Miguel Abreu morreu este domingo em Maputo, vítima de covid-19 Créditos: DR

Um novo dia começava a nascer em Maputo quando o coração de Miguel Abreu parou de bater, no hospital da capital moçambicana onde se encontrava internado há três dias, na sequência de complicações respiratórias provocadas pela covid-19. Tinha 48 anos. O seu corpo será cremado em Moçambique na próxima quarta-feira, sem cerimónias fúnebres, tal como era seu desejo, informou a família.

Com raízes em Coimbra, Miguel Abreu cresceu e estudou em Abrantes, onde os pais foram professores. A mãe, Glória, continuou sempre a viver na cidade, e foi do pai, engenheiro Mingocho de Abreu, fundador da Escola Profissional de Agricultura de Abrantes (atual EPDRA), que herdou a paixão por Moçambique. Mingocho de Abreu foi convidado para ser consultor do governo moçambicano na área do ensino agrícola no final dos anos 90, e o que seria uma “missão” de três meses acabou por prolongar-se por 15 anos. Havia sempre mais uma escola para ajudar a criar e, quando regressou a Portugal, em 2018, deixou em funcionamento mais de 90 escolas “gémeas” da escola agrícola de Abrantes. Deixou também um filho, porque Miguel depressa foi estendendo os períodos de visita, e acabou por fixar-se no país em 2013.

Engenheiro mecânico de formação, decidiu mudar radicalmente de vida depois de 15 anos como alto quadro de uma multinacional, em Abrantes, acumulando funções de grande responsabilidade e vivendo sob muita pressão. Um dia, depois de ter reparado que saíra de casa com “um sapato de cada nação”, sentiu-se mal e recebeu um aviso sério do médico: tinha a tensão arterial a 21, com apenas 40 anos. Se quisesse viver mais alguns anos, talvez fosse melhor mudar  de caminho.

Despediu-se sem hesitar. Não tinha planos de futuro mas depressa agarrou com um amigo numa empresa de exportação de azeites e vinhos portugueses e, em dois tempos, já estava a fazer negócios com Moçambique. Ficar no país acabou ser a evolução natural. Numa entrevista à revista Visão, em 2015, haveria de reconhecer que continuava a haver stress na sua vida, mas nada como antes. Para começar, dizia, abrindo um dos seus grandes sorrisos, “agora posso trabalhar de calções e chinelos”.

E depois havia aquele mar a dois passos, uma das grandes paixões da sua vida. Foi surfista desde a adolescência, e por uma boa onda era capaz de ir “num salto” à África do Sul, guiando mais de 10 ou 12 horas para ter uma ou duas horas de boa adrenalina.

Em Maputo acabou por comprar em sociedade uma empresa de distribuição, a OW Internationalbrands, que detinha a empresa moçambicana Água Montemor, e passou a ser o seu diretor operacional.

Apesar de estar em Moçambique há quase 8 anos, visitava Abrantes com frequência e a notícia da sua morte deixou em choque muitos dos amigos que com ele cresceram. Era um homem de bem com o mundo, de olhar limpo, gargalhada franca e abraço forte, e será por todos recordado como alguém que se atirou à vida com a mesma audácia com que enfrentava as mais majestosas ondas.

Patrícia Fonseca

Sou diretora do jornal mediotejo.net e da revista Ponto, e diretora editorial da Médio Tejo Edições / Origami Livros. Sou jornalista profissional desde 1995 e tenho a felicidade de ter corrido mundo a fazer o que mais gosto, testemunhando momentos cruciais da história mundial. Fui grande-repórter da revista Visão e algumas da reportagens que escrevi foram premiadas a nível nacional e internacional. Mas a maior recompensa desta profissão será sempre a promessa contida em cada texto: a possibilidade de questionar, inquietar, surpreender, emocionar e, quem sabe, fazer a diferença. Cresci no Tramagal, terra onde aprendi as primeiras letras e os valores da fraternidade e da liberdade. Mantenho-me apaixonada pelo processo de descoberta, investigação e escrita de uma boa história. Gosto de plantar árvores e flores, sou mãe a dobrar e escrevi quatro livros.

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4 Comentários

  1. Para uma pessoa que considero, muito sinceramente, o Engº José Mingocho de Abreu que há bastante tempo conheço, para sua Esposa D. Glória e seus filhos, as minhas condolências pelo triste acontecimento que os deixa completamente desolados e arrasados. Acompanho-os na dor pois bem sei o que é ver partir alguém, que é nosso, à nossa frente. Um abraço, sentido, do Ferreira da Costa

  2. Amigo Prof Abreu

    Conhecemo-nos nos anos de 75/76 na tertúlia do Cabrito, da qual ambos fizemos parte.
    Pela nobreza do seu caráter, foi fácil considerá-lo.
    Não o vejo há muitos anos, mas nunca me esqueci do Professor Abreu.
    Ao saber da triste noticia do falecimento do seu filho, no auge da idade, não posso deixar de lhe mandar o meu abraço de condolências e solidariedade, pôr tão grande dor.
    Carlos Tropa

  3. Apaixonado e viciado no Land Rover tradicional. Foi assim que nos conhecemos e nos tornamos amigos como a água e o peixe. Fácil, de paz, de valores, e simples bom amigo.
    Acredito que Deus permitiu a sua partida para uma melhor morada.

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