Neto do revolucionário torrejano Faustino Bretes, o pintor Luís Rodrigues nasceu há 67 anos numa Torres Novas “ainda vila”, que há muito deixou de reconhecer. Depois de quase uma vida em França, regressa agora à terra natal para apresentar a exposição “Return Home”. Patente até 6 de dezembro, no Mercado do Peixe, em Torres Novas.
O mediotejo.net foi conhecer o artista de que se fala em Torres Novas, autor com trabalho reconhecido a nível internacional, que se afirma inspirado pelos grandes poetas realistas portugueses. Pinta, por isso, o que está lá dentro, na essência do pintor, não tendo qualquer preocupação em agradar esteticamente o olhar do público. Os seus trabalhos são um ato contínuo: numa grande tela em branco, todos os dias pinta o que lhe vai na alma. Para no dia seguinte continuar, sobrepondo cores, em todo o tipo de materiais (alcatrão, ácidos, óleos de automóvel), até dar a obra por completa. O trabalho final mostra o complexo interior dentro de si. “Todo o complexo da nossa existência é o que me interessa. Ao trabalhar vem ao cima”, reflete.

Aos 18 anos, depois de frequentar a Escola Industrial em Torres Novas, parte para França, voltando a casa esporadicamente ao logo da vida, para visitas. Naquele tempo “pintava como hobbie, apesar da pintura ter sido sempre parte da minha maneira de existir”. Deu aulas na na Escola de Artes Plásticas de Savigny sur Orge, entre 1990 e 2008, realizando as suas primeiras exposições nacionais e internacionais nos anos 70 e 80. Passou por várias universidades europeias, de Bruxelas a Sofia, e expôs em vários países, da Argélia ao Canadá. Finalmente voltou. Porque “sou torrejano e quis fazer algo cá”, afirma, depois da atual equipa municipal o ter desafiado a vir expôr em terras ribatejanas.
“Só trabalho sobre coisas da existência”, frisa, comentando que, após um período criativo de mais de um década, esteve parado durante três anos. No seu “Return Home”, tem trabalhado sobre temas da sua infância, como os ciprestes de Torres Novas. “Sempre fui amante da poesia do final do século XIX, onde o tema da morte é integrado. No cipreste há uma certa conotação com a região. Era uma forma de voltar à terra”, divaga.
Luís Rodrigues não se reconhece como um homem triste, gosta inclusive de “gozar a vida”, mas admite ser um solitário, absorvendo tudo o que capta com o olhar. Afinal “a arte é universal”, refere, “mas o que conta é o olhar da pessoa. Não pinto para agradar”. Fala no “mistério das coisas”, na arte de pintar o que está dentro de si, “estilo diário”, sobrepondo cores todos os dias em grandes telas . “Começo a pintar às 9 horas e vou até às 3/4/5 horas da manhã. Às vezes não me deito”.
Não quer saber de técnica, masde sentimento. “A maioria das pessoas pinta o que gosta, eu pinto o que tenho”,afirma. Por isso, nos seus quadros coloca tudo o que tem, o passado e o presente que se misturam, o jovem que foi em Torres Novas e o adulto que é hoje em França. “Temos de ser honestos na arte”, defende.
Numa curta passagem por Torres Novas na primeira semana de Novembro, adiantou ao mediotejo.net que vai deixar cerca de duas centenas de trabalhos na localidade para que o Museu Municipal Carlos Reis possa criar um núcleo de arte contemporânea. Em 2016 tem já prevista uma exposição no centro cultural de Ormesson-sur-Marne, nos arredores de Paris, três exposições em Lisboa e uma em Cascais.

Confessa que todas as semanas vai ao Museu do Louvre, em Paris, mas não tem interesse em ver a “Mona Lisa”, que é apenas um “ícone” entre muitas obras de arte que também possuem grande valor. Critica a televisão e a imprensa cor-de-rosa, a qual evita, porque afirma passarem ao lado da verdadeira informação. É uma apaixonado pela cozinha, pela boa literatura, sobretudo dos grandes autores clássicos. “Com 12/13 anos, em vez de ir tomar banho no rio ia para o cedro no Castelo de Torres Novas ler um livro”, confessa. Foi aí que leu, recorda, a biografia completa de Thomas Edison. “Tudo isto formou-me”, completa.
Gosta de provocar no sentido positivo, da aprendizagem. “Gosto do controverso das coisas, do ser do contra”, revela. Talvez por isso os seus quadros sejam um apostolado de cor, de grande impacto visual, criando desconforto. Até porque “quando alguém me impõe regras, eu sei que tenho que fazer o contrário. É assim que a gente evolui”.