Pedro Frazão, proprietário, é o cozinheiro de O Malho. Gestão e serviço do restaurante está concentrada na família Foto: mediotejo.net

O restaurante “O Malho” é a imagem de uma família que se fez a ela própria. Da tasca que servia marisco a restaurante de elite, continuamente premiado pelo Guia Michelin, “O Malho” é a prova que para haver sucesso não é preciso berço e que o trabalho e o esforço também nos definem. No interior de Alcanena, o espaço com decoração de características rústicas esconde um gosto pela arte, partilhada com senso e bom gosto. Na ementa o Chefe enumera as açordas e a contínua aposta no peixe fresco. Uma breve passagem por um dos restaurantes da região que continua a marcar a restauração em Portugal.

Na edição de 2019 do mais conceituado guia gastronómico não há estrelas no Médio Tejo, mas o restaurante “O Malho”, em Alcanena, recebeu pelo segundo ano consecutivo um “Bib Gourmand”, uma distinção para “refeições extraordinárias” em locais onde o preço médio não ultrapasse os 30 euros. Na história de “O Malho” há um percurso que completou 35 anos, feito de forma autodidata pelos seus protagonistas.

O restaurante com um exterior em amarelo torrado é facilmente identificado por quem atravessa a aldeia de Malhou pela estrada principal, sede da antiga freguesia com o mesmo nome. Logo à entrada, sobressai o castanho da decoração rústica clássica, a pedra tosca e o mármore, o vidro e as molduras antigas elaboradas, em tons de dourado, de grandes pinturas. Todo o hall de entrada imprime uma imagem do conforto tradicional das casas nobres do campo.

“O Malho” situa-se no centro da aldeia de Malhou, concelho de Alcanena Foto: mediotejo.net

Uma antiga arca de salgadura expõe uma corvina gigante. Junto à entrada, um velho móvel de vitrina exibe uma coleção de enciclopédias e livros de culinária. Há um bar e um quadro pitoresco que nos chama a atenção. “Chama-se «Cozinha do Abade», é uma sátira. Pareceu-nos um tema adequado”, explica posteriormente um dos proprietários, e cozinheiro, de “O Malho”, Pedro Frazão.

O grande quadro que figura no hall de entrada do restaurante retrata uma jovem camponesa a depenar um frango, enquanto o abade espreita pela porta da cozinha com um livro aberto nas mãos, como se citasse algo. A imagem naturalista faz o registo de um momento característico da ruralidade portuguesa, ao jeito queirosiano. O mesmo estilo que se encontra desde a estátua de um São Francisco sem mãos, a alguns quadros que saltam do realismo dos fins do século XIX para o modernismo do século XX.

O espaço do restaurante “O Malho” suscita assim quase tanto interesse como a própria comida. Chegamos perto da hora do almoço e Pedro Frazão não esconde o dia atarefado. A breve conversa que conseguimos realizar é várias vezes interrompida, com clientes a pedir reservas ou assuntos a tratar na cozinha. No entretanto percorremos as salas decoradas a gosto, acompanhados pela matriarca da família Frazão, que vai narrando algumas particularidades do espaço e da própria história da família.

Para além da comida, o próprio espaço do restaurante é motivo de interesse, com uma decoração rústica elegante e concretizada com bom gosto Foto: mediotejo.net

“Começou com uma pequena tasca, um pequeno café, a servir umas refeições”, explica Pedro Frazão, que nos concede a entrevista. “Não se cozinhava como se cozinha hoje”, recorda, na altura um jovem com 19 anos. A oferta tinha algum enfoque no marisco e a clientela foi sendo cada vez mais exigente. Em breve aperceberam-se que a casa estava continuamente cheia e o pequeno negócio ganhou condições para, há 25 anos, abrirem o atual restaurante, com o mesmo nome e a mesma equipa familiar. “Foi a exigência que nos fez progredir”, afirma repetidamente, “nunca descurámos a qualidade”.

