Foto: David Belém Pereira

António Pedro Santinho Mendes dispensa apresentações no mundo do desporto automóvel, até porque, a seguir ao quase octogenário pluricampeão, o nome da família foi mais além em diversas categorias e modalidades, com os filhos Vítor Hugo e José Manuel, e com o neto António. Numa altura em que está prestes a assinalar as suas Bodas de Ouro no automobilismo, na prova de Mação entre os dias 5 e 6 de setembro, o mediotejo.net foi conhecer um pouco mais o homem que agarrou com unhas e dentes volantes forrados de pergaminhos, arrecadando títulos como ninguém e espantando a velha guarda à época, entrando de rompante no top das principais provas nacionais e internacionais do desporto motorizado.

Recebeu-nos na empresa que está agora entregue aos filhos, e da sala de reuniões avista-se o Opel Astra amarelo do neto António, a fazer lembrar a promessa de cumprir com a estreia em ralicross na prova de Mação este fim-de-semana, ao passo que soprará as velas por 50 anos de carreira.

Conta todas as costelas alentejanas, sendo natural de Évora. Nasceu a 18 de outubro de 1940, mas foi apenas registado a 2 de dezembro. Curiosamente é a última data que nos indica, em entrevista.

Fez os estudos nos Salesianos até à 4ª classe, e “naquela altura a vida era muito complicada, muito difícil. Tempos de guerras. E eu fui crescendo, fazendo aquilo que calhava. Até que comecei a correr de bicicleta”, conta.

Da experiência salienta as corridas pelo Águias de Alpiarça, clube que o aproximou de Zélia, amor da sua vida e mãe dos seus filhos, alpiarcense.

“Fiz um Porto-Lisboa em 6º lugar. Não tem ideia do que é… agora não fazem. Era uma prova com mais de 300 km. Saíamos do Porto às 7 da manhã e chegávamos cerca das 18h00, sempre a pedalar. Era duro. Fiz essa prova”, aponta, rigoroso.

O espírito competitivo começou com o ciclismo, tendo participado nas corridas de iniciação regionais. Chegou a ser campeão regional em Évora. E recorda uma das provas finais, na Malveira, onde “por não conhecer” se despistou.

“As bicicletas acabaram por me trazer até à minha mulher. Vim para uma das melhores equipas que havia na altura, o Águias de Alpiarça. Corri nas categorias máximas, mas nunca fui um grande ciclista”, assume, referindo ter qualidades de sprinter, mas com fraca habilidade enquanto corredor de fundo. Fez duas Voltas a Portugal e na segunda desistiu.

O patriarca do clã Santinho Mendes recebeu o mediotejo.net na empresa da família para uma conversa em torno das memórias, histórias e feitos ao longo dos quase 80 anos de vida. Foto: David Belém Pereira

Aqui, passou a dedicar-se totalmente à profissão: mecânico. E eis que surge a oportunidade de ser experimentador de carros na Ford, cerca de 5 anos, em Santarém no Mendes Coelho.

Quis deixar de ser vendedor, e quis começar a representar uma marca. Lembra que, em Abrantes, a Citröen ficou para Luís Gomez. Santinho Mendes aceitou o convite da Datsun. Ficou a residir no Rossio, até adquirir a atual vivenda perto do centro histórico de Abrantes.

“Vendemos muitos carros [da Datsun]. Grande parte dos carros que ainda por aí existem, foram vendidos por mim”, dá conta, lembrando que a vinda para aqui muito se deveu à representação desta marca, com a qual ganhou o “bichinho das corridas”.

Passou do ciclismo para as quatro rodas, onde foi realmente feliz e onde o talento inato fez boas memórias e trilhou caminhos de vitória. A preparação física passava por fazer ciclismo e caminhar.

“Na altura não havia limite, nem capacete usávamos! Lembro-me por exemplo do Manuel Lopes Gião, que na competição levava um chapéu de palha na cabeça. Mas enfim, na minha primeira prova cheguei lá e fiz o segundo melhor tempo, porque o indivíduo que ganhou já tinha uma experiência enorme. Eu nunca tinha visto sequer o circuito”, menciona, indicando que a corrida que mais o marcou foi em Montes Claros, “uma prova que meteu 60 a 70 corredores”, e onde seguiu ao volante do Datsun 1200.

