O luso-ucraniano Misha Shemliy, residente em Tomar, equaciona o retorno à pátria para defender a nação, se isso for necessário. Foto: mediotejo.net

Mykhaylo (Misha) Shemliy vive em Tomar desde os 7 anos com os seus pais, mas a Ucrânia será sempre a terra-mãe. Foi ali que nasceu há 22 anos e é ali que continua a viver toda a sua restante família. No dia em que a guerra se oficializou, com bombardeamentos da aviação russa em larga escala, o estudante do Instituto Politécnico de Tomar diz ao mediotejo.net que estes ataques “não foram uma surpresa” e que representam “uma ameaça para toda a Europa”. Misha pondera agora, tal como vários dos seus amigos luso-ucranianos, “regressar para defender a nação”.

Tal como sucedeu com a maioria dos portuguesa, Misha Shemliy acordou com a notícia que ninguém queria ler: “A guerra começou.”

Mas não foi apanhado de surpresa, nem nenhum dos seus amigos ucranianos a residir em Portugal. “Já estávamos à espera. Há oito anos que andamos nesta história, numa guerra que nunca foi considerada ‘guerra’ pelos países europeus e pela NATO, e pelas outras organizações internacionais. Foi sempre uma ‘escalada’, um ‘conflito’, mesmo quando tivemos a Crimeia anexada, e depois a guerra no Donbass, com os separatistas russos – verdadeiros mercenários e terroristas, que estiveram naquela zona”, diz este luso-ucraniano, que foi o cabeça de lista pelo distrito de Santarém pelo partido Volt, nas Autárquicas de 2021.

Referindo que mantém algum contacto com o Ministério da Defesa da Ucrânia, Misha Shemliy tem estado a seguir os desenvolvimentos do conflito quase minuto a minuto. “Estávamos bem preparados, estávamos à espera deste conflito e desta invasão, e de facto a resposta que estamos a dar neste momento nas fronteiras ucraniano-russas são boas, não estamos a permitir que o inimigo entre. Mas os bombardeamentos são inevitáveis, estamos a poucos quilómetros da Rússia, portanto eles irão continuar a bombardear as bases militares, os aeródromos, os aeroportos, os pontos estratégicos da Ucrânia. Mas em termos de invasão por terra, estamos a controlar neste momento, embora nalgumas zonas seja bastante complicado”, refere ao mediotejo.net.

ÁUDIO | Mykhaylo (Misha) Shemliy sobre a possibilidade de retornar à Ucrânia para “defender a nação”

Os contactos com colegas e amigos ucranianos que estão em Portugal, e também noutros países da Europa, têm-se multiplicado e todos são congruentes: pesa a tristeza com a notícia que receberam esta manhã. Mas o sentido patriótico parece imperar.  “Muitos amigos meus estão a ponderar a ida para a Ucrânia para defender, se for necessário, a nação. Vamos ver como correrá este primeiro dia e, se calhar, amanhã. Se [a situação] agravar muito, eu próprio estou a ponderar fazer a viagem e ir defender a nação”, afirma Misha Shemliy.

Misha Shemliy é um dos fundadores do Volt, um partido europeísta que se implantou em Portugal a partir de Tomar. Créditos: DR

Como antecipa um possível desfecho para esta situação? Acha que se houver uma oposição forte, a Rússia vai acabar por recuar?
Aconselho a todos, antes de mais, a lerem as declarações de Putin que foram publicadas esta madrugada, onde claramente é dito que a Rússia não irá dar um passo atrás. Ou seja, tudo aquilo que falamos, e até aquilo que o sr. ministro António Costa referiu hoje, da importância da diplomacia e de se continuar as relações diplomáticas com a Rússia em Portugal, basta ouvir as declarações de Putin onde ele diz que a Ucrânia é um país neo-nazi e o mundo civilizado – que ele não considera civilizado, que é a Europa, a União Europeia e os Estados Unidos – são todos fascistas e um perigo para a Rússia. Todos nós sabemos que é ao contrário e é por isso que ele vai entrar na Ucrânia, a pedido das pseudo-repúblicas de Lugansk e Donetsk, para as proteger e para desmilitarizar e “desnazificar” a Ucrânia inteira, ou seja, aquilo vai ser uma invasão total e, antes ou depois – em princípio iremos aguentar o tempo que for preciso, temos uma força militar enorme, temos um exército bem preparado, bem estruturado, bem equipado, os nossos colegas ocidentais têm-nos dado muito equipamento inovador. Mas se a Rússia entrar com mais intensidade e com uma artilharia maior a atingir civis, a situação poderá agravar-se, claramente, e poderá ter consequências trágicas.

ÁUDIO | Análise de Mykhaylo (Misha) Shemliy à situação da invasão da Ucrânia pela Rússia

Tem amigos e familiares na Ucrânia. Como têm vivido e sentido esta situação no terreno?
Sim, tenho família, tenho muitos amigos, tenho um amigo que acordou com o barulho da artilharia, das bombas, dos rockets que bateram nos aeródromos de Kiev. A minha família toda, sem contar com os meus pais, está na Ucrânia, na cidade de Lviv. Temos sorte porque é uma cidade perto da Polónia e que não está sob grande ação de bombardeamentos. É óbvio que as pessoas tendem a entrar em pânico, que acho que é uma atitude normal, embora ache que o trabalho do Estado tem sido feito da melhor maneira, de forma a prevenir o pânico, garantindo que está por enquanto tudo controlado, e a atualizar e a informar a população do que se está a passar na fronteira, ou seja, neste momento eu diria que 70% estamos fora de pânico, estamos a aguardar, a prepararmo-nos, a assumir aquilo que está a acontecer de forma “passiva”. Mas o pânico também tem a sua parte em várias cidades. Bastantes pessoas estão a sair de Kiev, há muitos engarrafamentos, muitas pessoas nas filas dos supermercados, algo parecido se calhar com o que vivenciámos no início do Covid, em que as pessoas iam ao supermercado e compravam tudo e mais alguma coisa, porque pensavam que não iriam ter nada nos supermercados. Já há falta de gasóleo e de gasolina, porque as pessoas vão e enchem depósitos, mas tem sido controlado. Há uma mistura de pânico e tranquilidade, com o assumir da situação que se está a vivenciar.

Rafael Ascensão

Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Jornalismo. Natural de Praia do Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, mas com raízes e ligações beirãs, adora a escrita e o jornalismo.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *