, de Torres Novas, tem sido avançado o argumento da “ausência de normas sobre a eventual sobra de vacinas”, inclusive pelo Presidente da Câmara.

Nunca pensei que fosse necessário existir uma norma escrita dizendo que não é bonito passar à frente de ninguém e outra norma dizendo que antes de aplicar as vacinas se devia garantir que todas seriam aplicadas segundo as prioridades, mesmo que para isso fosse preciso ir buscar pessoas a outros locais.

Nunca pensei que fosse preciso ir investigar (à posteriori) como foram elaboradas as listas de vacinação prioritárias, pois como tem vindo a público, parece que foram lá colocados nomes de pessoas que não deviam lá estar.

Compreendo e concordo que existam detentores de cargos políticos e de cargos públicos que devam ser vacinados para garantir o normal funcionamento das instituições democráticas, sendo divulgadas estas situações. Mas não aceito que um autarca tenha decidido em causa própria.

Não aceito que um vereador seja vacinado quando sabia que não era a sua vez. Num concelho como Torres Novas facilmente se chega de um local ao outro. Bastava seguir as prioridades e havia muita gente a chamar para que fosse vacinado com a “sobra”, evitando que fosse desperdiçada.

Todas as pessoas cometem erros e ninguém está livre de os cometer. Mas há que assumir os erros e dizer a verdade. E o vereador em causa não assumiu no momento e no local apropriado – a reunião de Câmara. Assumir o erro é também admitir que as condições para exercer o cargo de vereador estão em causa. A confiança foi ferida de morte neste caso. Ninguém deve ser condenado para toda a vida, mas isso não deve ser confundido com continuar a exercer o cargo como se não se tivesse passado nada.

Na reunião de Câmara Municipal do passado dia 9 de Fevereiro, apenas eu não sabia da vacinação do vereador Carlos Ramos. Tive conhecimento por mensagem privada após a minha primeira intervenção no PAOD onde abordei o processo de vacinação. Nem o próprio, nem o Presidente quiseram ali mesmo reagir. Lamento. O BE esperou que o PS viesse a público reagir à situação, o PS nada disse, e o BE pediu a demissão do vereador. Fê-lo em nome da transparência e da ética na política.

Lamento que a posição do PS, conhecida uma semana depois, embora condenando o sucedido não tire daí consequências. Eu sei que ninguém pode retirar o lugar de vereador a quem foi eleito, mas o PS pode retirar a confiança política e o Presidente da Câmara pode retirar os pelouros. Mas pelos vistos, muda-se algo (sai do pelouro da Protecção Civil) para que o resto continue igual.

Esta situação podia ter sido evitada? Podia, bastava que o vereador tivesse de imediato colocado o seu lugar à disposição.

PS – Ontem mesmo, demitiu-se o vereador da Protecção Civil da Câmara de Lisboa. Motivo: vacinação indevida. Reacção do Presidente da Câmara: aceitou de imediato a demissão.

Helena Pinto

Helena Pinto, vive na Meia Via, concelho de Torres Novas. Nasceu em 1959 e é Animadora Social. Foi deputada à Assembleia da República, pelo Bloco de Esquerda, de 2005 a 2015. Foi vereadora na Câmara de Torres Novas entre 2013 e 2021. Integrou a Comissão Independente para a Descentralização (2018-2019) criada pela Lei 58/2018 e nomeada pelo Presidente da Assembleia da República. Fundadora e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da associação Feministas em Movimento.
Escreve no mediotejo.net às quartas-feiras.

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