O Troféu Datsun foi algo que lhe deixou marcas profundas. “Quando começámos, os carros tinham que ser iguais. Lá dentro, não havia rigor muito grande. A gente tinha ou de se defender ou atacar. A gente amachucava os carros todos. Chegávamos a ser três e quatro a esgrimir a mesma curva”, e muitos capotaram. Hoje, garante, as regras são exigentes e estão bem como estão. “Os pilotos têm de ir bem preparados agora”, adverte.

No arquivo pessoal de Santinho Mendes, uma das centenas de fotografias que registaram para a posteridade os seus títulos desportivos. Foto: David Belém Pereira

Questionado sobre as amizades destas lides desportivas, afirma que travou muitas ainda que todos fossem “inimigos lá dentro”, nas provas. “Felizmente fiz muitos amigos, e alguns deles já abalaram…”, observa.

Os pilotos experientes ficavam embasbacados com as vitórias de Santinho Mendes, tanto que “nem acreditavam”, porque tinham carros “com muito mais cavalos”. Graças à “potência a mais” quando aceleravam o carro não se segurava. “Os Datsun andavam muito bem na terra e conseguíamos tirar o máximo partido do carro. Ganhei três Voltas a Portugal com o Datsun 1200”, indica.

Em Abrantes, recorda a participação de Luís Gomez no Troféu Datsun, mas que optou por não continuar, seguindo para os Fórmulas, algo que acabou por não correr bem porque era “uma complicação”.

Em Portalegre recorda Francisco Fino, e “a malta desde o Porto, Algarve, que apareciam e costumavam estar inscritos”.

Através das provas, ia-se conhecendo o país. “Quando não eram circuitos, eram rampas, mas fazíamos um pouco por todo o lado, à exceção do Algarve, onde não havia provas”, observa.

Já casado e a morar em Abrantes, dedicou-se aos negócios próprios. Cansou-se de ser experimentador e vendedor. “Tínhamos uma empresa, cerca de cinco sócios, com o Engenheiro Amadeu Soares Mendes, o Dr. Eurico Consciência, o Sr. Aperta. E eu. Acabei por ficar com a empresa, a Rossiauto, porque comprei as ações aos meus sócios. Quando acabou, veio a Gercar”, menciona.

Acontece que a Gercar, no Pego, era um projeto pensado e estudado tendo em conta a passagem da EN118 e a proximidade à EN2. “Era o melhor sítio para ter uma empresa. Depois de já ter a propriedade comprada e já estar lá a trabalhar, aparece a A23 do outro lado, e secou o negócio por completo. Foi um erro crasso… mas não havia nada a fazer”, diz, suspirando com lamento sobre uma fase mais complicada, e lembrando outros investimentos que foram perdendo ênfase, caso da construção do hotel Abrantur, perto da Central Termoelétrica, encerrado há mais de 10 anos porque ficou fora de rota.

Foto: DR

Negócios à parte, recorda o extenso currículo. Campeão desde a década de 70, nas modalidades de ralicross, rally, autocross e todo-o-terreno, venceu o Troféu Datsun 1200 (1971), foi Campeão Nacional de Velocidade 1300 (73/74), 1º classificado no Rally Volta a Portugal (1975), Campeão Nacional de Rallys Absolutos e 1º classificado no Rally Volta a Portugal (80/81), tendo sido também Campeão Nacional de Autocross entre 1986/87 e Campeão Nacional de TT (1997).

Corria o ano 1999 quando participou no famoso Paris-Dakar, e em 2000 foi considerado o melhor português na mesma prova. Foi aqui, no final dos anos 90 que começou a afastar-se da competição, nunca tendo abandonado oficialmente a pista, pois foi efetuando participações pontuais e especiais, inclusivamente em família.

Caso do 24 Horas de Fronteira de 2017, onde o clã Santinho Mendes se juntou com um projeto do patriarca, participando na prova as três gerações de campeões nacionais, algo inédito no país.

Este fim de semana, dias 5 e 6 de setembro, na Pista da Boavista, à entrada sul de Mação, vai festejar as Bodas de Ouro no mundo do desporto automóvel, num circuito especial para a família, com o Opel Astra com que o neto se sagrou campeão em ralicross. Esta será a estreia do patriarca António Pedro Santinho Mendes na modalidade, na quarta prova do Campeonato de Portugal de Ralicross/Kartcross/Super Buggy 2020.