O discurso é centrado num princípio de mérito pelo trabalho e dedicação a um produto do esforço da família e uma reputação que se quer manter viva, fechando os olhos à ambição desmedida. A família Frazão vem de uma linhagem de comerciantes, ligados aos cereais e ao azeite, “pessoas que toda a vida trabalharam muito”. Apesar de patrão, é Pedro Frazão quem chefia a cozinha, seguindo as pisadas do pai. “Com o meu pai aprendi sobretudo a exigência”, comenta, salientando a postura meticulosa do progenitor em relação ao trabalho. Ainda hoje, “é sempre o mais exigente da casa”.

A aposta continua centrada na cozinha tradicional portuguesa, com enfoque no peixe fresco. Todos os produtos, frisa, são frescos, sendo o peixe do mar e não de aquacultura, não obstante o preço ser mediano e bastante acessível. É um princípio da casa, sublinha, embora venha a sair-lhe do lucro. Em meio rural, Pedro Frazão sabe que há limites na subida do preçário, mas prefere reduzir a margem que perder a qualidade associada ao restaurante e a um histórico de mais de 30 anos de boa cozinha.

Uma antiga arca expõe uma impressionante corvina. Aposta é no peixe pescado no mar e não de aquacultura Foto: mediotejo.net

Pelo restaurante, constata, já passou boa parte da elite empresarial da região, artistas e da política nacional, “pessoas interessantes”, comenta, sendo bastante discreta a fotografia na parede do ex-presidente Jorge Sampaio. Outros poderiam figurar, mas a família não gosta de dar destaque. Há um livro de assinaturas, mas mantém-se reservado para a casa.

Pedro Frazão considera-se um “autodidata” que estudou toda a vida. Inicialmente a trabalhar tanto na cozinha como na sala, confessa que o foco no mundo da cozinha, a servir algumas centenas de pessoas foi um “choque”, uma grande responsabilidade. A presença no guia Michelin não foi procurada, salienta, simplesmente um dia começaram a surgir referenciados.

“Não fiquei surpreendido” com a distinção “Bib Gourmand”, admite, “porque estava consciente que os preços não eram elevados e a qualidade era boa”. Mas Pedro Frazão afirma que não quer ganhar uma estrela Michelin. “Não tenho interesse nenhum nisso”, refere, uma vez que não tem formação académica e teria que aumentar o preçário. “Acabei por apanhar um prémio a nível ibérico, mas por acaso. Porque coincide com o trabalho que ando a fazer há muitos anos”, reflete. Mas reconhece que a presença no guia gastronómico tem chamado clientela, nomeadamente de Lisboa e do norte do país.

Pedro Frazão (à direita) é o cozinheiro e gerente com o irmão (à esquerda) de “O Malho”. A casa era originalmente um pequeno espaço gerido pelos pais (ao centro)

A decoração, admite, é trabalhada por si e pelo irmão, que se encarrega da sala de refeições. A família é apreciadora de arte e no restaurante está exposta parte da coleção. O gosto centra-se na arte moderna portuguesa, como explica dando conta da autoria de vários quadros expostos.

Saímos já com clientes a sentar-se para almoçar. Pedro Frazão enumera a grande variedade de açordas que a casa oferece, pratos que tendem a captar a atenção dos clientes, e uma doçaria totalmente caseira. O futuro a nível familiar na cozinha ainda não está totalmente garantido, admite, mas frisa que neste momento a ambição é manter a qualidade e o serviço que hoje possuem e que fazem de “O Malho” o restaurante por excelência da sua região.

 

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

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2 Comentários

  1. Obrigado pelo seu papel.
    Tenho muitas saudades deste restaurante que conheci quando era pequeno (a tal tasquinha).
    Na altura foi um primo de o meu pai que nos levou pela primeira vez. Lembro-me de comer uma vitela estudada de cebolada de outro mundo, era eu “puto”, isto a quase 40 anos. Lembro-me na altura, se não estou enganado, que era o irmão (Jorge?) que sempre nos servia.
    Muito obrigado por me ter ajudado a relembrar de estes bons momentos. Um abraço de França.

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