O gosto pelo automobilismo foi passando de geração em geração, do próprio para os filhos, Vítor Hugo e José Manuel, e agora para o neto António, por quem se mostra especialmente orgulhoso. E nisto, antes que se esqueça, aponta logo que também tem um sobrinho “campeão”, referindo-se a Pedro Santinho Mendes, Campeão Nacional de SSV em 2018 e 2019. “É um leão do caraças, o gajo, pá!”, exclama.

Com os filhos, José Manuel e Vítor Hugo. Foto: DR

E nisto recorda que, por três vezes, quase venceu a Baja Portalegre, fundada pelo seu amigo José Megre, “uma referência para pilotos, organizadores, navegadores”.

“Não venci aquela prova, três vezes, por azar. A primeira vez fui com o meu Zé Manel, e vinha com uma hora de avanço. Tive uma rotura no tubo de gasolina, perto de Ponte de Sor… já se estava a fazer de noite e ainda andávamos no Vale de Açor. Podíamos ter acabado aquilo quase de dia, mas à frente encontrámos um homem de mota, sem luz, e viemos atrás dele a dar-lhe luz. A disputar uma prova ao cronómetro, e faço aquela asneira! Chegámos ao pé da Praça de Touros de Portalegre, estava o Miranda Calha e o Zé Megre a darem-me os parabéns. Vim para casa todo satisfeito. No outro dia levantei-me, encontrei no Rossio um rapaz que me disse que tinha perdido a prova por 2 minutos”, contou, acrescentando que tantas foram as corridas que terminou sem saber em que lugar estava na classificação ou se tinha ganho efetivamente. “Dependia muito também das penalizações de tempos, isso mexe muito com a grelha. Nesta vez um chegou com 2 minutos a menos… fiquei para trás”, refere.

Não só de Megre falou Santinho Mendes, lembrando muitos outros que lhe serviram de bússola, como Mário Silva, Joaquim Santos, Manuel Queiroz Pereira e Pedro Queiroz Pereira.

Voltando aos filhos, diz que, quando houve oportunidade, foram seus navegadores. Mas, admite, nunca conseguiu ser navegador de nenhum dos dois. Aliás, nunca foi navegador na vida. Diz que nunca experimentou por achar que não é capaz, e “ir ao lado” não o satisfaz. “Não sou eu que vou a guiar…”, atira, entre risos.

“Admiti sempre que os meus filhos fossem meus navegadores, mas nunca naveguei para eles. Tinham pouca experiência como navegadores, a determinada altura eu procurei um navegador com mais experiência. Mas estive para ganhar provas com os meus filhos como navegadores… não foram ganhas porque as coisas não corriam bem. Não era por que não tivéssemos andamento para ganhar. Basta perder 10 a 30 segundos, e é suficiente para perder uma prova”, refere. “Tive excelentes navegadores”, reconhece Santinho Mendes.

Afirma ser uma pessoa calma e tranquila, e entende que erros todos podem cometer. “Eu dentro do carro tinha muita calma, nunca me precipitava. E os navegadores que tinha eram preparados”, assumiu, referindo ser raro zangar-se.

Já a esposa, Zélia, empenhava-se na preparação da assistência e farnel, sempre muito reconhecido e afamado, onde acabavam todos os pilotos do lado a petiscar. Mas nunca se aproximou muito, até porque ficava sempre preocupada durante as provas, com medo que alguém se pudesse magoar.

De entre as experiências mais marcantes, lembra a dureza do Dakar, onde participou em 1999 e 2000, sendo que no primeiro desistiu.

“Para fazer um Dakar é preciso muito investimento, é muito difícil chegar lá com condições. É dispendioso, mesmo com bons patrocínios. E andar na frente é também muito difícil. As fábricas levam lá grandes pilotos, grandes assistências, e investem muito dinheiro naquilo… e nós, amadores, não temos hipótese nenhuma. É um processo difícil em todos os aspectos: para os mecânicos, para os pontos de assistência, é muito difícil para os carros porque a qualquer momento temos um furo ou necessidade de desenrascar”, conta.

Paris-Dakar-Cairo, em 2000. Foto: DR

António recorda a participação, onde ficou atascado. “Tive de dormir ao pé do carro. Foi uma prova muito complicada, o carro teve de lá ficar. Depois fui para Atar, a cidade onde a gente parava. O meu navegador Telles Fortes estava entusiasmado por um banho. Mas ao lá chegarmos o hotel não tinha portas, não tinha roupa de cama, apenas um lençol por cima. E eu, quando me preparei para tomar o duche, abri água, gelada àquela hora, e fazia assim “fzzzzzzzz”, um fiozinho de água. Eu estava tão sujo, tão sujo de areia, que o fio da água passava e deixava as marcas no corpo. Acabei por me deitar como estava e o navegador também… Foram dias horríveis”, diz, insistindo que a memória já não é o que era, e que é muito difícil contar já as histórias com todas peripécias que foi vivendo.

E eis que a memória prega das suas, e Santinho Mendes lembra que no regresso lhe roubaram as rodas e o capô do carro. Teve de se socorrer de um carro que tinha a mesma furação de roda, para conseguir empurrar o seu para cima da camioneta, com ajuda dos militares armados a quem pediu ajuda… a troco de uma pequena fortuna.

Em termos de momentos menos bons, puxa pela cabeça, e sem grande esforço recorda um acidente com Rui Cunha, num Rally de Portugal, seguindo nos primeiros dez.

“Em Arganil, uma coisa terrível, saltou-me a roda do lado direito, e eu estava a fazer curva para a direita. O carro seguiu em frente. E eu disse «Ó Rui, segura-te, que a gente vai fora…» e andámos uns 50 metros a descer, às cambalhotas. Não sabemos como aconteceu, mas o carro deu uma série de voltas e ficou na descida, em cima do mato, virado para cima. Olhei para o navegador, ele disse que estava bem, e lá lhe disse para nos pirarmos dali antes que o carro incendiasse”, lembrou.

Ali ficaram, a olhar para cima, e a pensar que nunca mais dali saíam. Os carros dos bombeiros andavam à procura do carro, passavam lá em cima e não os alcançavam.

“Conseguimos chegar lá acima, ao fim de uma hora ou mais, não faço ideia, e lá vem um carro e comunicou que ali estávamos. O carro… ficou lá. E foram os militares de Coimbra é que o foram puxar, pois eram os únicos que tinham um pronto-socorro com cabo suficiente para tirarem o carro. Depois os japoneses deram-me outro”, nota, risonho, indicando este como um dos sustos da carreira.

Uma das coisas que adquiriu com o tempo e a prática foi a experiência de detetar nos carros o que estava menos bem e que merecia correção. Algo que, reconhece, hoje em dia já acontece de forma diferente porque os carros estão mais evoluídos, há muita eletrónica envolvida e as próprias corridas assumem contornos diferentes de há décadas atrás.

“Eu fui experimentador. E a eletrónica dos carros não tinha nada a ver com o que acontece hoje. Na altura todos os carros que entravam na oficina eram experimentados por mim. Durante o dia, ao entrar e ao sair, o carro tinha de ser experimentado. Chegavam a ser 30, 40 e 50 carros por dia… Agora já nem há experimentadores!”, conta.

A atual realidade, que diz ir experimentar com o Opel Astra do neto António já na prova de Mação, é de tal maneira diferente que se sente seguro. Jura que não lhe causa nervosismo algum estar do lado de fora, porque quer “é que eles andem”.

Falando no António, que começou bem cedo nos karts e que já foi campeão nacional de Ralicross, tinha 17 anos, deixa transparecer emoção e orgulho, com os olhos plenos de brilho.

Com o neto António, e os filhos Vítor e José, na prova que juntou 3 gerações de campeões do desporto automóvel, o 24 Horas de Fronteira de 2017. Foto: DR

Reconhece o trabalho que o filho Vítor Hugo, pai de António, fez, mas lamenta que o neto não consiga ir mais além, não por falta de qualidade. “Estas coisas custam muito dinheiro, hoje um automóvel de corrida custa milhares e milhares de euros. Não é fácil ter um carro bom. Mas o António, desde os karts até agora… vê-se quando agarra aquele carro, vai-se embora, e os outros todos não têm hipótese. Tem muito potencial e ainda hoje me surpreende”, admite.

Para o decano o desporto automóvel continua marginalizado, como tantos outros desportos que ficam na sombra do desporto-rei, o futebol. “Não há apoios, e já no meu tempo isso se notava, o automobilismo começou a ganhar adeptos e interessados nas várias modalidades, desde o rally ao autocross. Mas, tal como hoje, não é desporto que mereça tanto destaque como o futebol”, afirma.

Diz que conselhos são escusados, pois o neto sabe bem o que faz. E sublinha o lamento, pois o neto tem capacidades e habilidades, mas para ter carro para ganhar, precisava de uma equipa por trás e um carro que custasse milhões. Mas o futuro dirá, até porque António Mendes seguiu outros voos. “Ele tem outros objetivos, agora está a voar”, lembrou o avô, pelo facto de António estar a fazer curso de piloto de aviação.

Aos 79 anos, mantém a nova rotina e vida que escolheu, juntamente com a esposa. Casados há 56 anos, optaram por comprar casa no Algarve há vários anos e é onde passam a maior parte do tempo, fazendo visitas pontuais a Abrantes. Dedicam-se aos amigos e à família, em especial aos netos: António, Ana Rita, Duarte e Francisca.

No Algarve, onde prefere estar porque “é mais fresco” e fez lá “amigos mais velhotes”, o patriarca Santinho Mendes dedica-se ao golfe, tendo inclusive alcançado título de Vice-campeão de seniores em 2002 e Campeão em 2003. O golfe já havia entrado na sua vida através do amigo Leal, de Abrantes. Iam para o campo de Marvão, antes de fechar. Entretanto, a partida de golfe surge como hobby e novo desporto predileto, o que mais prazer lhe dá, proporcionando encontro com amigos que fez a sul. Se o covid-19 não tivesse interferido, continuaria a fazer as suas partidas três vezes por semana, reunindo em almoços com os camaradas, que vão alternando com as comemorações de aniversários de uns e outros.

“Há mais de dez anos que jogamos todos juntos”, diz, admitindo que todos já conhecem o historial Santinho Mendes no mundo do desporto automóvel, embora “nunca fale nisso”. Uma questão de humildade.

O gosto pelo golfe, novo desporto favorito de Santinho Mendes na última década, já lhe valeu o título de vice-campeão e campeão de seniores. Entretanto perdeu o interesse na competição. Joga por gosto. Fotos: DR

Os troféus, esses, são já bibelots na sala de estar, na sua casa de Abrantes. Convida-nos a visitar a residência, e ali nos deparamos com uma parte da glória alcançada em tantos anos de vida desportiva. Quase se fundem com elementos decorativos, livros, loiças e estanhos. São tantos, que para Santinho Mendes é quase impossível apontá-los de cor, um a um. Mas as mãos vão, involuntariamente, buscar os mais significantes. Como a medalha de participação do Dakar. Ou a foto de quando se sagrou Campeão Nacional de Rallys em 1980/1981. E logo aponta as inúmeras taças de cristal, religiosamente guardadas na parte de trás do armário. Outras taças e troféus enchem a parte de cima.

“E temos muitos mais na sala de baixo, que ainda pensámos transformar em sala de inverno e colocar lá todos os troféus. Ainda não houve oportunidade… Fica para os filhos fazerem, se assim o entenderem…”, sugere.

As fotos já não são muitas na casa de Abrantes, porque foi levando “para baixo, para mostrar aos amigos”.

Na mesa da sala, um livro. Entre o tempo livre, Santinho Mendes também cultiva o saber. E depois da primeira vitória do Moto GP pelo jovem Miguel Oliveira, de quem se lembra de assistir no kartódromo de Abrantes, muito pequeno, fazer participação numa mota pequenina e onde chegou a comentar que “ele deita-se todo na mota, que mal se vê, ainda sai dali disparado”. Não aconteceu. Pelo contrário, surpreendeu o pluricampeão que venceu quase tudo o que havia para vencer nas categorias onde competiu. Por estes dias, dedicou-se a ler a biografia deste “grande jovem que já construiu uma grande carreira e é já um ícone do motociclismo português”.

E o entusiasmo passa muito por assistir a provas de motociclismo, porque a paciência já não é a mesma para assistir a rally ou TT. Só se for prova do neto ou do filho. Futebol vê na televisão, algo recente, mas não vai ao estádio. Não tem clube, mas diz pender mais para o Benfica.

“Agora quero é conviver com os amigos, estar com a malta da minha idade. Fazer uns almoços… o último desafio que fizemos entre todos foi, durante a quarentena, deixarmos crescer bigode e votar no mais bonito”, conta, entre sorrisos, mostrando que agora a vida é feita de serenidade e despreocupação. É como se um navegador a certa altura tivesse passado da indicação “fundo” para “menos”.

Santinho Mendes tomou controlo da vida, desacelerou e encostou. Pelo menos até ao próximo desafio lançado pelos filhos ou pelos netos, ciente de que “a idade tudo traz e tudo leva”.

Joana Rita Santos

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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